Poucos se salvam: A Vida da Gente apresenta uma legião de homens idiotas e fracos

29/05/2021 às 13h44

Por: Sergio Santos
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A Vida da Gente, trama da talentosa Lícia Manzo que está sendo reapresentada em edição especial pela TV Globo, se mostrou impecável, algo raro na teledramaturgia. Difícil não se envolver com os personagens. A autora escreve uma história tão realista e humana que acabou criando um novelo repleto de perfis bem construídos, onde não há vilões e nem mocinhos. Até mesmo em um aspecto que resultaria em uma aparente falha, a autora explora bem os altos e baixos daquelas pessoas. Mas há uma questão bastante clara no roteiro: 90% dos homens são uns idiotas sem atitude.

É uma missão muito dura criar empatia por qualquer homem da história. Jonas, por exemplo, vivido pelo talentoso Paulo Betti, vive para o trabalho e nunca se preocupou com os filhos. Os trata como um estorvo em sua vida. Também nunca foi adepto da honestidade, pois seus negócios prosperaram com a ajudinha de alguns desvios. Para culminar, aceitou que a esposa Cristiane (Regiane Alves) engravidasse por inseminação artificial e tratou o novo herdeiro com a mesma frieza que travava os dois outros filhos, Rodrigo (Rafael Cardoso) e Nanda (Maria Eduarda de Carvalho). Seu fiel escudeiro, Klebber (Tadeu di Pietro), é um bocó. Mas é importante destacar que as cenas protagonizadas pelos atores são muito divertidas.

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Já Rodrigo, um dos protagonistas, é um homem sem atitude e covarde. No atual momento da trama, tem medo de contar sobre seus sentimentos e trai Manu com Ana. Mesmo depois de várias tentativas de Manuela, que insistiu para saber se o marido ainda sentia algo por sua irmã e não recebeu uma resposta honesta. O rapaz prefere desabafar com o tio, Lourenço (Leonardo Medeiro), e com ele confessa suas dúvidas e incertezas.

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Todavia, esse tio é outro perfil que irrita pela nulidade de sua vida. O professor largou a carreira no passado para lançar um livro, trabalhado por longos anos. E só conseguiu o dinheiro para bancar o lançamento porque vendeu seu sêmen para o irmão, Jonas, engravidar a esposa. Ainda assim, perdeu toda a fortuna ao longo do tempo e precisou voltar a lecionar. Também nunca conseguiu superar o término de seu casamento com Celina (Leona Cavalli) – encerrado porque ele nunca quis ter filhos e ela sim.

E há vários outros exemplos de homens bananas na novela. O frouxo Marcos (um apático Ângelo Antônio) é o mais clássico. Viveu sendo humilhado pela mulher, Vitória (Gisele Fróes), e, mesmo após a separação, continua não conseguindo se impor diante da ex. Até porque nem tem moral. Ambicioso, rejeita trabalhos considerados menores e vive planejando algo grande sem tomar qualquer atitude. Sempre com dificuldades financeiras, acaba se encostando nas mulheres. Vide seu romance com Dora (Malu Galli). Precisou ouvir da nova namorada que tinha que ser independente financeiramente para não iniciarem uma relação com problemas. Isso depois que ele mesmo se ofereceu para morar com ela.

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Até mesmo o elenco infantil masculino apresenta traços de inferioridade. Francisco (Vitor Navega Motta), filho de Lui (Marat Descartes) e enteado da ácida e hilária Nanda, é um menino responsável, mas é um típico ‘nerd’ que sofre humilhações na escola e acabou se apaixonando por uma menina que o ridicularizou quando soube de seus sentimentos. Já o filho de Jonas e Cris é parecido. Tiago (Kaic Crescente) é uma criança infeliz que não recebe a atenção de ninguém, a não ser de sua babá. No caso das crianças, não é culpa delas. São apenas vítimas. Mas, em um comparativo com a mimada e acarinhada Júlia (Jesuela Móro), são figuras muito mais frágeis e até bobinhas.

Seu Laudelino (Stênio Garcia) é mais uma figura que merece menção. Carente ao extremo, vive mendigando atenção de Iná (Nicette Bruno), que o faz de gato e sapato. É praticamente um capacho da namorada e faz tudo o que ela manda. O jardineiro Mathias (Marcello Melo Jr.) também precisa ser citado. Após um bonito início de namoro com a babá Lorena (Júlia Almeida), o rapaz a trai com a patroa que não tem um pingo de caráter.

O pai adotivo de Alice (Sthefany Britto), Cícero (Marcello Airoldi), é outro perfil que irrita. Inicialmente mostrado como um pai presente e amigo, o personagem se torna um ciumento possessivo quando o pai biológico da filha surge. Fica insuportável. E até o novo personagem parece um banana. Renato (Luiz Carlos Vasconcelos) tem uma bonita aproximação com Alice, mas depois começa a flertar com a mãe adotiva da filha, Suzana (Daniela Escobar), e banca o sonso. Aliás, é necessário citar a entrada de outro novo perfil, não por acaso, outro idiota: Arthur (André Frateschi). O namorado que Celina quase arranjou vive paparicado pela mãe protetora, interpretada pela saudosa Rosaly Papadopol, e não sabe nem ir ao restaurante sozinho.

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É possível afirmar que há apenas três figuras no time masculino da trama que fogem da regra: o hilário Seu Wilson (Luiz Serra), o responsável e amoroso Lui (Marat Descartes), e o médico Lúcio (Thiago Lacerda). Em meio a tantos homens bananas e idiotas, o trio se salva. Ainda assim, o doutor que cuidou e se apaixonou por Ana (Fernanda Vasconcellos) merece uma ressalva: perdoa muito rápido, após a traição da amada. Um pouco de amor próprio não faz mal a ninguém.

A Vida da Gente é repleta de qualidade e o excesso de homens passivos nem pode ser encarado como um equívoco. Talvez sirva até como uma reparação. Isso porque Lícia Manzo tem um estilo de escrita muito comparado a Manoel Carlos. E Maneco sempre recheou suas novelas com homens abusivos e autoritários, com raras exceções. Não por acaso, as reprises de suas obras causam tanta indignação em alguns aspectos vistos ao olhos de hoje. A autora, portanto, involuntariamente ou não, se ‘vingou’ muito bem, fortalecendo as figuras femininas e fragilizando as masculinas. É mais real do que se imagina.

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