Primeira repórter negra da televisão brasileira, Gloria Maria precisou quebrar muitos tabus e passar por cima de inúmeros preconceitos para alcançar o status que alcançou em sua carreira. A jornalista, que faleceu recentemente vítima de câncer, fez da sua trajetória uma luta contra o racismo.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
No entanto, nem ela escapou da “patrulha da internet”. Ao declarar que achava que o “mundo estava chato” e “tudo era racismo”, a apresentadora do Globo Repórter enfrentou o “cancelamento” na web e inúmeras críticas de militantes das causas antirracistas.
“Politicamente correto”
Em setembro de 2020, Gloria Maria deu uma entrevista para a jornalista Joyce Pascowitch (foto acima) em seu Instagram. Durante a conversa, a apresentadora do Globo Repórter detonou o “politicamente correto” e reclamou que o mundo “estava chato”.
“Hoje tudo é racismo, tudo é preconceito. Até hoje na TV, eu tenho meus câmeras antigos, os técnicos que estão comigo há 40 anos, todos me chamam de neguinha. Eu nunca me ofendi, nunca me senti discriminada. Me chamam de uma maneira amorosa, carinhosa. É claro que se falam ‘ô, nega’, não sei o quê, é outra coisa. Então, hoje, tudo é preconceito, tudo é assédio. Está chato”, declarou a então funcionária da Globo.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
LEIA TAMBÉM!
Gloria continuou falando que, em mais de 40 anos na televisão, já havia sido paquerada inúmeras vezes, mas que não considerava a atitude como assédio, nem mesmo moral – o que, segundo ela, “é uma coisa clara, não tem dubiedade”.
Cancelada
As declarações da repórter pegaram muito mal entre militantes e simpatizantes de causas de combate ao racismo. Muitos se manifestaram contrário às falas da apresentadora da Globo.
“Racismo e sexismo são sistemas de dominação. O fato de a Gloria Maria achar ok a equipe dela chamar ela de neguinha e o fato de ela considerar ‘paqueras’ no ambiente de trabalho ‘natural’ também fazem parte do sistema de dominação. E adivinha? Os brancos apropriarem esse discurso também faz parte do sistema de dominação”, escreveu a ativista antirracista Winnie Bueno, em seu Twitter.
Curiosamente, Gloria acabou sendo defendida por expoentes da extrema direita brasileira. Políticos, como Bia Kicis (PSL), Eduardo Bolsonaro (PSL) e Carla Zambelli (PSL) elogiaram as declarações da jornalista.
Ponderação
Outros militantes de movimentos antirracistas procuraram esclarecer que as falas de Gloria Maria (na foto acima com Sérgio Chapelin) representavam “sua opinião”, mas que não deveria ser tratada como “verdade absoluta”. Alguns deles, inclusive, procuraram relembrar as contribuições da jornalista ao movimento.
“Não caiam na armadilha de tornar Gloria Maria um alvo. Ela já falou abertamente sobre sofrer racismo desde sempre. Ela discordar em um ponto ou se expressar mal, não apaga nada do que essa mulher representa. E quem usa dessa fala é só desonesto mesmo”, postou Levi Kaique Ferreira, engenheiro e professor.
Luta
Em outras ocasiões, Gloria Maria chegou a relatar os inúmeros ataques racistas que sofreu ao longo de sua carreira. Ela confessou que sofreu muito por conta da discriminação.
A jornalista, inclusive, foi a primeira brasileira a usar a Lei Afonso Arinos, que proibiu a discriminação racial no Brasil, em 1951. Em 2019, ela relembrou o ocorrido numa postagem em seu Instagram.
“Racismo é uma coisa que eu conheço, que eu vivi, desde sempre. E a gente vai aprendendo a se defender da maneira que pode. Eu tenho orgulho de ter sido a primeira pessoa no Brasil a usar a Lei Afonso Arinos, que punia o racismo, não como crime, mas como contravenção. Eu fui barrada em um hotel por um gerente que disse que negro não podia entrar, chamei a polícia, e levei esse gerente do hotel aos tribunais. Ele foi expulso do Brasil, mas ele se livrou da acusação pagando uma multa ridícula. Porque o racismo, para muita gente, não vale nada, né? Só para quem sofre”, escreveu Gloria.