O VIVA exibe a partir desta segunda-feira (18) a minissérie Grande Sertão: Veredas. Da obra de Guimarães Rosa, ‘Grande Sertão’ ocupa o horário de Tieta (1989), numa espécie de “tapa-buraco”, evitando assim a estreia da substituta “imediata”, Bebê a Bordo (1988), em uma época difícil para a audiência – festas de fim de ano e férias. O TV História revisita agora os bastidores desta superprodução.

– Em 1982, a Globo cogitou adaptar Grande Sertão: Veredas para a série Caso Especial. O diretor Walter Avancini se lançou em uma viagem em busca do sertão narrado no livro. Não conseguiu, contudo, encontrar locais que remetessem ao ambiente descrito na obra. O projeto, orçado em Cr$ 70 milhões, acabou engavetado.

– Avancini resgatou a ideia em 1985, enquanto buscava uma minissérie para celebrar os 20 anos de Globo – que contou ainda com O Tempo e o Vento, clássico de Érico Veríssimo, e Tenda dos Milagres, de Jorge Amado. O mestre vinha de outras empreitadas bem-sucedidas no gênero: Avenida Paulista (1982), Anarquistas, Graças a Deus (1984) e Rabo de Saia (1984), além do especial Morte e Vida Severina (1981), premiado com o Emmy.

– Tanto em 1982, quanto em 1985, Walter pretendia contar com Bruna Lombardi como Diadorim. A escolha desagradava Daniel Filho, então todo-poderoso da teledramaturgia global. Com muito custo, Avancini o convenceu.

– O roteiro de Walter George Durst – com colaboração de José Antônio de Souza e supervisão do diretor – passou por oito adaptações. Evidente que muito se perdeu na transposição do livro para a televisão, a começar pela narrativa em primeira pessoa de Riobaldo (Tony Ramos), substituída pelo relato em terceira pessoa de Compadre de Quelemem (Mário Lago).

– Os atores passaram por um longo período de preparação, que incluía técnicas de relaxamento, expressão corporal, aulas de equitação, tiro, canto, dança, rastejamento militar e prosódia, com a professora Íris Gomes da Costa. Íris, encarregada de levar o tom de voz do elenco para o falar arrastado do sertanejo, também trabalhou na concepção dos sotaques de Tieta.

– O tratamento diferenciado dado à produção consistiu também na presença de profissionais de fora do vídeo nas locações. Casos do maestro Júlio Medaglia, encarregado da trilha sonora, que passou cerca de uma semana em Paredão de Minas, no distrito de Buritizeiro, Minas Gerais, onde foram realizadas grande parte das cenas externas.

– As gravações consumiram cerca de 90 dias. 40 atores, 150 técnicos e 50 produtores ficaram durante todo este período instalados em casas de moradores locais, alugadas pela Globo, feitas de pau-a-pique. Ou acampados em galpões improvisados.

– A emissora ainda contratou 230 moradores da região e recrutou cerca de 1000 figurantes – muitos deles, jagunços, que “demoraram a entender” que os tiros disparados na ficção não eram “reais”, como relembrou Bruna Lombardi em entrevista ao site Memória Globo. Paredão de Minas, naquela ocasião, não possuía energia elétrica; obviamente, também não haviam televisores no lugarejo.

– Para “agradecer” a acolhida, a Globo promoveu melhorias em Paredão de Minas. A comunidade de 225 habitantes recebeu um gerador de energia elétrica, o primeiro telefone, reformas no posto de saúde e nas estradas, canalização das redes de água e esgoto e a construção de um pequeno campo de aviação nas proximidades.

– Ainda, cenários levantados especialmente para a minissérie, que se confundiam com as casas “de verdade”, de tão fidedignas à arquitetura local: tendas calcadas em quatro estacas de madeira e cobertas por pele de boi, uma igrejinha (apenas a fachada) e um casebre.

– A produção contava com um médico e um médico-veterinário como plantonistas; determinadas sequências chegaram a utilizar 700 cavalos. Toda a equipe – do elenco aos figurantes -, consumia uma tonelada de frutas por semana, um boi por refeição, 8 mil pães e 13 mil copos de água por dia (50 pessoas trabalhavam na cozinha). Ao todo, 300 toneladas de equipamento foram levadas para Paredão de Minas; os profissionais da caracterização utilizaram cerca de oito dúzias de base para maquiagem e 50 litros de sangue cenográfico.

– Estima-se que o investimento da Globo em Grande Sertão: Veredas tenha sido algo em torno de Cr$ 6 bilhões. Certamente, a produção mais cara da TV brasileira até então.

– Walter Avancini criou também boa parte dos figurinos. O elemento básico das peças era o couro; a equipe de costura, contudo, se serviu de um tecido mais maleável que remetia ao escolhido pelo diretor, sem dificultar a movimentação dos atores em cena.

– Tony Ramos emagreceu cerca de 8 quilos para compor o jagunço Riobaldo. O ator vinha do filme Noites do Sertão (1983), de Carlos Alberto Prates Correia, também baseado numa obra de Guimarães Rosa, Buriti. Tony tardou a aceitar o convite de Avancini, como revelou ao site Memória Globo: “Eu, o Riobaldo jagunço? Tenho inglês, italiano, espanhol e português na família. Eu não vou convencer“, teria dito ao diretor, que retrucou: “É o péssimo hábito do artista brasileiro de achar que não pode. Eu quero você enquanto ator“.

– Bruna Lombardi também demorou a se encarregar de Diadorim: “Conhecia o livro, e achei que não tinha nada a ver comigo. Eu era vista como uma heroína romântica, frágil. Durante um tempo me perguntei o que tinha em comum com aquela força da natureza. Avancini enxergava coisas que eu mesma não tinha enxergado. Ele sabia que eu teria o mergulho essencial para fazer a personagem“.

– A atriz enfrentou mais de 12 horas em cima de um cavalo; no acampamento, matou um escorpião que se alojou em sua bota e conviveu com um sapo que insistia em rodear sua cama. Após o trabalho, Bruna foi contemplada com duas personagens de peso: a prostituta Lu, da minissérie Memórias de um Gigolô (1986) e a juíza Lúcia Brandão, da novela Roda de Fogo (1986).

– Tarcísio Meira, recém-saído de O Tempo e o Vento – na qual interpretou o destemido Capitão Rodrigo -, surpreendeu o público com seu outro coronel, Hermógenes. Tarcísio também foi uma escolha de Walter Avancini, que “destruiu” a imagem de galã que acompanhava o ator até então.

– Rubens de Falco, intérprete de Joca Ramiro (pai de Diadorim), comparou, em entrevista ao Jornal Hoje, seu personagem ao político Tancredo Neves, primeiro presidente civil eleito (indiretamente) após mais de 20 anos de domínio militar. Tancredo, apontado como um líder conciliador, faleceu em 21 de abril de 1985, antes de tomar posse.

– Grande Sertão: Veredas estava pronta para exibição em setembro, com estreia prevista para a segunda semana, logo após o término de Tenda dos Milagres. Mas a Globo preferiu aguardar o término do horário eleitoral, que acabaria atrasando a exibição da minissérie em cerca de uma hora.

– Os 30 capítulos inicialmente planejados foram reduzidos para 25 na edição, no ar de 18 de novembro a 19 de dezembro de 1985, às 22h15.

– Os cinco primeiros capítulos registram média de 39,7 pontos, segundo o Ibope, no Rio de Janeiro.

– Em 1989, a minissérie foi exibida em Portugal, com legendas. O português “da obra” não era de fácil assimilação para o público de lá. Emissoras da Bolívia, Estados Unidos, França, Paraguai, Peru, Polônia e Venezuela também adquiriram a trama.

– A Globo planejou reapresentar Grande Sertão: Veredas em duas ocasiões. A primeira, em 1991, dentro do Vale a Pena Ver de Novo – relembre esta fase da faixa de reprises aqui. Anunciada no jornal O Globo para 10 de junho, a produção acabou substituída por O Tempo e o Vento. Também foi ‘O Tempo’ quem ocupou a vaga reservada para ‘Grande Sertão’ a partir de 3 de janeiro de 1995, quando a emissora reapresentou minisséries em comemoração aos seus 30 anos.

– A trama foi reapresentada uma única vez, em 1998, no Canal Futura, dentro da Faixa Comentada. Na ocasião, o apresentador Eduardo Martini fazia, a cada capítulo, a contextualização histórica da obra de Guimarães Rosa, falando, por exemplo, da Primeira República e da Coluna Prestes. Ainda, a biografia e a bibliografia do autor, detalhes dos bastidores e convidados especiais, caso de Tony Ramos.

– A minissérie foi lançada em DVD em 2009.

– Grande Sertão: Veredas também foi adaptada para o cinema, em 1964, como Sônia Clara e Maurício do Valle como Diadorim e Riobaldo. Em 2008, a Record exibiu Sertão Veredas, especial de fim de ano produzido em parceria com a Bossa Nova Films, com Silvia Lourenço e Odilon Esteves vivendo os personagens que couberam a Bruna e Tony.


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Apaixonado por novelas desde que Ruth (Gloria Pires) assumiu o lugar de Raquel (também Gloria) na segunda versão de Mulheres de Areia. E escrevendo sobre desde quando Thales (Armando Babaioff) assumiu o amor por Julinho (André Arteche) no remake de Tititi. Passei pelo blog Agora é Que São Eles, pelo site do Canal VIVA e pelo portal RD1. Agora, volto a colaborar com o TV História.