O Outro Lado do Paraíso voltou a causar barulho – desta vez, no bom sentido. Em meio à dualidade entre a generosa audiência da novela das nove (36,1 pontos, se tornando agora o maior sucesso do horário desde Avenida Brasil, de 2012) e as críticas ao desenvolvimento do enredo de Walcyr Carrasco, uma sequência em especial foi digna dos melhores elogios. O julgamento do pedófilo Vinícius (Flávio Tolezani), que abusou da enteada Laura (Bella Piero), rendeu o atual recorde da novela (46 pontos) e foi marcado pelo show de emoção presenteado pelos atores e atrizes.

A abordagem da pedofilia, de início, despertou críticas em função da polêmica envolvendo o tratamento do trauma da menina com técnicas de coaching e hipnose aplicadas por Adriana (Julia Dalavia), advogada de formação. A atitude irritou o Conselho Federal de Psicologia – ainda mais depois que se descobriu que tal ato foi na verdade uma ação de merchandising comercial, descaracterizando o fator social.

No entanto, o investimento no drama de Laura – cujo sofrimento veio a público através de Clara (Bianca Bin), que elegeu o delegado como novo alvo de sua vingança após humilhar Samuel (Eriberto Leão) – passou a valorizar o talento de Bella Piero. A jovem atriz, que surgiu em Verdades Secretas (2015) como a rebelde Nina, emocionou à medida que a personagem externou as marcas das agressões que sofria desde a infância, que inclusive a levavam a ter medo de tartarugas (que faziam parte do jardim da casa na época) e não conseguir se entregar ao noivo Rafael (Igor Angelkorte).

E o auge veio nos capítulos de segunda e (especialmente) terça, durante a audiência que julgaria Vinícius. Laura denunciou para todos os abusos cometidos pelo padrasto e o desespero guardado durante anos de sofrimento. Bella Piero mais uma vez emocionou, em uma interpretação tocante e repleta de sensibilidade, que pôs em evidência o talento promissor da garota. Texto, direção e atuações se convergiram naquele que se tornou o melhor momento da novela, superando inclusive o retorno triunfal de Clara.

Outra talentosa atriz que deu show nestas cenas foi Sandra Corveloni, que interpreta Lorena, mãe de Laura, que era totalmente omissa ao sofrimento da filha em nome de seu relacionamento com o delegado e, sensibilizada com tudo que ouviu, alterou seu depoimento contra Vinícius, insultando-o em pleno tribunal. Embora, em tese, a atriz estivesse interpretando um papel semelhante ao de Amor à Vida (2013) – na qual sua personagem era relapsa com o autismo de Linda (Bruna Linzmeyer); na prática, os resultados foram totalmente diferentes e a premiada intérprete, experiente no cinema, protagonizou cenas de tirar o fôlego.

E a cereja do bolo foi a luxuosa participação da veterana Ilva Niño. Experiente em viver empregadas domésticas (em especial Mina, fiel escudeira de Porcina em Roque Santeiro), a atriz viveu uma testemunha-chave do processo, convidada por Patrick (Thiago Fragoso) para falar sobre os abusos do delegado contra Laura. Deu gosto de ver Ilva mostrando seu brilhantismo em cena – não à toa, foi aplaudida por todos ao final das gravações. Além das três, ainda se destacaram Flávio Tolezani, excelente com a frieza de Vinícius ao confessar os seus crimes, Marieta Severo e Eliane Giardini, pelo choque de Sophia e Nádia com tamanho absurdo; Ernani Moraes, em ótima participação como o advogado de defesa de Vinícius; e Igor Angelkorte, que convenceu com a preocupação e o amor de Rafael por Laura.

As grandes sequências exibidas nesta semana fizeram valer a força da corajosa abordagem da pedofilia por parte de Walcyr, amenizando as controvérsias que a cercaram desde o começo. É um entrecho que se destaca positivamente em meio a outros temas cuja condução é simplesmente abaixo da crítica, como o nanismo de Estela (Juliana Caldas) e a homossexualidade de Samuel (Eriberto Leão), que virou um núcleo de humor rasteiro no (pior) estilo Zorra Total.

Vale ressaltar que, anteriormente, o tema só havia sido tratado de forma tão densa em Chamas da Vida (2008), elogiada novela da Record, envolvendo a jovem Viviane (Letícia Colin) e o pedófilo Lipe (André di Mauro). Antes de emocionar na pele da princesa Leopoldina em Novo Mundo (2017), a atriz já havia vivido um grande momento ao retratar os horrores sofridos pela irmã do protagonista Pedro (Leonardo Brício).

E o capítulo de quarta-feira apresentou novos desdobramentos que fizeram o público se sentir de alma lavada. Sandra Corveloni e Bella Piero emocionaram novamente no momento em que Lorena pede que Laura a perdoe um dia por todo o tempo de omissão, se sentindo culpada por ter negligenciado o que a filha sofria. E, no fim do capítulo, a esperada morte de Vinícius impactou e rendeu um gancho arrepiante, conduzido pela direção de Mauro Mendonça Filho. Numa sequência que evidenciou também o “código” interno dos presos, o delegado foi esfaqueado e morto. Forte e arrepiante cena.

Embora ainda apresente um conjunto repleto de falhas e situações mal conduzidas, O Outro Lado do Paraíso acertou em cheio esta semana com o ponto mais alto da história de Laura. As cenas do julgamento valorizaram o talento de Bella Piero, Sandra Corveloni, Ilva Niño e todos os atores envolvidos. Walcyr Carrasco reafirmou seu forte poder mobilizador e fez valer o merchandising social mais acertado do enredo. E a direção de Mauro Mendonça Filho foi decisiva para imprimir todo o impacto e emoção necessários. Um conjunto digno de muitos aplausos.


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