O drama da gente

A Vida da Gente – trama das seis cuja reprise foi concluída nesta sexta (06) – não inovou a teledramaturgia brasileira, mas, na ocasião de sua exibição original (entre 2011 e 2012), trouxe alguma novidade para este universo. Nunca antes uma novela havia priorizado tramas psicológicas e diálogos em detrimento à ação. Isso lhe valeu o apelido de “novela DR” (discussão de relação).

A maioria dos capítulos trouxe diálogos em que pares discutiam o sentimento ou comportamento de algum personagem. Foi quando a autora Lícia Manzo fez uso do “personagem orelha”, aquele que pode até aconselhar e discutir, mas, acima de tudo, ouve, fazendo o papel do público. É como se o personagem falante estivesse refletindo sobre seus atos diretamente com o telespectador.

Isso trouxe um problema: a novela ficou cansativa em determinados momentos – principalmente quando não havia nenhuma ação para acontecer -, o que gerou a sensação – mas só sensação – de “barriga” (momento na história em que nada acontece).

A trama – elogiadíssima pela sensibilidade com que sua história foi apresentada – ao mesmo tempo em que emocionou a muitos, provocou um efeito indesejado em outros, que concordaram com a alcunha de “angustiante” dada pelo Ministério da Justiça ao reclassificá-la (em novembro de 2011) para “não recomendada para menores de 10 anos”.

Em vários momentos, diante de tantos dramas, a novela passou mesmo uma sensação de tristeza exagerada. Faltou um maior “alívio cômico”, momento em que o telespectador respira entre um drama e outro. Personagens como Seu Wilson (Luís Serra), Nanda (Maria Eduarda Carvalho) e Cris (Regiane Alves) foram responsáveis por situações risíveis, mas não suficientes diante de tanto sofrimento nos demais núcleos.

O sucesso entre os defensores de A Vida da Gente – e o grande diferencial da novela – está no mérito de ela se embasar no naturalismo em detrimento do maniqueísmo vigente. Somados a isso, um texto bonito e emocionante, com personagens com que o público pudesse facilmente se identificar.

Novela Marisa: de mulher para mulher

Uma característica de A Vida da Gente foi a abordagem feminina em suas tramas. Os dramas eram universais, mas foram trabalhados sob a ótica feminina, evidenciados principalmente diante de personagens masculinos fracos (quando comparados com as femininas). Apesar de a autora ter tratado da impotência masculina na terceira idade, este subtema serviu para movimentar o romance de Laudelino e Iná (Stênio Garcia e Nicette Bruno) em que ele era, de certa forma, dominado por ela.

Outros exemplos: Marcos (Ângelo Antônio), um homem que sempre viveu à sombra das mulheres; Jonas (Paulo Betti), um déspota risível; e Rodrigo (Rafael Cardoso), um fraco indeciso. Quando Lúcio (Thiago Lacerda) parecia ser um homem com um pouco mais de atitude, veio uma antiga namorada e lhe deixou a ver navios. Além de parecerem submissos às mulheres, os homens, às vezes, tinham atitudes idiotas, o que justificava que eles ficassem sempre à mercê delas.

A Vida da Gente foi a novela das “mulheres alfa”. E mulheres dialogando de mulher para mulher.

Vamos falar de coisa boa!

Fotografia, cenários, locações, tomadas, caracterizações, figurinos, direção de arte, trilha sonora… Não tem o que reclamar: tudo muito bonito, condizente com a proposta da novela. Direção de atores segura em um elenco irrepreensível, com grandes momentos da dupla de protagonistas, Fernanda Vasconcellos e Marjorie Estiano.

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Ana Beatriz Nogueira e Gisele Fróes deram um show de interpretação vivendo vilãs humanas, possíveis, cada uma dentro de sua loucura. Rafael Cardoso e Thiago Lacerda, em interpretações contidas, estiveram dentro da proposta de seus personagens. A hoje saudosa Nicette Bruno “divou” como avó Iná. Maria Eduarda Carvalho fez o público rir e se emocionar – mérito também do texto afiado que a autora punha na boca da personagem.

Ângelo Antônio viveu um personagem chato, um tipo recorrente em sua carreira. Também se destacaram Leonardo Medeiros, Malu Galli, Leona Cavalli, Luiz Carlos Vasconcellos, Stefany Brito, Regiane Alves e Paulo Betti. E a então menina Jesuela Moro, que encantou como Júlia, filha das protagonistas.

Lícia Manzo mostrou competência em sua primeira novela solo, apresentando um texto realista e sensível poucas vezes visto em nossa televisão.

Aguardamos ansiosamente por sua estreia no horário das nove da noite, com Um Lugar ao Sol, em novembro de 2021 (substituindo a reprise de Império), tendo Cauã Reymond como protagonista.

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Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira. Leia todos os textos do autor