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Parecia impossível, mas aconteceu. Travessia chega ao fim em maio entregando o que se espera de uma novela das nove. O enredo de Gloria Perez ganhou fôlego graças às tramoias de Ari (Chay Suede); o merchandising social, característico da faixa e da autora, encontrou força na abordagem sobre pedofilia e estupro virtual.
Fábio Rocha / GloboÉ bem verdade que o folhetim passa longe da galeria de grandes trabalhos de Gloria – Barriga de Aluguel (1990), O Clone (2001), A Força do Querer (2017)… Travessia, no entanto, conseguiu se organizar a ponto de, em suas últimas semanas, despertar o interesse do público, adormecido praticamente desde a estreia.
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Equívocos
Decidida a abordar a revolução digital, Gloria Perez se atrapalhou logo nos primeiros capítulos. Vítima de uma montagem de Rudá (Guilherme Cabral), Brisa (Lucy Alves) quase foi linchada por populares que a acusavam de sequestrar crianças. Presa em seguida por porte ilegal de arma, numa confusão envolvendo Oto (Romulo Estrela), ela se negou a fornecer seus dados e pedir auxílio no combate à notícia falsa.
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O enredo inconsistente espantou o público. A burrice de Brisa, de perfil distante das outras heroínas de Gloria, também.
Para driblar o tropeço inicial, a novelista optou por um caminho testado e aprovado: o da disputa de guarda. Ari e Brisa declararam guerra por conta de Tonho (Vicente Alvite). O conflito se arrastou por meses, talvez pela ausência de outra história para contar. Recentemente, um DNA mostrou que o menino não tem os genes de Brisa, que possui quimerismo, uma condição rara que implica em cadeias genéticas diferentes numa mesma pessoa.
O exame levou ao resgate da montagem de Rudá: seria Brisa sequestradora e Tonho uma de suas vítimas?
O dono da história
Os absurdos em torno da protagonista, e a falta de ação e noção da mesma, pouco interessam ao espectador. Travessia tem mobilizado a audiência graças ao golpe que Ari deu em Guerra (Humberto Martins). As motivações do arquiteto são claras apenas para ele. Com uma visão distorcida da realidade, Ari se sente injustiçado pelo construtor, que, de fato, é um homem interessado em comandar todos os que o cercam.
A situação se agravou com a gravidez de Chiara (Jade Picon), certa de que não deseja ter um filho do homem que surrupiou o patrimônio de seu pai.
Tal história ganha força graças à interpretação de Chay Suede, um dos melhores atores da nova geração. Ari comete seus crimes com os olhos marejados, estando sempre entre a culpa pela maldade e o êxtase ao cometê-la. É um psicopata, tipo recorrente nos folhetins de Gloria Perez, bem representado por Alicinha (Cristiana Oliveira) de O Clone e Yvone (Letícia Sabatella) de Caminho das Índias (2009).
Acerto
Além das maquinações de Ari, Travessia enfim encontrou um plot interessante no que tange à tecnologia. Se a autora falhou ao minimizar a ação de Rudá envolvendo a disseminação de fake news, o impacto desta na vida de Brisa e a dependência digital de Theo (Ricardo Silva) – marcada pela repetição de cenas e situações –, o acerto veio com força, através do pedófilo vivido por Claudio Tovar.
O criminoso usou de um perfil falso para iludir Karina (Danielle Olímpia). De posse de fotos da garota em trajes sumários, ele a chantageou para conseguir outras imagens. As cenas aterrorizantes, exibidas nesta segunda-feira (3), iniciaram a abordagem (lamentavelmente tardia) de outro tema: o estupro virtual.
Desta forma, Travessia chega às últimas semanas melhor do que começou. Se o início padeceu com uma narrativa inconsistente e desinteressante, o fim parece, ao menos, ter o que mostrar. Evidente que, a esta altura, não há possibilidade de ajeitar o todo. Porém, se Gloria Perez conseguir manter apenas as tramas de Ari e Karina no ritmo atual, já terá salvo sua história do fiasco completo.