Chegamos na quarta e derradeira parte da série de reportagens que mostra como o Esporte Interativo e a Globo deixaram de ser parceiras e viraram concorrentes ferrenhas.

Neste último episódio, falaremos dos detalhes de como aconteceu a compra de parte do Campeonato Brasileiro de 2019, a negociação do EI com os clubes e a que pé anda a briga atualmente.

Vale lembrar que este é um trabalho minucioso de dois meses de apuração deste repórter, colhendo depoimentos com jornalistas, diretores, editores e executivos de todas as partes envolvidas. Jamais esta história foi contada com a riqueza de detalhes que você verá nesta parte final.

Virando o canhão para o Brasileirão

Antes da compra da UEFA Champions League, a direção da Turner condicionou o imenso investimento à compra da totalidade das ações do Esporte Interativo. A gigante americana seria dona de tudo. Estava cristalino que a Turner não estava brincando em entrar no mercado do entretenimento esportivo no Brasil.

Imediatamente, os profissionais do Esporte Interativo foram ganhando espaço na estrutura, digamos, burocratizada da Turner. E gerando ciúmes. Mas todos sabiam que a consolidação dos canais EI Maxx não se daria apenas com a Champions. Havia a necessidade de novos investimentos. Grandes investimentos. E foi a vez do SporTV sofrer.

Em vez de gastar US$ 50 milhões por ano com o Campeonato Espanhol e US$ 35 milhões por ano com o Campeonato Inglês (comprado pela ESPN logo depois, desta vez com exclusividade após o Fox Sports desistir de dividir o valor em cima da hora e causar pânico e raiva nos executivos do canal da Disney), o Esporte Interativo preferiu investir dinheiro para exibir o Campeonato Brasileiro da Série A na TV fechada.

Uma ousadia imensa! Após 30 anos, alguém tinha a audácia de brigar por direitos do futebol brasileiro com o Grupo Globo. Uma conjunção de fatores ajudou o Esporte Interativo nisso.

A primeira foi o Cade exigir que os direitos fossem vendidos de forma separada: TV aberta, TV fechada, pay-per-view e internet. Antes, a Globo colocava tudo no mesmo pacote, de um bolo gigante de dinheiro (inflado, evidentemente, pela parte da TV aberta) e os clubes nem sabiam direito o quanto estavam recebendo por cada direito.

O Cade exigiu que tudo fosse fatiado. E o Esporte Interativo soube usar isso muito bem, fazendo reuniões didáticas com os clubes, fazendo os arcaicos dirigentes enxergarem isso. O mantra passado aos clubes era: o SporTV paga apenas R$ 100 milhões por ano para exibir dois jogos por rodada da Série A. O Esporte Interativo fazia esse valor saltar para R$ 550 milhões.

Outro fator foi uma mudança interna na Globo. Após mais de duas décadas, Marcelo Campos Pinto deixava de ser o homem-forte da emissora na negociação com os clubes. Foi substituído por Pedro Garcia (foto abaixo), então diretor da Globosat. Foi no período dessa troca, com o novo diretor se adaptando à função, que o Esporte Interativo atacou os clubes.

A direção do EI sabia claramente que os contratos estavam em posição de fragilidade: venceriam em 2018 e a Globo, julgando não ter nenhuma ameaça no mercado, praticamente não tinha começado a negociar a renovação com eles. Uma declaração de Pedro Garcia há alguns meses denota essa passagem de bastão um tanto quanto confusa. Segundo ele, os clubes nem deram a chance de a Globo negociar com eles.

“Ficamos surpreendidos com alguns poucos clubes que, apesar do nosso relacionamento de tanto tempo, não quiseram nem ouvir nossa proposta ou nem avaliaram a fundo o que estávamos colocando na mesa para 2019 em diante. Apesar do SporTV ser líder nas audiências de TV paga e ser a marca de referência em esportes na TV, não nos deram a chance de explicar em detalhes a nossa visão e o que propúnhamos”, disse o dirigente.

O terceiro fator foi o descontentamento de todos os clubes com a distância dos valores recebidos por Flamengo e Corinthians após a renovação de contrato em 2011, vinda na esteira da implosão do Clube dos 13. Isso permitiu negociações individuais dos clubes e fizeram a receita de TV de Fla e Corinthians pular para R$ 170 milhões por ano a partir de 2016, enquanto o terceiro que mais ganha, o São Paulo, recebe R$ 110 milhões.

O discurso do Esporte Interativo foi como música para os ouvidos dos clubes descontentes: divisão mais igualitária, nos moldes do Campeonato Inglês, com 40% dividido igualmente, 30% pelas colocações no ano anterior e 30% pelas audiências.

Tudo isso junto resultou no sucesso do Esporte Interativo conseguindo assinar com 16 clubes para o Campeonato Brasileiro da Série A em 2019 – Palmeiras, Santos, Ponte Preta, Bahia, Atlético Paranaense, Coritiba, Internacional, Fortaleza, Criciúma, Joinville, Paraná, Paysandu, Santa Cruz, Ceará, Paraná Clube e Sampaio Correia.

E poderiam ser muito mais, caso alguns não tivessem desistido após estarem muito bem encaminhados com o Esporte Interativo, especialmente Grêmio e Fluminense, que foram “resgatados” após um trabalho de apagar incêndio feito pela Globo, ao perceber que a ameaça era muito real. Mas o estrago estava feito.

Só que, para desespero da Globo, o Esporte Interativo queria mais. Começou a fazer propostas por vários campeonatos que há décadas são portos seguros do Grupo Globo.

Fez ofertas oficiais pelos campeonatos Paulista e Carioca e pela Copa do Brasil. A Globo manteve os três. Mas sangrando seus cofres. Pagou, no total, mais R$ 700 milhões a mais que nos contratos anteriores, quando não teve concorrência.

O último “ataque” do Esporte Interativo tirou do SporTV as competições de basquete da Fiba (Federação Internacional de Basquete) deste ciclo olímpico. O canal da Turner comprou as competições, incluindo os Mundiais e os Pré-Olímpicos, deixando o canal da Globosat sem os direitos até 2021.

Haja analgésico para amenizar a dor de cabeça que o Esporte Interativo vem dado no grupo de mídia mais poderoso do Brasil. Mas a briga continua. E novas partes dessa história serão escritas até 2019.

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