A Regra do Jogo prometeu bastante e não cumpriu nem a metade
12/03/2021 às 0h08
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Após o imenso fracasso de Babilônia e o sucesso de Os Dez Mandamentos, a Globo decidiu antecipar a estreia de A Regra do Jogo. A trama estreou no dia 31 de agosto de 2015 e era vista como a salvação do horário nobre, em virtude do fenômeno Avenida Brasil, escrita pelo autor em 2012. No entanto, a estratégia da emissora foi catastrófica. Iniciar uma nova história enquanto o folhetim bíblico da Record estava a pleno vapor foi um erro crasso e pagaram caro por isso – a novela da líder chegou a perder algumas vezes na audiência e demorou a reagir. Porém, pouco mais de seis meses depois, pode-se constatar que a trama chegava ao fim com bons momentos e conseguiu, apesar dos percalços iniciais, elevar o Ibope do horário nobre.
A novela de João Emanuel Carneiro prometeu bastante e não cumpriu nem a metade. Entretanto, não pode ser considerada ruim. Foi um folhetim mediano, que conseguiu fechar seu ciclo com dignidade. A trama parecia promissora na primeira semana, quando começou a exibir a história de uma misteriosa facção criminosa, que tinha como um dos integrantes um ex-vereador defensor dos direitos humanos.
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A história instigante despertou atenção e o teaser de lançamento da produção provocou várias teorias a respeito do caráter de cada personagem. Ainda havia a promessa de um novo método de direção, apelidado pela diretora Amora Mautner de Caixa Cênica. E, claro, a expectativa de acompanhar um novo folhetim do autor de quatro sucessos (Da Cor do Pecado, Cobras & Lagartos, A Favorita e Avenida Brasil) era imensa.
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Mas, ao longo do desenrolar do enredo, pouca coisa se mostrou realmente atraente de fato. O núcleo central sempre teve a sua força, mas a demora em desdobrar os acontecimentos prejudicou a novela. E o destaque cada vez maior de vários núcleos paralelos completamente avulsos e repetitivos deixou o conjunto ainda mais desanimador.
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Ficou na promessa
A trama causava a sensação de sempre ficar na promessa. E quando parecia que ia engrenar de vez, havia uma espécie de ‘recuo’, deixando a produção menos atrativa novamente. A própria Caixa Cênica se mostrou uma decepção. Afinal, o método – que consistia em espalhar câmeras pelo cenário, transformando as cenas em um quase BBB, deixando os atores mais soltos – não apresentou mudança significativa em torno da direção das sequências. Pelo menos aos olhos do telespectador.
João Emanuel Carneiro chegou a dizer que essa era a sua novela mais masculina e foi perceptível a sua intenção. Repleta de perfis masculinos fortes, a novela do autor desta vez não se preocupou muito com os papéis femininos. A própria Atena (Giovanna Antonelli) passou longe de ser a quinta loira diabólica do escritor – após Bárbara, Leona, Flora e Carminha -, uma vez que estava muito mais para trambiqueira profissional do que para uma peste sem sentimentos. Passou, ainda, tempo demais correndo atrás do Romero, demonstrando total falta de amor próprio. E Tóia (Vanessa Giácomo) começou como uma mocinha politicamente incorreta (capaz de roubar para salvar a vida da mãe), mas virou uma tonta cega algum tempo depois. Já Djanira (Cássia Kiss) era um contraponto, pois era uma figura forte e tinha nível de igualdade com os homens. Porém, ela foi assassinada no capítulo 43, deixando a história cedo demais – seu desfecho pouco acrescentou para o rumo da novela e foi uma morte bem equivocada.
Ainda mencionando os tipos femininos, Adisabeba (Susana Vieira) foi a maior decepção da história. A toda poderosa do Morro da Macaca vivia correndo atrás do filho Merlô (Juliano Cazarré) e era constantemente feita de idiota por Zé Maria, mas sempre houve a desconfiança sobre a sua real índole. Se ela fosse integrante da facção, com certeza beneficiaria o talento da atriz, provocando uma grande virada na trama. Mas, com a revelação do Pai, a personagem foi perdendo cada vez mais destaque, até assumir de vez o posto de ‘perfil sem função’. No fundo, a perua da favela era apenas uma mãe que superprotegia o seu ‘bebê’ e se cegava diante das atitudes do pai de Juliano (Cauã Reymond). Nora (Renata Sorrah), Kiki (Deborah Evelyn) e Belisa (Bruna Linzmeyer) foram outras que ficaram na passividade por bastante tempo, embora tenham tido uma sucessão de grandes cenas na reta final merecidamente.
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Vilões foram bem
Os nomes realmente responsáveis pelo desenvolvimento do roteiro foram Orlando (Eduardo Moscovis), Zé Maria (Tony Ramos), Romero (Alexandre Nero) e Ascânio (Tonico Pereira), além, claro, de Gibson (José de Abreu), o maior vilão do enredo, apelidado de Pai. Os personagens ganharam bons contornos do autor e foram vitais para o vértice da história. Du Moscovis não teve tanto destaque no início, mas o autor compensou com os momentos derradeiros do canalha, que protagonizou várias cenas de tirar o fôlego. Alexandre Nero, após ter brilhado como o comendador José Alfredo em Império, expôs sua competência ao interpretar magistralmente um tipo que tinha a covardia no DNA. Já Tony Ramos dispensa maiores comentários, pois sempre brilha. E não foi diferente com o ambíguo Zé Maria, que confundia até o telespectador. Por sua vez, Tonico Pereira esteve impagável vivendo o trambiqueiro oportunista mais carismático da novela. Roubou a cena.
E José de Abreu ganhou mais um presente de João Emanuel Carneiro, após o inesquecível Nilo, de Avenida Brasil. Gibson esteve inicialmente apagado na história, mas a revelação sobre a sua verdadeira identidade, obviamente, provocou uma virada na trajetória do personagem, que cresceu absurdamente. O grande vilão do folhetim foi defendido com maestria e havia uma clara inspiração em figuras como o Hitler, por exemplo. Era um tipo que dava medo e impressionava pela frieza. O ator fez inúmeras grandes cenas e os momentos finais do homem, que queria acabar com a podridão do país através de uma perigosa organização criminosa, foram recheados de tensão. Até mesmo o manjado recurso do Quem matou? na última semana serviu para fechar com chave de ouro a participação do intérprete.
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Trama central foi o grande trunfo
A trama central foi o grande trunfo de A Regra do Jogo. Tanto que a audiência da obra começou a crescer à medida que o núcleo principal apresentava boas viradas. O enredo sobre a perigosa facção – que tinha como lema Vitória na guerra, irmão! – realmente prendeu atenção e as melhores cenas da novela vêm justamente do roteiro policial (os núcleos paralelos, lamentavelmente, não apresentaram cena alguma digna de menção). Porém, é necessário citar os vários furos presentes em todo o desdobramento dessa situação: o Pai, por exemplo, só surgia para poucos e confiáveis membros; mas, depois que sua identidade foi revelada para o público, aparecia para todos os integrantes da organização, sem maiores receios. E o excesso de ingenuidade de Dante (Marco Pigossi) abusou da paciência do telespectador, fazendo jus ao posto de policial mais burro da teledramaturgia. Enfim, o fato é que o autor se mostrou perdido em alguns momentos, apresentando falhas no desenvolvimento de seu próprio roteiro. Mas, ainda assim, a história que cercou a ação da organização criminosa proporcionou ótimos momentos e despertou interesse. João é um mestre do suspense.
Já os núcleos secundários prejudicaram muito a narrativa da história. Claramente com o intuito de imprimir leveza ao folhetim, o triângulo protagonizado por Merlô, Alisson (Letícia Lima) e Ninfa (Roberta Rodrigues) logo se esgotou e Juliano Cazarré não convenceu (o papel era bem parecido com o Adauto, de Avenida Brasil, e sua interpretação foi quase a mesma). A família do bom vivant Feliciano (ótimo Marcos Caruso) teve altos e baixos, mas também está entre os pontos negativos. Apesar de algumas cenas divertidas, o núcleo tinha personagens demais e momentos que cansaram pela repetição. Alexandra Richter (Dalila), Otávio Muller (Breno) e Carla Cristina (Dinorá) – além do próprio Caruso – foram os bons destaques em meio a situações que perderam a graça. Até mesmo o drama pesado de Domingas (Maeve Jinkings) – agredida pelo marido e apaixonada por um homem traumatizado – não funcionou, ficando avulso na novela. Outro núcleo que se perdeu por completo foi o do quarteto amoroso composto por Rui (Bruno Mazzeo), Indira (Cris Viana), Tina (Monique Alfradique) e Oziel (Fábio Lago).
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Casais não deram certo
A história também não foi muito feliz nos casais. A exceção foi o par formado por Romero e Atena, que roubaram a cena merecidamente. A química arrebatadora entre Giovanna Antonelli e Alexandre Nero (já vista em Salve Jorge com Helô e Stênio) funcionou novamente e nada mais propício do que uma novela sobre uma facção criminosa ter um casal de bandidos como protagonistas. Já o par formado por Juliano e Tóia não funcionou, assim como as idas e vindas de Merlô com as ‘merlozetes’ – implicando ainda no relacionamento do funkeiro com Mel (Fernanda Souza) e Janete (Suzana Pires) -, além da relação de Úrsula (Júlia Rabelo) e Duda (Giselle Batista), que foi uma bobagem. Até mesmo os casais que tiveram química não foram bem desenvolvidos pelo autor: Cesário (Johnny Massaro) e Luana (Giovanna Lancellotti) esbanjaram sintonia, mas o romance teve conflitos bobos, e o romance quente de Belisa e Dante foi destruído para que o policial ficasse com a insossa Lara (Carolina Dieckmann).
E, vale mencionar, o núcleo central teria ainda mais força se João Emanuel – que foi muito feliz ao inserir um título para cada capítulo, mostrando criatividade de sobra e lembrando as séries – tivesse mostrado a história de Tóia e Dante desde a infância, com as crianças traumatizadas após a morte dos pais na chacina de Seropédica, e o surgimento da facção (sem mostrar a identidade do Pai, obviamente). Também valeria a pena exibir a adoção de Tóia e a forma como Djanira criou Romero, assim como foi o início da sua relação com Ascânio. O público se envolveria imediatamente com o enredo e não demoraria tanto para comprar a história. Ele ter começado já com Romero fazendo acordo com os marginais foi bastante equivocado e passou uma impressão do folhetim ter iniciado na metade. Outra medida necessária era a maior inserção dos núcleos paralelos ao principal. Colocar Feliciano sendo primo de Gibson não foi o bastante. Eles mal contracenaram.
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Reta final empolgante
Mas, entre erros evidentes e acertos, o autor conseguiu apresentar uma reta final empolgante. Os instantes finais de Gibson foram eletrizantes e entre as grandes cenas protagonizadas por José de Abreu estão: o momento em que o Pai humilha seus ‘funcionários’ (em uma cena claramente inspirada no filme A Queda – as últimas horas de Hitler), a hora que faz a própria família refém e quando é assassinado. A ascensão de Zé também provocou uma boa virada, uma vez que o bandido aparentava estar realmente arrependido de tudo o que fez. A morte de Tio durante uma emboscada da polícia foi outro instante momento que primou pelas cenas de ação, enquanto o flagrante que Zé deu em Atena e Romero tirou o fôlego do público. E o sequestro de Cesário ajudou a movimentar mais ainda os derradeiros momentos da trama.
Já o penúltimo capítulo (que marcou 40 pontos) mesclou momentos românticos com bastante suspense. O enfrentamento entre Zé Maria e Juliano foi arrepiante, destacando Cauã Reymond e Tony Ramos. Aliás, Tony ocupou o posto de grande vilão nos instantes finais e honrou a confiança do autor. Que grande ator ele é. As sequências de perseguição ficaram muito bem realizadas e o contraponto das cenas de ação foi o lindo momento protagonizado por Romero e Atena. A estelionatária e o bandido se declararam e casaram em uma ‘cerimônia’ celebrada por Ascânio, a única testemunha presente. Alexandre Nero, Giovanna Antonelli e Tonico Pereira protagonizaram uma das cenas mais lindas da novela, com destaque para o momento em que os três dão um abraço sincero e afetuoso. O trio, aliás, foi um dos maiores acertos do folhetim.
Porém, o último capítulo apresentou altos e baixos, fazendo jus ao que foi o conjunto da obra, teoricamente. O primeiro bloco tirou o fôlego com Zé Maria mandando Romero matar Juliano, deixando todos em desespero. No tenso momento, ainda foi revelado que Zé foi quem assassinou Djanira, se mostrando um monstro. Tony Ramos deu um show. E após muita tensão psicológica, o novo Pai da facção manda o seu capanga matar o próprio filho, mas Romero mata o bandido e salva Juliano, enquanto Atena atira em Zé e Zé mata Romero. Uma grande cena. O ex-vereador, que fracassou como vilão e como mocinho, ainda ‘dança’ a sua música preferida (Trouble – Elvis Presley) e cai no chão, agonizando. O último instante que Atena fica com seu amor foi emocionante, com direito ao último beijo. Giovanna Antonelli passou toda a dor da sua personagem e Alexandre Nero brilhou.
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O final da novela também contou com a libertação de Tóia, cuja cena foi uma espécie de ‘primeiro capítulo ao contrário’, pois, na estreia, a mocinha esperava Juliano sair da cadeia ao lado de Djanira. Agora, foi a vez de Juliano, Adisabeba e Merlô esperarem a saída dela. Vanessa Giácomo e Susana Vieira emocionaram. Houve também uma longa cena do casamento de Adisabeba e Feliciano (casal que poderia ter rendido boas cenas se o autor não tivesse deixado tudo para o fim) e ainda foi revelado o assassino de Gibson. Belisa confrontou a tia, a mãe e a avó, que acabaram se revelando cúmplices. Nora tentou assumir a autoria do crime, mas quem matou o Pai foi Kiki, se vingando de todos os anos que passou presa por ele. A cena foi muito boa, destacando Deborah Evelyn, Bruna Linzmeyer, Renata Sorrah e Bárbara Paz. Já a última sequência foi a melhor do desfecho: Atena e Ascânio praticando golpes – os dois em Veneza, na Itália, se passando por Chiara Vitorino e Conde Vitorino. Apesar da canalhice ter continuado, a 171 doou 10% da sua fortuna para o hospital de Tóia e ainda virou uma ótima mãe, criando Romerito, o filho de seu grande amor. Ela e o ‘velho’, aliás, formaram uma família. A imagem de ‘Francineide’ segurando a criança emocionada, ao som de Photopraph (Ed Sheeran), foi linda, encerrando a história dignamente.
A Regra do Jogo passou longe de ser uma novela grandiosa, contrariando todas as expectativas que provocou na crítica e no público. Mas, apesar de todos os erros e tropeços, a trama de João Emanuel Carneiro teve êxito na missão de elevar a audiência do horário – fecha com média geral de 28,4 pontos, três a mais que a fracassada Babilônia – e entrega a faixa para Velho Chico marcando acima dos 37 pontos, chegando a picos de 40. Entre equívocos e êxitos, a história conseguiu apresentar bons momentos e encerrou com um bom desfecho. Entretanto, é fato que prometeu muito e cumpriu pouco. Se tivesse sido uma série policial ou uma novela das onze, somente focada na trama central, a qualidade seria bem maior. Uma frustração, portanto, se torna inevitável.