A nova novela das nove estreou no dia 3 de abril, ou seja, está há pouco mais de um mês no ar, bem no comecinho. O primeiro capítulo de A Força do Querer foi morno e sem grandes acontecimentos. Parecia um capítulo qualquer e não o número um. Isso não foi um mérito nem um defeito, apenas uma opção da autora.

E Glória Perez parece ter plena consciência do que está fazendo, pois está inserindo os dramas cuidadosamente, despertando a atenção do público e agradando a Globo – a média até então está em torno dos 31 pontos, melhor início desde Império.

A história é simples e com poucos personagens, o que é uma novidade e tanto levando em consideração o histórico de Glória. Ela sempre foi uma escritora que encheu suas produções de atores, muitas vezes não conseguindo destacar todos, deixando vários deles avulsos em enredos desinteressantes.

Sua última novela, por exemplo, sofreu merecidas críticas em virtude do excesso de gente. Salve Jorge foi uma produção problemática em vários aspectos, tendo a quantidade exagerada de intérpretes como um dos principais erros. Agora, a autora parece ter aprendido a lição e resolveu preencher sua nova trama com tipos apenas essenciais para o contexto.

O fato de ter deixado de lado as culturas estrangeiras, que já tinham virado uma espécie de marca, também merece menção. A sua última novela que não teve isso foi o remake de Pecado Capital, em 1998. Isso porque América (2005), querendo ou não, teve os Estados Unidos como uma das temáticas (em virtude da abordagem dos imigrantes ilegais).

E a escritora só conseguiu um êxito completo tendo essa premissa em O Clone (2001), pois em todas as demais cometeu equívocos ao longo do desenvolvimento. A única ambientação ‘distante’ do eixo Rio-São Paulo no atual enredo é a fictícia Parazinho, que tem como referência, claro, o Pará. Ainda assim, só nesse começo, pois aos poucos todos os personagens do local estão vindo para Niterói (onde o enredo é contado). E mesmo que não viessem, seria válido explorar outros estados do Brasil.

O foco inicial tem sido a vida de Ritinha (Isis Valverde), uma das três protagonistas. A inconsequência da menina que ama se vestir de sereia e tem paixão pelos botos vem sendo mostrada através de suas atitudes deslumbradas e egoístas. Apesar dos primeiros capítulos terem sido mais lentos, Glória já apresentou boas viradas na vida da personagem, vide a fuga da garota logo depois de ter se casado com Zeca (Marco Pigossi).

Além de ter traído o noivo com o galinha Ruy (inexpressivo Fiuk), a ‘sereia’ veio para o Rio de Janeiro como tanto queria e grávida do ex-noivo. A trama tem despertado interesse, mas a aproximação de Zeca e Jeiza (Paolla Oliveira) é o maior ponto positivo até então.

A relação de gato e rato do caminhoneiro machista com a policial independente tem proporcionado ótimos momentos, valorizando a boa química dos atores. Aliás, Jeiza se mostra a mais convidativa protagonista – até porque a trama de Bibi Perigosa (Juliana Paes) ainda não engrenou, embora já comece a se desenhar.

Já o núcleo que vem se mostrando o melhor do folhetim é o da Ivana (Carol Duarte). A menina que não se sente à vontade com seu corpo e sofre com as cobranças da mãe envolve com facilidade. O cuidado com que a autora está abordando o tema do transgênero merece elogios. Tudo está sendo explorado com cuidado e sem pressa, enfatizando cada incômodo da personagem através de ótimos desabafos com a prima Simone (Juliana Paiva).

Carol Duarte está com um papel desafiador nas mãos e sua estreia na televisão tem tudo para ser a melhor possível. Maria Fernanda Cândido também está perfeita na pele da perua Joyce, assim como Dan Stulbach, que brilha como Eugênio, um marido cada vez mais cansado da futilidade da esposa e que se mostra atencioso com a filha, ao mesmo tempo em que inicia um envolvimento com a interesseira Irene (Débora Falabella) – outro contexto que ainda não engrenou, mas que promete, embora seja quase igual ao de Ivone (Letícia Sabatella) em Caminho das Índias. Cláudia Mello vivendo a governanta Zuleide é outro bom nome.

A história em torno do vício em jogo também se mostra um atrativo e tanto do enredo. Principalmente porque a atriz que interpreta a viciada Silvana é Lília Cabral, que engrandece qualquer elenco. A personagem é apaixonante e está sendo vivida com brilhantismo pela intérprete, que está em plena sintonia com Humberto Martins, que vive o marido rabugento Eurico.

A cumplicidade da jogadora de poker com a empregada Dita (Karla Karenina) é outro acerto. A recente situação envolvendo a falsa compra de uma bolsa que valia 50 mil reais (para disfarçar a perda da fortuna em uma jogatina) proporcionou boas cenas e resta torcer para que a trama não se esgote, já que o conjunto se mostra animador. Há uma mescla de drama e humor em torno da vida de Silvana.

A Força do Querer ainda tem muitos meses pela frente. Ou seja, é impossível prever o que acontecerá. Mas que esse começo da trama está animador é um fato evidente. A direção de Rogério Gomes (que peca na trilha incidental repetitiva, mas acerta em todo resto) também tem sido fundamental para o êxito da produção até agora. A história vem fluindo muito bem e tem sido bastante gostoso acompanhar a novela. Que tudo continue assim até o final, previsto para outubro.

SÉRGIO SANTOS é apaixonado por televisão e está sempre de olho nos detalhes, como pode ser visto em seu blog. Contatos podem ser feitos pelo Twitter ou pelo Facebook. Ocupa este espaço às terças e quintas


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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor