Após 24 anos de Rede Globo, Zeca Camargo deixou o canal em maio, ao término do seu contrato. O competente jornalista, apresentador de programas como No Limite, Fantástico e, mais recentemente, É de Casa, aceitou convite da Band para assumir o cargo de Diretor Executivo de Produção, passando a atuar mais nos bastidores a partir de agora.

No papel, a iniciativa é ótima. Zeca deve ter boas ideias e tentar movimentar a emissora, que não passa por boa situação financeira há algum tempo e sobrevive da exibição à exaustão do MasterChef, que já não conta com os mesmos índices e repercussão das primeiras temporadas, além dos programas Os Donos da Bola e Brasil Urgente.

Como citou nota da coluna Gente, da revista Veja dessa semana, Zeca “tem estranhado o sistema de produção de sua nova empregadora”. Seu primeiro projeto na nova casa, o programa matinal de Mariana Godoy, já teve a estreia adiada duas vezes e contou com uma discussão entre Zeca e uma ex-diretora nos corredores da emissora.

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Segundo a Veja, “há stress também relacionado a pedidos da direção da emissora para criar pautas ligadas ao agronegócio em meio a reportagens mais leves”.

A notinha de João Batista Jr. disse que Zeca se sentiu subaproveitado e desrespeitado no início. “Chegou a trabalhar alguns dias de casa, o que gerou rumores de que não ficaria lá por muito tempo”, informou.

O negócio, como a própria revista disse, é o seguinte: na Band é assim, e não é de hoje. Atualmente dirigida por Johnny Saad, a emissora tenta profissionalizar sua gestão, mas as decisões familiares sempre acabam prevalecendo.

Além disso, existe uma briga da família Saad pelo controle dos negócios, com acusações para todos os lados e que certamente influencia na performance da casa.

Há muitos anos, no início da década de 1980, o canal ainda era controlado pelo pai de Johnny, João Jorge Saad (1919-1999). Com a falência da Tupi e a decadência da Record, a então Bandeirantes vislumbrou a possibilidade se firmar como vice-líder e aumentar a sua rede pelo Brasil.

Para isso, fez um grande investimento na contratação de Walter Clark (1936-1997), todo-poderoso da Rede Globo nos anos 1960 e 1970, ao lado de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, e que havia deixado em maio de 1977, após diversas situações negativas e a intervenção direta de Roberto Marinho (1904-2003) no caso.

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Em seu livro “O Campeão de Audiência: uma autobiografia”, Clark contou como foi sua passagem pela Band, que durou pouco. “Johnny [Saad] me cobriu de gentilezas e disse que eu era o cara de que eles precisavam para alavancar o crescimento da Bandeirantes. Mais tarde, João se juntou a nós e continuou batendo na mesma tecla”, escreveu.

“Quando dei por mim, já tinha topado. Eu não sabia, mas estava entrando na maior fria de toda a minha vida”, enfatizou Clark na obra. “Muito em breve, eu descobriria que essas contradições eram o próprio espírito da Bandeirantes”, decretou.

Em resumo, Clark contou que fatores como lealdade e tempo de casa eram levados em conta na hora de priorizar funcionários, ao invés da competência. E que a Band carregava todos os vícios e velharias da Rádio Bandeirantes, no ar desde a década de 1930.

Após uma situação ocorrida na cobertura do Carnaval de 1981, quando a emissora ficou fora do ar por horas enquanto dava altos picos de audiência para seus padrões porque o funcionário do almoxarifado viajou e levou a chave consigo, não possibilitando que consertassem uma peça do transmissor, Clark percebeu que a Bandeirantes “não queria mudar coisa nenhuma”.

O executivo contou muitos detalhes de sua passagem pela casa e fez elogios à Johnny Saad, que queria executar as mudanças, mas acabava ficando somente na vontade por conta de inúmeros “sacripantas”, como Clark os chamou, que apenas puxavam o saco e não queriam trabalhar. Resultado: ele saiu no começo de 1982 e a emissora registrou um prejuízo milionário.

Essa é apenas uma situação que ilustra como era a mentalidade da casa naquela época, mas lá se vão quase 40 anos – e ainda deve-se levar em conta que a Band tem o lado dela para contar (e o espaço sempre está aberto). Enfim, esperamos que muita coisa tenha mudado.

Outro problema que Zeca pode enfrentar na Band são os repentinos cortes nos orçamentos que são feitos, para ajustar as finanças, com extinção de programas e a desistência de tentar voos mais altos.

Assim foi em 1990, no Plano Collor, quando boa parte da programação foi limada, 108 funcionários foram demitidos e programas como Bronco, de Ronald Golias (1929-2005) saíram do ar.

Em 1999, a Band extinguiu o núcleo de novelas e investiu numa parceria com a Traffic para tentar voltar a ser o Canal de Esporte, mas, salvo alguns fatos, como o Mundial de Clubes que a FIFA promoveu em 2000 e levou a emissora à liderança, nada de muito destacado foi feito.

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Mais recentemente, em 2015, o Agora é Tarde, com Rafinha Bastos, recebeu uma grande injeção de recursos e novos cenários, mas alguns dias depois saiu do ar. O mesmo aconteceu com o CQC (Custe o que Custar), que prometeram que voltaria um dia, mas nunca mais foi exibido. No final de 2017, foi a vez do Pânico na Band ser extinto. Grife do jornalismo da casa, a morte de Ricardo Boechat, em 11 de fevereiro de 2019, foi outro duro golpe.

Neste ano, aliado à pandemia, que causou inúmeros prejuízos em todas as emissoras, a Band se envolveu em polêmicas na faixa do Aqui na Band, que acabou extinto e causou a saída de Silvia Poppovic, demitida por telefone, e, depois, Luís Ernesto Lacombe, que acabou de fechar com a RedeTV!.

Desejamos toda a sorte do mundo para Zeca Camargo e esperamos que ele possa iniciar uma nova fase na programação da Band, já que a televisão brasileira constantemente precisa de renovação. Mas o caminho provavelmente não será fácil.

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Thell de Castro

Apaixonado por televisão desde a infância, Thell de Castro é jornalista, criador e diretor do TV História, que entrou no ar em 2012. Especialista em história da TV, já prestou consultoria para diversas emissoras e escreveu o livro Dicionário da Televisão Brasileira, lançado em 2015 Leia todos os textos do autor