“Arrebatamento” de Apocalipse é mero verniz em novela ruim
07/02/2018 às 18h00
As duas únicas emissoras que produzem teledramaturgia, off-Globo, se enfrentaram ontem (6) com armas poderosas – que, de tão “impactantes”, remetiam ao clima de “último capítulo”. O SBT apostou alto no casamento de Gustavo (Carlo Porto) e Cecília (Bia Arantes), casal protagonista de Carinha de Anjo, bem-sucedida produção que chega ao 317° capítulo ostentando 10,4 pontos de média geral e, comumente, a vice-liderança. Já a Record TV relançou Apocalipse com o episódio especial do “arrebatamento”; uma tentativa de tirar a trama dos 7 pontos de média até o momento, menor índice dentre todos os folhetins bíblicos já exibidos às 20h45.
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Ao menos num primeiro momento, a intenção do canal de Edir Macedo se mostrou bem-sucedida: a trama de Vivian de Oliveira chegou a 10,4 pontos. Mas no meio do caminho havia a novela de Silvio Santos, com seus 11 pontos. E com um enredo que, embora prejudicado pelo esticamento, entretém muito mais do que a narrativa confusa da novela ao lado.
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Com Carinha de Anjo, o SBT não pretende reinventar a roda. A proposta é manter os dois dígitos e os inúmeros licenciamentos que o filão infantil tem garantido à casa. Leonor Corrêa prima por diálogos mais elaborados do que os dos três folhetins anteriores, todos de Íris Abravanel e equipe. A autora estabeleceu vários pontos de viradas, que induzem o público a acreditar que há novos acontecimentos a todo tempo, quando, na verdade, boa parte dos capítulos se dedicam a reiterar tudo o que já foi dito e a novas sequências de travessuras da protagonista Dulce Maria (Lorena Queiróz) – o clipe diário e o extenso resumo do capítulo anterior ajudam a conferir essa aura de pasmaceira à novela.
Desta forma, ‘Carinha’ já conseguiu arregimentar o público em diversas ocasiões – como no acidente de avião que matou Nicole (Dani Gondim). Mérito da produção, que conta com direção-geral de Ricardo Mantoanelli, bom profissional, e o apuro estético do departamento de artes do SBT. As inserções gráficas, as músicas associadas a infância de pais e filhos e até as vinhetas de intervalo “fofinhas” influem o telespectador a acompanhar o folhetim, mesmo já sabendo que terá apenas mais do mesmo. Carinha de Anjo arrebata na “fofice”. Reforça o conceito difundido pela emissora, de “novela para família”.
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Tudo o que Apocalipse não é. Capítulos e diálogos parecem preparados para atingir em cheio ao público que busca auxílio nos telecultos da Universal. A novela não parece falar para a audiência no geral; apenas para o rebanho de amedrontados que buscam na fé – e não há mal nenhum isso – a salvação antes do juízo final. Tudo soa tão fake quanto as famigeradas tramas matutinas que a Record TV exibia nos últimos anos da década de 1990, dentro de programas do tipo Fala Que Eu te Escuto. Apocalipse até poderia soar ecumênica: mensagens de fé e esperança como as propagadas por personagens como Raquel (Juliana Silveira), vítima de violência doméstica, e Oswaldo (Marcos Winter), preso injustamente, são sempre aprazíveis.
O folhetim, contudo, reforça os “nós e eles” das religiões. O pastor que prega nas ruas (Ezequiel, Zé Carlos Machado) foi “arrebatado”. Já a vilã (Débora, Bia Seidl) comete crimes em nome do Sacerdote (Stefano, Flávio Galvão), com toda pinta de padre católico – e morando na Itália, casa do catolicismo. A narrativa, aliás, se desdobra entre vários países, o que torna o todo ainda mais desconexo. A sensação é de estarmos assistindo a várias novelas correndo em paralelo. Há grandes nomes no elenco – Juliana Knust segura bem a protagonista Zoe, bem como Flávia Monteiro (Sabrina), Fernando Pavão (César) e Adriana Londoño (Esmirna). Mas o elenco, no geral, padece com personagens mal construídos e direção frouxa.
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Beirou o constrangimento a cena em que Débora assassina a sogra Verônica (Selma Egrei), do texto às atuações, da “sombra negra” que envolve a malvada à luta coreografada que culminou com a morte da matriarca dos Montana. Já os efeitos especiais são dignos de nota. Destaque para a queda do avião em um aeroporto e para as tomadas – aqui, sim, a direção caprichou – em que personagens desapareceram após jogar um buquê para o alto (Sabrina) ou enquanto brincavam num balanço (Ester, Nathalia Costa). Simples e eficaz. Houve exagero na sequência, que contou com figurantes e cenas avulsas que nada acrescentaram ao enredo. E houve a pachorra de encerrar com Sérgio Marone, o vilão Ricardo Montana, quebrando a “quarta parede” e, mais uma vez, surpreendendo negativamente com sua “atuação”.
Nos intervalos, a Record TV anunciava um produto de um dos braços da Universal, o Estudo do Apocalipse. Uma clara intenção de vender a salvação – tal e qual fizera com a série de reportagens especiais sobre o tema, apresentada no Jornal da Record na última semana. Para Apocalipse, a novela, porém, não há mais chance – não falo em números de audiência. Logo ao lado, há uma opção mais eficiente “arrebatando” o público, com um roteiro mais interessante, uma produção modesta (e isso não é demérito) e um enredo que não trata o telespectador como rebanho.