A novela de época e o besteirol: há 30 anos, Manchete exibia o último capítulo de Helena
07/11/2017 às 18h00
Há 30 anos, a Manchete exibia o último capítulo de Helena. Transposição para a TV do romance de Machado de Assis – já adaptado por Gilberto Braga, em 1975, para a faixa das 18h da Globo -, Helena encerrou o horário das 19h40, inaugurado no ano anterior com Tudo ou Nada, de José Antônio de Souza. O TV História resgata os bastidores desta produção, elogiadíssima pelo apuro estético e pelo texto irônico, pouco comum às novelas de época.
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– A produção narra a trajetória de Helena (Luciana Braga), convertida em herdeira do Conselheiro Vale, seu suposto pai. A existência da jovem é revelada após a abertura do testamento do conselheiro, que a quer vivendo em sua chácara, ao lado do irmão Estácio (Thales Pan Chacon). A irmã e o médico de Vale, Úrsula (Aracy Balabanian) e Dr. Camargo (Othon Bastos), se opõem à presença da intrusa. Eis que Estácio, mesmo estando noivo de Eugênia (Mayara Magri), se interessa pela meia-irmã; enquanto o rapaz é consumido pela culpa de um eventual incesto, Helena se encontra às escondidas com seu verdadeiro pai, Salvador (Paulo Villaça).
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– A princípio, ensaiou-se alterar o título do romance: do básico Helena para O Segredo de Helena.
– No elenco, nomes como Sérgio Mamberti, Walter Foster, Eliane Giardini, Roberto Bomfim, Zezé Motta, Cosme dos Santos, Cláudio Mamberti, Carmem Monegal, Juliana Carneiro da Cunha, Elias Andreatto, Léa Garcia, Thelma Reston, Miguel Magno, Rosita Tomaz Lopes e Chris Couto – ex-VJ da MTV, repórter do Vídeo Show (Globo) e de A Fazenda (Record). A única baixa: Vera Fischer, que declinou do convite para a trama, assim como recusou a trama global das 20h, O Outro.
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– Para a personagem-título, a Manchete recrutou Luciana Braga, premiada com o Mambembe de atriz revelação de 1985 e com passagem recente pela Globo, em Sinhá Moça (1986). Thales Pan Chacon vinha de um sucesso do cinema – Eu Sei Que Vou Te Amar (1986), de Arnaldo Jabor. O bom desempenho do ator determinou sua escalação para Fera Radical, exibida pela Globo no ano seguinte e atualmente em reprise no VIVA. O ator já havia passado pela emissora-líder, nas minisséries Avenida Paulista (1982) e Moinhos de Vento (1983).
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– Também recrutados para ‘Fera’ foram George Otto, Luís Maçãs e Yara Amaral. Em Helena, a atriz – falecida em 31 de dezembro de 1988, no naufrágio do Bateau Mouche – vivia Dorzinha, senhora distinta com sérios distúrbios psiquiátricos (tal e qual a matriarca Joana Flores, da novela da Globo). Dorzinha e Tomásia (último trabalho na TV da atriz Isabel Ribeiro) eram cúmplices no crime de latrocínio contra Brandão (Domingos de Oliveira) – e perdiam a sanidade com a chegada ao povoado dos filhos da vítima: Bento, Bernardo e Benício (Chiquinho Brandão em papel triplo).
– Outras duplas de sucesso da obra: o detetive Walter Scott (Gianfrancesco Guarnieri) e seu assistente Vátison (Gésio Amadeu); e o padre Melchior (Ivan de Albuquerque) e seu coroinha Lirinha (Zé Fernandes da Lira), que traduzia os discursos em latim da forma que julgava “mais adequada”.
– Quem também migrou para Fera Radical após o término de Helena foi Denise Saraceni, que dirigiu o folhetim das 18h sob o comando de Gonzaga Blota. Ainda, Luiz Fernando Carvalho. Hoje sem contrato com o “canal 5”, Luiz Fernando fez sua estreia em TV nesta produção, após a repercussão de seu premiadíssimo curta-metragem, A Espera (1986). Após a integrar a equipe de Carmem, novela de Glória Perez para o horário das 21h30, o diretor rumou para a Globo, dividindo os trabalhos de Vida Nova (1988) com o tarimbado Reynaldo Boury.
– A Manchete não poupou esforços para fazer de Helena uma de suas mais caprichadas produções. Foram investidos cerca de US$ 1 milhão, apenas nos primeiros trabalhos do folhetim.
– O diretor de arte Beto Leão e a supervisora de arte Ana Maria Magalhães acumularam anos de experiência em novelas da Globo. Dentro do possível, os dois mantiveram cenários e decoração próximos ao usual no século XIX, no qual se passava a história. Naquele tempo, a arquitetura remetia ao estilo colonial, os materiais primários e a mão-de-obra eram daqui e itens de acabamento – como janelas, lustres e mobiliário – vinham do exterior (França, Holanda e Inglaterra, por exemplo).
– A produção optou por não construir uma cidade cenográfica. As cidades de Itaboraí, Parati, Nova Iguaçu e a floresta da Tijuca serviram de locações para o folhetim.
– Ainda, a contratação de uma especialista em linguagem, encarregada de aproximar o roteiro do vocabulário empregado em 1859. Como as alterações acabavam por estender demais as falas, ou dificultar o entendimento, a Manchete achou melhor seguir com a linguagem adotada pelos autores, dispensando a profissional.
– O responsável pela adaptação, Mário Prata, recrutou Reinaldo Moraes e Dagomir Marquezi – seu colaborador em Um Sonho a Mais (Globo) – para auxiliá-lo na escrita. Eles se reuniram para redigir todos os capítulos, apostando num tom irônico, que beirava a farsa e o besteirol. Expressões corriqueiras em 1987 foram inseridas na produção, em outros contextos: Eugênia se queixava da “barra pesada” (a que era usada para sustentar a saia do vestido); padre Melchior dizia que dona Dorzinha estava “pirando” (num relato que comparava a lucidez a uma pira acesa); a insana Madalena (Mônica Torres) usava o xadrez, onde uma peça “come” a outra, para se referir ao sexo.
– A liberdade era tanta que, sem saber o que fazer com Eugênia, Mário Prata mandou a personagem para os Estados Unidos e a trouxe de volta com um visual americanizado: botas de cowboy, óculos escuros e um namorado, que roubou um invento de seu primo Lucas (Marcos Breda). A engenhoca em questão permitia a comunicação entre fazendeiros que moravam longe – era o telefone, patenteado 17 anos depois do período em que a novela se passava, por Alexandre Graham Bell (o tal namoradinho de Eugênia).
– Os autores também alteraram o cenário do romance de Machado de Assis: o Rio de Janeiro deu vez à fictícia Guaiçara.
– O “bruxo do Cosme Velho” também foi reverenciado com menções a outras obras de sua autoria. Caso de O Alienista, através da personagem Madalena, e do conto O Espelho, que inspirou a criação de Tertuliano (Buza Ferraz). Helena contou ainda com a reprodução de figuras reais, como Dom Pedro II (Marcelo Picchi) e Domitila, a Marquesa de Santos (Marlene).
– Embora elogiada pela crítica, Helena amargou índices baixíssimos; em São Paulo, chegou a registrar traço na audiência. Com poucos anunciantes – devido aos sucessivos e infrutíferos planos econômicos do governo Sarney -, a Manchete decidiu extinguir seu segundo horário de novelas. A série A Ilha da Fantasia, já exaustivamente reprisada na Globo, assumiu a faixa.
– Cogitou-se, no entanto, a produção de Salada Paulista – sinopse de Caio Fernando Abreu, Lúcia Villares e Mário Prata -, logo descartada.
– A crise financeira acabou por influir também no horário das 21h30: a Manchete precisou protelar a exibição de Kananga do Japão (1989), devido aos atrasos na formatação da novela. Para substituir Olho por Olho (1988), a emissora recrutou Helena, no ar de 09 de janeiro – noite em que a Globo estreou O Salvador da Pátria – a 15 de julho de 1989 (os 161 capítulos originais foram compactados em 148).
– Situação semelhante ocorreu antes da estreia de Helena. Tudo ou Nada chegou ao fim em março, dando lugar ao repeteco de Tudo em Cima – minissérie de Bráulio Pedroso e Geraldo Carneiro exibida em 1985 – até que a adaptação do romance de Machado de Assis estivesse pronta para a estreia.
– Helena ganhou uma nova reprise, às 16h, entre 5 de julho de 1993 e 25 de fevereiro de 1994. Curiosamente, as datas coincidem com o início e término de duas reprises do Vale a Pena Ver de Novo, da Globo: Barriga de Aluguel (1990), em 5 de julho; Direito de Amar (1987), em 25 de fevereiro.