Recurso usado em Um Lugar ao Sol não é novidade na televisão

19/12/2021 às 12h17

Por: Nilson Xavier
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Semana #6

– Agora é oficial. O que começou nas semanas anteriores com uma discreta olhadela para a câmera, acabou virando uma marca de Rebeca. Nesta semana, pelo menos uma vez em cada capítulo, a personagem quebrou a quarta parede. Ou seja, olhou para a câmera como quem quisesse compartilhar com o público sentimentos e sensações. Muito mais que criar uma comunicação com quem assiste, a personagem gera uma cumplicidade de seus atos e pensamentos.

Um Lugar ao Sol

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Tenho lido muito nas redes sociais que “Rebeca é a nossa Fleabag“, talvez a referência pop de quebra da quarta parede mais recente de muitos. Porém, o recurso é bem mais antigo do que se imagina. Desde o cinema mudo os personagens se comunicavam com o espectador, vide filmes de Buster Keaton, Chaplin e O Gordo e o Magro.

Na TV brasileira, o recurso foi amplamente usado por toda a década de 1980, nas novelas das sete de Silvio de Abreu, Cassiano Gabus Mendes e Carlos Lombardi (Jogo da Vida, Guerra dos Sexos, Vereda Tropical, Cambalacho, Brega e Chique, Sassaricando, Bebê a Bordo, Que Rei Sou Eu?). Andréa Beltrão mesma já olhava para a câmera em Armação Ilimitada e Radical Chic. Os Normais levou o recurso às últimas consequências.

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Muito se associa a quebra da quarta parede às comédias (como Fleabag e Os Normais). Mas nem Um Lugar ao Sol terá sido o primeiro drama a usá-la. Geraldo Vietri já introduzira o recurso em novelas como Antônio Maria (1968-1969) e Vitória Bonelli (1972-1973), na TV Tupi. Então parem de afirmar que “Rebeca é a nossa Fleabag” como se olhar de soslaio para a câmera fosse coisa nova e exclusividade da série inglesa.

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– A cena do restaurante, em que Túlio sugeria a Rebeca um swing com outro casal, foi aviltante. Não há mal algum se um casal decide apimentar a relação com sexo com outros casais. Porém, Túlio passou dos limites quando não avisou a mulher do que se tratava. Demonstra que pouco conhece da mulher com quem está casado há mais de dez anos.

Injustiças sociais

– Após ser encurralado por Túlio, Renato vai desabafar com Ravi. O amigo é o seu grilo falante, o esteio moral que lhe resta e onde ele pode se apoiar. Creio que Ravi terá importante papel na salvação de Renato. Foi uma sequência intensa, em que o personagem conclui: “Pior que o Renato e pior que o Christian. Eu sou uma mistura dos dois. O pior dos dois, foi isso o que eu virei.”

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– Lícia Manzo nunca perde a oportunidade de discutir os desníveis sociais do Brasil contemporâneo. Em um momento na cena descrita acima, Renato brada: “Se você é preto e pobre, a culpa é sua!“.

– Outro exemplo foi a sequência em que Renato assiste pela TV ao Hino Nacional no jogo, ao lado de Santiago. Renato relembra todos os perrengues pelos quais passou para chegar até ali. Entendi que o personagem questionava se valia a pena idolatrar a pátria que nega oportunidades para a grande maioria dos brasileiros.

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– Mais um exemplo. Chega a ser triste a cena em que Janine se despede de Bárbara no carro, após ter feito o acordo com ela. Por mais que Bárbara enalteça o talento de Janine, esta tem ciência do abismo que as separa. Bárbara, por ser branca e rica, teria muito mais possibilidades de ser uma escritora de sucesso do que Janine, em que o caminho do reconhecimento será sempre mais difícil, por sua raça e condição social.

Dicas da autora

– Precisamos prestar atenção aos diálogos dos personagens. Tenho a impressão de que eles vivem dando spoilers. Em uma conversa de Cecília com a mãe, a garota fala sobre a avó: “Tem tanta coisa de minha infância que só ela sabe, que só ela viu.” Intrigante, não? Aí tem!

– A cigana aborda Lara e diz que ela é mãe de dois filhos, um de cada homem, e que nenhum sairá de sua barriga. “Mas você será mais mãe do que se tivesse parido“, conclui. Um filho seria Marie, filha de Mateus. O outro? Nova pista de Lícia Manzo. Aposto em Chico, o bebê de Ravi.

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– Outra dica, na festa de casamento de Elenice e Alípio. Elenice, ao enfrentar Renato (que ameaçou revelar a Bárbara que ela morou com Alípio naquela casa), se defende afirmando que sabe que o filho que Bárbara perdeu não era de Renato: “Só se você for outra pessoa. Meu filho teve caxumba aos 16 anos e ficou estéril.” Será que Elenice já não sabe que Renato é, na verdade, seu gêmeo Christian?

– Bárbara no início do capítulo de terça-feira: “Eu já vi esse filme. Eu morro no final!” Spoiler? Tá, parei!

– Ana Virgínia ligou lé com cré e concluiu que Felipe, o tal rapaz de Rebeca, é seu neto. E interrompe as consultas com sua paciente. Ana tem se mostrado bastante controladora e intransigente com Felipe, tanto com relação a Rebeca, quanto a Júlia, mãe do rapaz. Lembrando que Ana, a profissional, é uma coisa, e a pessoa física é outra.

Sábia e espertalhona

– Lá no início, quando Noca começou a soltar frases sábias, muitos a associaram à vó Iná (Nicette Bruno em A Vida da Gente). Agora percebemos que a referência não é tão acertada assim. Noca é sábia, diz frases lindas, profundas, porém, tem uma ética bem maleável e é capaz de atitudes pouco ortodoxas para alcançar o que deseja. Casou-se com um moribundo rico apenas para aproveitar-se do dinheiro que ele guardava no colchão. Participação luxuosa do ator Rui Rezende, mais conhecido como o Lobisomem de Roque Santeiro.

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Noca não chega a ser uma trambiqueira como Elenice, mas é pra lá de politicamente incorreta em seus métodos. A sequência do casamento no hospital foi divertida. A sábia vó Noca soltou frases feitas e clichês como “Uma paixão fulminante!“, “Enquanto há esperança, há vida!“, “Não interessa a idade, o que vale é o amor“, “O amor remove montanhas“. Sábia, porém espertalhona.

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– Bárbara oferece a Janine uma joia que vale 300 mil reais e a promessa de que o seu pai pode assessorar sua carreira de escritora. Você aceitaria? Eu aceitaria porque a grana é boa. Já publiquei um livro e sabemos que só Paulo Coelho fica rico escrevendo livros no Brasil. Se a pessoa é uma ótima escritora, será sempre, ou seja, produzirá outros textos. Quem sabe terá outras oportunidades de ter seu trabalho reconhecido.

Já Bárbara é uma escritora medíocre (como já foi mostrado na novela), ou seja, não se sustentará como tal. Ainda: como pode uma pessoa tão arrogante, preconceituosa, elitista e egoísta escrever textos tão sensíveis. O próprio Renato já se questionou.

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– Gostei da cena em que Santiago, o dono da rede de supermercados, passou um dia trabalhando no caixa. Ele declarou a Renato que não foi apenas para ter um contato com seus funcionários, mas para saber de suas necessidades, como partes integrantes de sua empresa. “Fundamental saber o que essas pessoas que dedicam tanto da suas vidas à Redentor precisam, de onde eles vêm, como eles vivem, com o que eles sonham“.

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– Ótima a sequência final do capítulo de sábado, em que o público leva um susto com Bárbara atirando em Janine, seu desafeto. Porém, era um sonho. Logo depois, Renato tem a oportunidade de livrar-se de seu desafeto Túlio, negando-lhe auxílio para salvar sua vida.

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17 com força

– Alguma dúvida de que Elenice apertou o 17 com força? Após uma série de comentários elitistas, arrogantes e reacionários de Elenice, Renato fala: “Pelo que eu sei, você não entende nada de política e ainda é a favor de uma intervenção militar!“. Eu ri gostoso.

– O careca baixinho comparsa de Alípio em suas falcatruas (que lhe empresta o apartamento) chama-se Queiroz. Pescou?

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