A Força do Querer é um dos maiores acertos do ano de 2017. A novela das 21h de Glória Perez resgatou o prazer de se acompanhar uma boa história na faixa, após várias tramas que deixaram a desejar, bem como a volta por cima da autora após as fracas América (2005), Caminho das Índias (2009) e Salve Jorge (2012-13).

Protagonistas e coadjuvantes foram contemplados com dramas fortes e densos, que valorizam o talento de grande parte de seus intérpretes. E um destes nomes que merece atenção é Lilia Cabral, na pele da arquiteta Silvana.

Esposa de Eurico (Humberto Martins), que comanda a empresa da família Garcia com rédea curta, e mãe de Simone (Juliana Paiva), Silvana é viciada em jogos de azar e vive entre altos e baixos, tanto que mente para o marido alegando que vai encontrar suas amigas – mesmo com as desconfianças do empresário, ela consegue sempre dobrá-lo.

Seu vício chegou a ponto de desfalcar bens da família (como um relógio antigo que pertenceu ao avô de Eurico ou até mesmo o próprio carro dela) e recorrer a empréstimos de Caio (Rodrigo Lombardi) para pagar suas dívidas. Quando confrontada pela filha, que também descobriu que ela fazia apostas em cassinos virtuais, se faz de vítima e nega veementemente sua compulsão.

Silvana conta com a cumplicidade da empregada Dita (Karla Karenina), que tenta fazer de tudo para que o empresário não descubra seu vício em jogos e por vezes a alerta sobre o perigo em que se envolve, apesar de sempre ser beneficiada com uma parte do dinheiro que a patroa ganha quando se dá bem. Dita é fiel à arquiteta em todos os momentos, inclusive os mais difíceis.

Mais recentemente, a dondoca sentiu de forma mais forte o perigo que corria por causa do vício ao participar de uma jogatina ilegal. No capítulo do último sábado, foi mostrada a agonia da personagem ao perder tudo e ficar presa no lugar, uma vez que os donos da mesa só lhe permitiriam sair se ela pagasse o que devia no ato. Uma sequência que emocionou.

Todo o contexto da compulsão de Silvana em jogos de azar vem se desenhando ao longo da trama de forma bem convincente, apesar da sensação de andar em círculos provocada pela repetição das situações, e favorecendo o talento de Lilia Cabral.

A atriz brilha ao mostrar uma curiosa veia cômica nos momentos em que a personagem enrola o marido – enfatizando sua ótima sintonia com Humberto Martins – e emociona quando a arquiteta perde tudo.

Deve-se destacar ainda as ótimas parcerias da atriz com Karla Karenina, que diverte na pele de Dita, voltando às novelas após participar da fraquíssima Morde & Assopra (2011); e Juliana Paiva, com a qual faz uma ótima sintonia de mãe e filha e protagoniza boas cenas que mostram a preocupação de Simone com o vício da mãe.

Aliás, deve-se registrar que foi Lilia quem indicou Juliana para viver sua filha na ficção. Uma aposta acertada da veterana e da autora Glória Perez, que permitiu à jovem atriz exercitar sua versatilidade, como se vê em suas parcerias com a mãe e com a promissora revelação Carol Duarte (intérprete da transgênero Ivana, já elogiada aqui no TV História), e finalmente se livrar dos vestígios cômicos de Fatinha, sua personagem de maior sucesso em Malhação (2012-13).

Lilia é uma de nossas melhores atrizes e tem personagens memoráveis em sua carreira, como a Amorzinho de Tieta (1989-90, atualmente no ar no canal Viva); Sheila em História de Amor (1995-96); Ingrid em Laços de Família (2000-01); Bárbara em Chocolate Com Pimenta (2003-04); Marta em Páginas da Vida (2006-07), que lhe rendeu uma merecida indicação ao Emmy Internacional; e Mercedes no filme Divã (2009), que virou série em 2011.

O único grande erro de sua carreira foi a Griselda, da péssima novela Fina Estampa (2011-12), uma personagem mal desenvolvida e mal dirigida, que não permitiu à atriz brilhar como merecia. Em compensação, Aguinaldo Silva felizmente presenteou a grande atriz com a esnobe Maria Marta, um dos maiores destaques da mediana Império (2014-15).

Agora, Lilia mostra diferentes nuances de seu talento em uma personagem que vive a adrenalina de estar entre a euforia de ganhar e o medo de perder tudo e de que Eurico descubra o vício – o que chegou a acontecer, porém, Silvana conseguiu enrolar o marido de novo, caracterizando uma falsa virada.

Os próximos capítulos reservam mais emoções para a dondoca, uma vez que o marido enfim abrirá os olhos e ela não terá mais como mentir, o que a obrigará a assumir sua compulsão e procurar se tratar.

A abordagem do vício em jogos de azar é outro ponto positivo de A Força do Querer e ganha ainda mais força com a interpretação precisa e segura de Lilia Cabral. Uma escalação que, a cada capítulo, se mostra um pleno acerto.


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