Assim como no ano passado, a Globo voltou a investir em seriados semanais fora do ramo da comédia rasgada. Depois das experiências fracassadas com Supermax e Nada Será Como Antes, a primeira linha de shows das terças-feiras recebeu um dos melhores produtos já produzidos para esta faixa: Sob Pressão, que encerrou sua primeira temporada nesta terça, 19 de setembro, com um saldo muito positivo em todos os aspectos.

Derivada do filme homônimo de 2016, que por sua vez foi inspirado no livro do médico Márcio Maranhão, Sob Pressão foi um fiel retrato do caos na saúde pública brasileira: equipamentos sucateados, falta de vagas, corrupção e uma equipe aguerrida e corajosa, que enfrentou uma verdadeira rotina de guerra para salvar vidas. Com roteiro de Jorge Furtado, Márcio Alemão, Lucas Paraízo e Antônio Prata e dirigida por Mini Kerti e Andrucha Waddington, o seriado ainda abriu espaço para trabalhar os dramas pessoais de seus protagonistas, Evandro (Júlio Andrade) e Carolina (Marjorie Estiano), o que expandiu a trama do longa-metragem.

Diversos temas foram abordados em meio às dificuldades da equipe, em especial a violência contra a mulher e a pedofilia, representados especialmente pela cirurgiã, que foi abusada desde criança pelo próprio pai (vivido pelo brilhante Luís Melo) e por isso mutilava seu próprio corpo. Evandro, a seu modo, representou os dilemas éticos e carregava a culpa de, ironicamente, não ter conseguido salvar sua própria mulher, Madalena (Natália Lage), o que o fazia consumir drogas e álcool e perder sua fé, em oposição à religiosidade de Carolina.

Também houve espaço para a abordagem da corrupção, através do controverso Samuel (Stepan Nercessian), diretor do hospital; a discussão entre a medicina e a fé, em casos retratados no segundo e terceiro episódios; bem como a divulgação ilegal de fotos íntimas (novamente envolvendo Carolina) e o turismo sexual. Tudo isto retratado com veracidade e cuidado, ganhando o reforço de avisos exibidos ao final de cada capítulo sobre estes temas.

As histórias de Evandro e Carolina também ganharam espaço no roteiro da série, através do difícil relacionamento entre os dois. Com o tempo, segredos vieram à tona, especialmente quando o chefe da equipe foi processado pelo Conselho Regional de Medicina e descobriu que sua falecida esposa tinha um caso com um colega do hospital, o neurocirurgião Rafael (Tatsu Carvalho). Logo depois, a médica presenciou seu pai abusando de outra mulher e fez questão de desmascará-lo em plena igreja, o que resultou em grandes cenas.

Em meio a todo este ambiente denso, o triângulo amoroso do anestesista Amir (Orã Figueiredo) representou um ponto de leveza. Embora dispensável, o núcleo das desventuras amorosas dele com suas mulheres Violeta (Letícia Isnard) e Liliana (Renata Gaspar) foi bem executado e rendeu bons momentos.

O elenco afiado foi outro ponto positivo. Júlio Andrade, na pele do contido e cético Evandro, reafirmou ser um dos melhores atores do país e sua capacidade de se reinventar totalmente a cada personagem. Marjorie Estiano, uma das mais competentes atrizes de sua geração, emocionou com o sofrimento de Carolina e os traumas que carregava por sofrer com a violência sexual desde pequena. Os dois protagonistas ainda mostraram muita química no difícil romance entre os dois médicos.

Ainda merecem elogios Stepan Nercessian, como o diretor Samuel, Bruno Garcia (o clínico Décio), Orã Figueiredo, Pablo Sanábio (o residente Charles), Heloísa Jorge (a enfermeira Jaqueline), Tatsu Carvalho e Talita Castro (a técnica de enfermagem Kelly). Uma menção especial deve ser feita ao grande ator Emiliano Queiróz, cujo personagem, o humilde Seu Rivaldo, funcionou como um cronista da difícil situação da saúde, pois vivia em sua maca no hospital com medo de perder sua vaga.

A série ainda foi repleta de participações especiais que enriqueceram ainda mais os contextos abordados, através de nomes talentosos como Monarco, Paulo Miklos, Bruna Griphao, Laila Garin, Camila Amado, Carla Ribas, Zezé Motta, Kiko Mascarenhas, Soraya Ravenle, Fernando Eiras, José Dumont e Olívia Torres. A opção por nomes menos conhecidos do grande público, em sua maioria, deu muito certo.

Em função de todo este conjunto de qualidades, pode-se dizer que Sob Pressão merece muito mais o título de “supersérie”, que foi dado para a recém-encerrada novela das 23h Os Dias Eram Assim. A história baseada nos relatos de Márcio Maranhão foi uma das melhores produções de dramaturgia do ano, digna de todos os elogios. Elenco, direção, roteiro, tudo contribuiu para o resultado fantástico que foi visto. Que venha a segunda temporada!


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