Na semana passada, começamos a contar a história de como o Esporte Interativo e a Globo tornaram-se ferrenhos concorrentes. A relação entre essas duas organizações é longa, começou há mais de 20 anos e ambas foram aliadas em vários momentos.

Nesta segunda parte da reportagem, vamos falar da volta da Copa do Nordeste e de como a Turner começou a investir no canal esportivo.

Vale lembrar que este é um trabalho minucioso de dois meses de apuração deste repórter, pegando depoimentos com jornalistas, diretores, editores e executivos de todas as partes envolvidas. Jamais esta história foi contada com a riqueza de detalhes que você verá nesta segunda parte.

A volta da Copa do Nordeste

A disputa judicial citada na primeira parte desta reportagem teve um desfecho no fim de 2011. A ação movida pela Liga do Nordeste contra a CBF na Justiça do Rio de Janeiro foi considerada vencedora. A CBF não tinha mais como postergar o pagamento de quase 50 milhões de reais à Liga por perdas e danos com o fim do Calendário Quadrienal em 2003. Para não ter que pagar esse valor, a CBF se dobrou: a Copa do Nordeste iria retornar ao calendário em 2013.

Essa vitória da Liga do Nordeste era também uma vitória do Esporte Interativo. O canal, valendo-se da relação Top Sports-Liga do Nordeste, adquiriu todos os direitos, de televisão e comerciais, da competição, assegurada pelo acordo judicial até 2022 no calendário da CBF. A estratégia da venda dos direitos foi parecida com o início do século: a Globo Nordeste, a Verdes Mares e a TV Bahia tinham o direito de exibir um jogo (realizado fora de sua cidade) por rodada. Na TV fechada, a competição era exclusividade do Canal Esporte Interativo. Nada, nenhum jogo, para o SporTV.

Isso foi usado pelo canal para forçar a entrada de seu canal aberto, com remuneração, nas TVs pagas. Não deu muito certo, mas gerou dor de cabeça para as operadoras. A demanda de ligações cobrando os jogos exclusivos de Bahia, Sport, Santa Cruz, Vitória e outros congestionou as centrais telefônicas de todas as operadoras. Uma parceria com a Claro, que tinha o Esporte Interativo e o (então) EI Nordeste em seu line up, fez as vendas de Claro TV e (o cancelamento de assinaturas da Sky!) explodirem no Nordeste. E gerou uma cobrança forte das operadoras ao Globosat (controladora do Sportv). O tom era o seguinte: “pagamos uma fortuna ao Sportv para vocês terem tudo do futebol nacional. E vocês não têm a Copa do Nordeste?”. A “dor de cabeça” que para o executivo da Globo estava aumentando muito.

A consolidação do canal, saído do “nada”, sem profissionais com grande experiência de televisão, crescendo assustadoramente com pouco recursos num ambiente em que muito dinheiro é consumido, sempre com grandes ideias (como o lançamento do EI Plus, plataforma tipo Netflix, para fazer seu conteúdo chegar diretamente ao consumidor), que sabia trabalhar (e rentabilizar) muito bem com as mídias sociais, fez o mercado olhar com ótimos olhos para o Esporte Interativo. Mesmo assim, a relação com a Globo seguia boa. Na Globo a sensação era que o dano do Esporte Interativo era controlado, já que as operadoras de TV paga seguiam resistindo a carregar, com remuneração, os canais Esporte Interativo. Mas tudo mudou em meados de 2013.

Sabendo que sua capacidade de investimento estava próxima ao limite, o Esporte Interativo começou a buscar um parceiro de peso no mercado para alçar voos maiores. Avisou isso à própria Globo, que poderia ser esse investidor, mas não demonstrou interesse. O canal conversou com algumas instituições financeiras até fechar a venda de parte de suas ações para a Turner por 80 milhões de reais.

A Turner, uma das gigantes na produção de conteúdo para a TV paga no Brasil, sabia que precisava atuar no ramo do esporte, sua única deficiência no País. E viu na capacidade de realização do Esporte Interativo a oportunidade ideal. O dinheiro seria usado, basicamente, para implementar o sinal HD do Esporte Interativo e a criação de seus dois canais de TV paga para a empresa, de fato, brigar pela remuneração das operadoras.

A entrada da Turner no projeto Esporte Interativo escancarou para a Globo o que já tinham percebido no SporTV: não havia como impedir mais um concorrente no disputadíssimo mercado de esportes da TV paga. Mercado este que já tinha sido sacudido com a entrada da Fox Sports no Brasil no início de 2012, gerando uma derrota gigantesca para os canais SporTV: ficar sem a Libertadores da América (e logo no ano em que o Corinthians viria a ser campeão).

A presença da Fox Sports no País significou o fim de uma coincidência: os canais da Globosat sempre ficavam com os direitos do futebol brasileiro e os canais da Disney sempre levavam os direitos de futebol internacional. A chegada da Fox bagunçou esse ecossistema muito bem organizado: tirou Libertadores e Sul-Americana do SporTV e tirou metade do Inglês, o Italiano e o Alemão da ESPN. Evidentemente, ter mais um grupo, o Esporte Interativo, nessa briga geraria mais bagunça pela frente.

Perceber esse cenário de “dor de cabeça” fez a Globo mudar em relação ao Esporte Interativo. Não eram mais aliados. Nenhum direito das Organizações Globo seria mais repassado ao Esporte Interativo. Nenhuma facilidade seria dada, como já acontecia há tempos com o Sportv, que se recusa a ceder imagens para o Esporte Interativo até hoje.

E isso ficou cristalino no processo de venda dos direitos da Liga dos Campeões, como veremos na parte 3 desta reportagem, que será publicada na próxima quarta-feira.

Leia também: Acabou o amor! Como a Globo e o Esporte Interativo passaram de aliados a inimigos mortais (parte 1)

Leia também: Acabou o amor! Como a Globo e o Esporte Interativo passaram de aliados a inimigos mortais (parte 2)

Leia também: Acabou o amor! Como a Globo e o Esporte Interativo passaram de aliados a inimigos mortais (parte 3)

Leia também: Acabou o amor! Como Globo e Esporte Interativo passaram de aliados a inimigos mortais (final)


Compartilhar.