Ao mexer drasticamente no jornalismo do SBT, Silvio Santos comete mesmos erros de 20 anos atrás
11/03/2017 às 12h30
Do dia para a noite, Silvio Santos promoveu um jovem de 18 anos a apresentador de telejornal, demitiu jornalistas experientes, encerrou um telejornal com duas décadas de existência, trocou a direção de jornalismo e contratou nomes polêmicos.
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Tudo ocorreu em menos de seis meses, entre outubro do ano passado e fevereiro deste ano. Não é novidade que o dono da emissora testa formatos, horários e apresentadores no ar. O que impressiona é Silvio mexer uma área pouco prestigiada na emissora: o jornalismo. Porém, esse vendaval criado não é novo.
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Há 20 anos, o SBT praticamente reduziu seu jornalismo à míngua.
É verdade que a emissora nunca deu maior atenção ao jornalismo. Já se via isso nos primórdios da TVS, canal 11 do Rio de Janeiro, antes de surgir o SBT. O único noticiário da pequena emissora era o Fatos e Fotos da Semana, um bloco de notícias exibido nos intervalos da programação. O programete era gravado de uma só vez nos estúdios da TV Record em São Paulo e transmitido ao longo da semana no Rio. Por isso, os fatos eram atemporais, em geral tirados de revistas, juntamente com as fotografias, daí o nome.
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Noticentro, o primeiro telejornal do SBT, só foi surgir em fevereiro de 1982, seis meses após a estreia da emissora. A legislação determina que 5% da programação seja dedicada ao jornalismo. Portanto, Noticentro servia apenas para cumprir a Lei. E, assim, a emissora passou anos dando pouca atenção ao setor.
Em 1988, porém, fez-se necessário investir em jornalismo na tentativa de qualificar a programação e atrair o mercado publicitário, visto que o SBT criara uma imagem muito ruim desde sua criação por apresentar programas popularescos.
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Boris Casoy foi contratado, junto com um time de jornalistas experientes, para criar o TJ Brasil, exibido às 19 horas. Rapidamente o telejornal do SBT ganhou destaque pelo fato de Boris ser o âncora – figura incomum no telejornalismo brasileiro até então – e comentar as notícias, gerando bordões como “Isto é uma vergonha!” e “É preciso passar o Brasil a limpo”.
Pouco a pouco, o jornalismo da emissora foi galgando seu espaço, servindo como alternativa ao padrão asséptico e superficial que caracterizava os jornais da Rede Globo.
Nove anos após a criação do TJ, Silvio resolveu mexer na estrutura administrativa da emissora. O SBT recém completara 15 anos, com a inauguração de seu novo complexo de estúdios.
Silvio reassumiu o comando da programação e promoveu várias mudanças internas, entre elas, a diluição do comando dos diretores Luciano Callegari (financeiro) e Guilherme Stoliar (programação). “No SBT não existe ninguém intocável. O único intocável do SBT chama-se Silvio Santos”, afirmou Callegari em abril de 1997 à revista IstoÉ.
No mesmo mês, o Aqui Agora saiu do ar. Com sua fórmula já desgastada, o programa acabou superado por filhotes como o Cidade Alerta, da Record. O telejornal custava caro ao SBT: R$ 1,1 milhão mensais, que acabaram repassados ao departamento de teledramaturgia, que produzia a novela Os Ossos do Barão na época.
Após receber uma oferta milionária da Rede Record, foi a vez de Boris Casoy deixar o SBT, em 31 de maio. Ele seguiu no TJ Brasil até 23 de junho. Seu substituto foi Hermano Henning, que começou interino, mas acabou efetivado no cargo após agradar a direção.
Em represália às investidas da emissora da Igreja Universal, Silvio tirou Ney Gonçalves Dias da Record, uma semana após a contratação de Boris. No Complexo Anhanguera, Ney teve de exercer a mesma função que exercia na Record: apresentar um programa policial, nada mais nada menos que o Aqui Agora, que ressuscitou em 28 de julho.
A estratégia de Silvio em tirar seu algoz da concorrência deu certo na estreia, tanto que o novo Aqui Agora venceu o Cidade Alerta na audiência. Conforme o tempo foi passando, porém, o programa perdeu fôlego na disputa contra a Record. O TJ Brasil mudou de horário em agosto, passando das 19h30 para as 18h30, o que fez sua audiência despencar de 8 para 4 pontos.
Um novo projeto agitou o meio televisivo em meados de 1997. Era o canal CBS Telenotícias Brasil, uma filial brasileira do CBS Telenotícias, canal pago que exibia 24 horas de notícias.
No Brasil, somente a GloboNews era 100% jornalística. Para entrar no país, a CBS fez um acordo operacional com o SBT para troca de material. Isso possibilitava que o casal Eliakim Araújo e Leila Cordeiro trabalhasse para as duas emissoras, direto de Miami, onde estava sediado o canal pago.
O fim do ano marcou o quase fim do jornalismo da emissora. No começo de dezembro, o Aqui Agora – descaracterizado e sofrendo com a baixa audiência – saiu do ar definitivamente, para dar lugar ao game Fantasia.
Em 15 de dezembro, estreou o Jornal do SBT-CBS Telenotícias, com Eliakim e Leila, realizado em parceria com o canal estrangeiro. Um memorando de três linhas bastou para marcar o fim do TJ Brasil após 10 dez anos de existência. A derradeira edição foi exibida no último dia de 1997 e o telespectador não foi informado disso. Ou melhor, Hermano Henning leu versos para se despedir do público, mas de forma cifrada: “A infância está perdida, a juventude está perdida, mas a vida não se perdeu”. Em seu lugar, entrou o velho coringa Chaves.
O SBT entrou em 1998 apenas com os boletins Notícias de Última Hora, exibidos no intervalos da programação, o já citado Jornal do SBT-CBS Telenotícias e o SBT Repórter.
Duas décadas depois, Silvio mais uma vez mexe num setor que pouco prestigia. Apesar de manter certa estabilidade, a emissora não dá muita atenção ao seu jornalismo, que vez ou outra é usado na tentativa de levantar os índices, tentativas fracassadas na maioria das vezes.
Desde os tempos de Ney Gonçalves Dias, a Record age exatamente ao contrário do SBT, apostando no jornalismo na tentativa de aumentar sua audiência. Já testou várias formulas, tentou copiar a Globo, mas se encontrou mesmo quando criou um modelo de jornalismo popular, por vezes popularesco. Na tentativa de conter os índices da concorrente, Silvio resolveu popularizar seu telejornal da manhã, sem sucesso até o momento. No ar, o que se vê é um jornalismo da Record com menos recursos.
As contratações de Dudu e Marcão do Povo, bem como a demissão de jornalistas experientes da casa como Hermano Henning e Joyce Ribeiro indicam o caminho que a emissora pode trilhar. Mas o SBT terá de enfrentar uma concorrente que está moldando seu jornalismo há mais de uma década. É uma missão complicada.
Jornalismo nem sempre traz audiência e sim, status. Prestígio se conquista após muito tempo de persistência. Como diz Boni, “televisão é hábito”. O SBT colocou no ar o TJ Brasil buscando prestígio. Fez com que Boris Casoy – egresso do meio impresso – virasse uma grande marca do telejornalismo brasileiro.
Quando tudo acabou, o jornalismo da emissora viveu anos no limite, realizando apenas o básico para cumprir a legislação. Um exemplo disso foi no 11 de setembro, quando o SBT foi a única emissora que não transmitiu ao vivo a queda das torres gêmeas, seguindo com sua programação normal. Demorou muito para que o seu jornalismo novamente tivesse algum reconhecimento da crítica e do público, ainda que jamais chegasse ao patamar alcançado na época de Boris.
Será que 1997 vai se repetir em 2017 no jornalismo do SBT? Aguardemos.
ITALO BERTÃO FILHO é estudante de jornalismo. Quando criança, queria ser dono de uma emissora de TV, mas depois se decidiu pelo jornalismo. Restou a curiosidade em pesquisar sobre televisão. Com o tempo, foi diferenciando seus gostos, porém, sempre garantiu um espaço para a TV. Atualmente, se dedica mais a ler sobre o assunto do que assistir programas, mas, sempre que pode mantém seu televisor ligado. Ocupa este espaço aos sábados