A colunista Patricia Kogut noticiou na última terça (28), em seu blog no jornal O Globo, que a nova temporada de Malhação, já em processo de escalação e com vários capítulos prontos, foi cancelada pela Globo. E, com isso, uma nova grade seria criada. Decretou-se o fim do seriado adolescente. A produção é uma das mais longevas da emissora. Estreou em 24 de abril de 1995. Está há mais de 25 anos no ar. Um fechamento de ciclo desta forma, pela porta dos fundos, se mostra um desrespeito com o público e vários profissionais.

É verdade que a Globo estava totalmente perdida sobre o que fazer com a faixa das 17h45 desde o início da pandemia do novo coronavírus, expondo o amadorismo da nova gestão do setor de teledramaturgia, agora sob o comando de José Luiz Villamarim e Ricardo Waddington. A chegada do vírus ao Brasil, aliás, implicou no encurtamento da temporada escrita por Emanoel Jacobina, ainda na gestão de Silvio de Abreu.

A trama precisou ser concluída às pressas e o resultado foi um completo equívoco. Vários finais não foram gravados, o maior mistério da história – o motivo do sequestro de Rita (Alanis Guillen) – não foi revelado, os mocinhos narraram os desfechos dos personagens e ainda misturaram realidade e ficção falando da pandemia. Ficou tudo péssimo. Mas era uma emergência, a segurança prevaleceu.

Todavia, é assim que a emissora quer marcar o final de um produto tão vitorioso? Com um desfecho sem qualquer cuidado e com uma temporada que se perdeu pelo caminho? Ainda se aproveitar da paralisação das gravações por mais de um ano para expor a decisão? Parece uma decisão covarde e impensada.

O seriado adolescente fez história na teledramaturgia e foi se adaptando ao longo dos anos, conseguindo se renovar apesar da dificuldade de permanecer tanto tempo no ar – muitas temporadas foram excelentes e outras bem ruins, o que faz parte da história de um produto de mais de 25 anos. Inicialmente, uma temporada ficava com grande parte dos personagens da anterior, enquanto surgiam novos conflitos. Muitas vezes, os roteiristas também seguiam no projeto. Posteriormente, havia um fechamento de ciclo com o final de um enredo (que durava um ano, aproximadamente) e a cada nova temporada ocorria uma renovação total do elenco e ganhava novos autores. Isso permitiu o surgimento de muitos talentos, não só na frente das câmeras, como também atrás delas.

Malhação já revelou muitos atores que viraram figuras prestigiadas na Globo, enquanto outros passaram a fazer parte do elenco da concorrência. Marjorie Estiano, Cauã Reymond, Fernanda Vasconcellos, Bianca Bin, Priscila Fantin, Samara Felippo, Ícaro Silva, Sophie Charlotte, Nathalia Dill, Isabella Santoni, Rafael Vitti, Felipe Simas, Bárbara França, Aline Dias, Marina Moschen, Nicolas Prattes, Juliana Paiva, Agatha Moreira, Anaju Dorigon, Daphne Bozaski, Heslaine Vieira, Gabriela Medvedovski, Ana Hikari, Manoela Aliperti, Gabz e Alanis Guillen foram algumas das figuras que foram lançadas ou tiveram uma virada na carreira por conta da passagem pelo seriado. Por sinal, vários deles seguem no ar e muito disputados por autores.

Vale lembrar que Alanis, a protagonista de Malhação – Toda Forma de Amar, a última inédita da produção, foi escalada para ser a nova Juma Marruá do remake de Pantanal, previsto para 2022. Enquanto Daphne Bozaski, Heslaine Vieira e Gabriela Medvedovski brilham em Nos Tempos do Imperador, após também terem se destacado em As Five, especial produzido para a Globoplay em virtude do sucesso de Malhação – Viva a Diferença, de 2017. Citar a carreira de Marjorie Estiano não tem necessidade, pois todos já conhecem os grandes trabalhos da atriz, que foi a maior revelação de Malhação até hoje. E atualmente emociona o público na pele da doutora Carolina em Sob Pressão. Já Cauã Reymond viverá gêmeos em Um Lugar ao Sol, nova novela de Lícia Manzo, das 21h, prevista para novembro.

E o seriado adolescente não revela apenas atores e atrizes. Revela também escritores. A citada Lícia foi colaboradora das temporadas de 2003 e 2004 (a da inesquecível Vagabanda) e na época havia colaborado em poucas produções anteriores. Foi conseguindo seu espaço até se lançar como autora solo na ótima série Tudo Novo de Novo, em 2009. Rosane Svartman e Paulo Halm, hoje uma dupla que está na lista dos principais autores da Globo, foram lançados na televisão em Malhação. Bem-sucedida no cinema, Rosane escreveu o especial Dicas de um Sedutor (quadro do Fantástico de 2008), mas estreou de fato na TV ao lado de Glória Barreto na autoria de Malhação – Intensa, em 2012; enquanto em 2014 se firmou ao lado de Paulo Halm na criação de Malhação Sonhos, atualmente reprisada. Não demorou até migrarem para a faixa das 19h, onde estão até hoje fazendo sucesso, vide Totalmente Demais (2015) e Bom Sucesso (2019).

Cao Hamburger é outro bom exemplo, embora não tenha sido lançado em Malhação. O autor, diretor e produtor cinematográfico já tinha uma sólida carreira no cinema e produziu muitos programas na TV que marcaram gerações, como Disney Cruj, no SBT, e Castelo Ra-Tim-Bum, Pedro e Bianca e Que Monstro te Mordeu? na TV Cultura. Mas o próprio chegou a declarar que não se sentia confortável em escrever uma história com cento e tantos capítulos. Até vir o convite para criar uma temporada de Malhação. O resultado foi o melhor possível: Viva a Diferença, que entrou para a lista de melhores temporadas do seriado adolescente. O desafio (que virou triunfo) se tornou um divisor de águas para Cao.

E o formato tinha tudo para ser um marco na carreira de outros escritores. Priscila Steinman, atriz e roteirista, que viveu a vilã Sofia em Totalmente Demais, preparava junto com a autora Márcia Prates uma nova temporada de Malhação com subtítulo de Transformação. A pandemia adiou o projeto, mas o trabalho no desenvolvimento dos capítulos não parou. Tanto que as duas encurtaram a temporada a pedido da Globo e finalizaram o projeto. Estava tudo pronto para o início das gravações. Mas a emissora cancelou a produção. Um desrespeito com as escritoras.

O cancelamento fez disparar várias notícias sobre o fim de Malhação, o que foi negado pela empresa dias depois. Coincidência ou não, posteriormente foi noticiado que uma dupla estreante tinha sido convocada para a criação de uma nova história: Eduardo e Marcos Carvalho. A informação foi um sopro de esperança para grande parte do público. Até porque veio junto de outra animadora novidade: os autores eram negros e fariam um elenco com 70% de atores negros. Algo histórico. A direção seria de Paulo Silvestrini, o mesmo diretor de Viva a Diferença. Tudo parecia certo. Até surgir a nota da Kogut, divulgada no início deste texto, sobre o cancelamento. Detalhe: os escritores já estavam com mais de 40 capítulos prontos. Uma falta de respeito absurda.

O plano da Globo é colocar na faixa mais reprises. No caso, novelas das seis que fizeram sucesso. Alma Gêmea (2005) é uma das possibilidades. É isso que a emissora pretende dar ao seu público? Mais reprises diante de um cenário onde a programação é dominada por reexibições há quase dois anos? Abrir mão de um produto tão vitorioso e longevo sem ao menos uma despedida digna? É sério mesmo que um canal tão importante e prestigiado tomará uma decisão tão estúpida?

Como a diretoria da empresa já mudou de ideia pelo menos três vezes, não custa ter a esperança que mude a quarta. Porque caso tudo se confirme perderão todos: autores, novos talentos e o público.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor