A telenovela brasileira completa 70 anos em 21 de dezembro. Neste dia e mês, no ano de 1951, estreou a primeira novela aqui produzida: Sua Vida Me Pertence.

Para celebrar e efeméride, destaco 10 curiosidades sobre como era a televisão na época da primeira telenovela e como ela se desenvolveu até o formato que conhecemos hoje.

Confira:

Profissionais do rádio

Radionovela

A TV brasileira foi inaugurada em setembro de 1950: TV Tupi de São Paulo. Não existiam profissionais de televisão. Toda programação deste período foi idealizada e produzida por profissionais do rádio. Logo, a televisão brasileira, em um primeiro momento, seguiu o modelo radiofônico, com diretores, roteiristas, técnicos e atores oriundos do rádio.

As primeiras produções dramatúrgicas foram teleteatros. A TV era ao vivo, como o rádio. O videoteipe só chegou por aqui em 1963. E em preto e branco – a cor só chegou em 1972. E não havia transmissão via satélite, cada emissora fazia a sua própria programação, ao vivo.

Aliás, o rádio continuou forte na preferência do público até, pelo menos, a década de 1960. Comprar um aparelho de TV era muito difícil na época, só os mais abastados podiam. E havia a figura do televizinho, aquele que possuía TV em casa e reunia a vizinhança para assistir televisão.

O primeiro tabu quebrado: o beijo

Sua Vida Me Pertence

A primeira telenovela estreou mais de um ano depois da inauguração da TV. Sua Vida Me Pertence foi ao ar pela TV Tupi de São Paulo entre dezembro de 1951 e fevereiro de 1952, em 15 capítulos de 20 minutos de duração cada, exibida duas vezes por semana, às 20 horas.

A história da paixão da moça pelo homem que desdenha o seu amor quebrou um tabu da época ao mostrar o primeiro beijo da TV brasileira, na verdade um inocente “selinho” entre os atores Walter Forster e Vida Alves.

O beijo era tabu não apenas para o público, mas também entre os artistas. “Antigamente, não se beijava no teatro, cinema, na televisão, nem no jardim de casa quando o pai saía”, lembrou Vida Alves para o livro “Biografia da Televisão Brasileira”, de Flávio Ricco e José Armando Vannucci.

Para a cena acontecer, o autor e protagonista Walter Forster foi pessoalmente conversar com o marido de sua parceira de cena, um engenheiro italiano que não se opôs à ousadia de sua mulher, depois de ouvir todas as explicações, ter a garantia de que não haveria ensaio e de que os movimentos durante a cena seriam absolutamente técnicos.

Sem registros ou catalogação

Televisão

Por terem sido exibidas ao vivo, não há registros desta primeira fase de nossas novelas. Também não existe catalogação, nem se sabe quantas novelas não diárias foram produzidas no Brasil.

Como não havia transmissão em rede, o que se produzia no Rio, não era o que se produzia em São Paulo, por exemplo.

Ainda: um mesmo título poderia ter produções distintas em cada praça, com elencos diferentes. Como acontecia no rádio!

Produções simplórias

Inauguração da TV

As novelas dos primeiros dez anos da televisão não passavam da transposição para a TV do que se fazia no rádio.

Por causa das limitações em apresentar uma história ao vivo, as primeiras telenovelas eram muito simplórias (aos olhos de hoje), geralmente uma trama central com poucos personagens, em apenas dois ou três cenários.

Os textos eram, em sua maioria, adaptações de clássicos da literatura ou adaptações de radionovelas importadas da América Latina.

Eram histórias essencialmente românticas, com um público certo: o feminino, principalmente as donas de casa. Entre os roteiristas deste período, destacaram-se Dulce Santucci, Ivani Ribeiro, Janete Clair e Walter George Durst.

Os anunciantes produziam

Tupi

Até o final da década de 1960, o modelo de negócio era diferente do que se seguiu na década de 1970 em diante.

Os responsáveis pelas produções não eram as emissoras, mas os anunciantes, que, por meio das agências de publicidade, negociavam textos, elencos, diretores e roteiristas (ou seja, todo a parte artística).

As emissoras entravam com os estúdios e a parte técnica e garantiam a primazia em exibir as novelas.

Soap operas

Grande Novela Colgate

Já que o público alvo era o feminino, os principais anunciantes das novelas eram as indústrias de cosméticos, higiene e limpeza, como a Colgate-Palmolive e a Gessy-Lever.

Como essas indústrias eram as “donas” das novelas, eram anunciadas na grade de programação, por exemplo, como “Grande Novela Colgate” ou “Uma telenovela Kolynos” (algo semelhante ao Roda a Roda Jequiti” do SBT, de hoje). Já era assim no rádio.

Este modelo foi importado dos Estados Unidos, onde as radionovelas e as telenovelas eram conhecidas como soap operas, óperas de sabão (já que os anunciantes eram indústrias de higiene e limpeza).

Porém, as soap operas têm um formato diferente de nossas novelas: são histórias que duram décadas, diferente do que se popularizou na América Latina, com histórias com começo, meio e fim, em tempo de duração bem menor.

O videoteipe e a grade horizontal

Videotape

Com o surgimento do videoteipe (em 1963) houve uma verdadeira revolução na televisão. Gravada, uma mesma novela passou a exibida em várias praças (cidades).

Mas a exibição não era simultânea, pois não era em rede. Ou seja, as fitas com a novela viajavam de uma cidade para outra. Por isso as datas de exibição dos capítulos divergem de uma praça para outra. A transmissão via satélite só unificou-se em 1974.

A possibilidade da gravação de um programa facilitou e melhorou sua produção. Daí surgiu a ideia da telenovela diária.

Caracterizada por uma história seriada apresentada duas ou três vezes por semana, a novela não conseguia fidelizar sua audiência. A partir do momento em que passou a fazer parte de uma grade horizontal – ou seja, a ser apresentada diariamente, em um mesmo horário -, criou-se no telespectador o hábito de “seguir”, “acompanhar” aquela história todos os dias, no mesmo horário.

A telenovela diária

2-5499 Ocupado

A primeira novela diária no Brasil foi apresentada em 1963 pela TV Excelsior: 2-5499 Ocupado, um texto argentino adaptado por Dulce Santucci, com Tarcísio Meira e Glória Menezes como protagonistas.

Porém, os primeiros sucessos foram escritos por Ivani Ribeiro, em 1964, adaptados de originais latinos: Alma Cigana, na Tupi, com Ana Rosa e Amilton Fernandes, e A Moça que Veio de Longe, na Excelsior, com Rosamaria Murtinho e Hélio Souto.

O primeiro grande sucesso

O Direito de Nascer

No final de 1964, a TV Tupi de São Paulo lançou O Direito de Nascer, adaptação de Talma de Oliveira e Teixeira Filho de um original cubano de Félix Caignet que já havia feito sucesso no rádio. O drama de Mamãe Dolores, Helena e Albertinho Limonta foi o primeiro marco da teledramaturgia nacional.

A apresentação do último capítulo causou uma comoção generalizada: foi feita uma festa em São Paulo, no Ginásio do Ibirapuera, com a presença do elenco, em que a população compareceu em massa. No dia seguinte, a façanha se repetiu no Rio de Janeiro, no Maracanãzinho.

Os estádios superlotados davam uma mostra do poder das novelas sobre o povo. E que elas eram a maior produção de arte popular da nossa TV.

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A nacionalização do gênero

Luis Gustavo e Bete Mendes

Os executivos de televisão passaram a investir decisivamente no gênero. Porém a telenovela ainda estava presa à sua origem radiofônica, aos dramalhões latinos, e, portanto, alvo de críticas e considerada um “produto menor”. Na segunda metade da década de 1960, iniciou-se nas emissoras um movimento para nacionalizar o gênero, libertando-o de suas origens latinas. Ivani Ribeiro, Geraldo Vietri e Lauro César Muniz foram os primeiros novelistas a incluir em suas obras características próprias de um estilo mais brasileiro.

A grande reviravolta se deu em 1968. Cassiano Gabus Mendes, então diretor artístico da Tupi, apostou em uma novela que abandonasse totalmente o estilo latino e fizesse uso de elementos essencialmente nacionais em sua história. Cassiano concebeu, Bráulio Pedroso escreveu, Lima Duarte dirigiu e Luis Gustavo protagonizou Beto Rockfeller, considerada um divisor de águas na história da nossa Teledramaturgia. A partir de então, todas as emissoras passaram a seguir este padrão, que tornou a telenovela brasileira um produto único no mundo.

Setenta anos depois da primeira novela, muita coisa mudou na nossa TV. Começou tímida, ao vivo, passou a diária, mudou de formato, ganhou brasilidade e características próprias que a diferem da teledramaturgia dos demais países.

E continua mudando, até mesmo para manter-se no gosto popular: hoje chegou ao streaming, para ser consumida na hora que o público desejar, sem precisar mais manter-se preso a uma grade engessada.

Apesar de todas as intempéries, e das previsões pessimistas sobre o seu fim, a telenovela brasileira continua, há pelo menos mais de 50 anos, o produto de maior audiência da TV brasileira.

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Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira. Leia todos os textos do autor