A Força do Querer continua a todo vapor. A novela das 21h de Glória Perez caiu nas graças do público e conquistou recentemente índices acima dos 40 pontos, feito que outras novelas recentes da faixa só haviam conseguido na reta final.

Depois do rodízio que mobilizou as histórias de Ritinha (Isis Valverde), Jeiza (Paolla Oliveira) e Bibi (Juliana Paes), o foco agora se volta para a família Garcia. E nos últimos capítulos, um nome que já chamava atenção nos primeiros meses da novela reafirma seu talento: é a estreante Carol Duarte, que vive a transgênero Ivana.

Filha de Joyce (Maria Fernanda Cândido) e Eugênio (Dan Stulbach), passou a infância sendo superproduzida pela mãe, que a via como uma espécie de bonequinha de luxo. Anos depois, passou a renegar essa imagem e perceber que não se sentia bem com o próprio corpo.

Sua angústia com o fato de se sentir uma pessoa totalmente diferente do que se vê no espelho a fazia entrar em conflito consigo mesma. Sem saber de sua condição, Joyce e a prima Simone (Juliana Paiva) tentam fazê-la resgatar sua autoestima e feminilidade – esta última, especialmente, incentivando o namoro da jogadora de vôlei com Cláudio (Gabriel Stauffer).

Ao mesmo tempo em que lida com o conflito entre a pessoa que é e a que se sente, Ivana é uma boa filha e amiga e está sempre ao lado dos familiares nos momentos mais difíceis, embora lide muitas vezes com a incompreensão da mãe, cujo desejo de fazer da filha uma versão mais nova de si mesma se frustrou.

Logo nos primeiros capítulos, a trajetória de Ivana daria sinais de ser um dos maiores acertos do enredo de Glória Perez. Especialista na abordagem de temas relevantes à sociedade, como crianças desaparecidas (Explore Coração), drogas (O Clone), migração ilegal (América), distúrbios mentais (Caminho das Índias), tráfico humano (Salve Jorge) e psicopatia (Dupla Identidade), a autora investe na questão da identidade de gênero, um tema pouco retratado, muito em função das dúvidas e preconceitos ainda existentes.

E é justamente em função deste quadro que Glória optou por uma abordagem sutil, delicada, procurando envolver gradualmente o telespectador sem grandes atropelos ou choques – um erro cometido, por exemplo, pelos autores de Babilônia (2015), onde o beijo das personagens de Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg causou violentas reações dos setores mais conservadores. Agora, o quadro é diferente, uma vez que o drama de Ivana vem recebendo merecidos elogios.

Além da exemplar condução do tema, deve-se destacar a boa presença da estreante Carol Duarte. A novata, desde o início, encantou pela naturalidade e segurança em sua atuação, conquistando imediatamente a empatia do grande público. As cenas em que Ivana se vê diante do espelho, angustiada e até mesmo desferindo golpes em si mesma, evidenciaram a aposta certeira no talento da jovem.

Vale destacar ainda as ótimas parcerias de Carol Duarte com Maria Fernanda Cândido – que vive um dos melhores momentos de sua carreira; Cláudia Mello – cuja personagem, a empregada Zu, também funciona como confidente de Ivana; Gabriel Stauffer – Cláudio, namorado de Ivana; Esther Jablonski – a eterna apresentadora do PEGN, que participa como a psicóloga da jovem; e Juliana Paiva – que finalmente deixou para trás a Fatinha, sua personagem na temporada Intensa de Malhação (2012-13), e mostra competência em sequências dramáticas. As sequências ainda são pontuadas pelas belíssimas canções True Colors, de Cindy Lauper, e City, de Kristen Marie.

Mais recentemente, a autora traçou um excelente paralelo entre Ivana e Nonato (Silvero Pereira), motorista de Eurico (Humberto Martins) que nas horas de folga costuma se travestir e assume a identidade de Elis Miranda.

Ao contrário da filha de Joyce, o chofer é bem-resolvido com seu corpo masculino, o que deixa clara a diferença entre a transexualidade e a travestilidade. Ao longo dos capítulos, os caminhos dos dois personagens irão se cruzar, o que deverá enriquecer ainda mais suas histórias e a abordagem do tema.

Depois de um período de espaço reduzido – muito em função do foco na história de Bibi e seu envolvimento com o crime – a trama de Ivana voltou a ganhar força nas últimas semanas, especialmente com a chegada de Tarso Brant, ator transgênero que nasceu mulher (Tereza Brant) e que vem ajudando a garota a se descobrir como é.

Os próximos capítulos reservam ainda muitas emoções para a história de Ivana. Sua aproximação com Nonato, o preconceito que irá sofrer e a reação da família com sua descoberta prometem destacar ainda mais o talento de Carol Duarte, talvez a maior revelação deste ano na teledramaturgia. A atriz vem fazendo por merecer todos os elogios, encantando, emocionando e dando vida a uma rica, delicada e excelente abordagem feita pela autora Glória Perez.


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