Eu era um moleque, próximo dos quinze anos, já apaixonado por televisão e novelas. E atento, sempre, a todo e qualquer assunto a respeito do tema. Estava lá numa loja de roupas, aquele programa chato de esperar a mãe encontrar um vestido bacana para uma festa de fim de semana, quando ouvi a vendedora exclamar, escondida atrás do provador: “por causa dessa droga de futebol, a novela vai começar mais tarde!“.

Era 5 de setembro de 2001: Brasil e Argentina se enfrentavam pelas eliminatórias da Copa 2002; Porto dos Milagres, de Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares, o folhetim em questão. Restando 20 capítulos para as derradeiras emoções – naquela noite, o público viu o casal Guma (Marcos Palmeira) e Lívia (Flávia Alessandra) se separar -, ‘Porto’ sustentou uma considerável audiência para o horário em que foi ao ar, 22h30: 41 pontos. O autor comemorou o feito nas páginas da revista Minha Novela (da qual eu era leitor assíduo).

Dito isso, entro enfim no debate de hoje: A Força do Querer, que ontem, 10 de outubro, também foi ao ar às 22h30, por conta de uma partida das eliminatórias da Copa 2018, Brasil x Chile. Não esperava, anos depois, testemunhar outro fenômeno do tipo. Afinal, os tempos são outros: a audiência da TV aberta rateou, as tramas das 21h perderam força, as concorrentes se armaram para o horário pós-novela.

E aí vem Gloria Perez, recebida com ressalvas por conta de Salve Jorge (2012), com um enredo bem urdido, centrado em poucos (e bons) personagens, com um elenco escolhido a dedo (há controvérsias com relação a Fiuk, eu sei), sob a competente batuta de Rogério Gomes… Alimentando o telespectador com doses diárias de fortes emoções e se infiltrando temas polêmicos em todas as conversas, a autora colocou ‘Força’ num patamar que muitos julgavam impossível de ser atingido outra vez. Eu, inclusive.

A Força do Querer registra na Grande São Paulo média parcial de 36 pontos, a maior desde Avenida Brasil (2012). Superou experiências desastrosas da faixa e folhetins mal ajambrados que, pasmem, conseguiram bons índices – como Amor à Vida (2013), e o amontoado de tipos vazios e fios soltos de Walcyr Carrasco; e Império (2014), proposta realista de Aguinaldo Silva que se serviu da fantasia para contornar problemas de bastidores.

Ontem, no ar quase até meia-noite, o folhetim apontou 42,6 pontos! O jogo virou: o futebol serviu de sala de espera para a novela. O público, inclui-se o das redes sociais, abdicou do preparo dos peixes que definiria a prova de eliminação do MasterChef (Band) em prol de Ritinha (Ísis Valverde), a sereia que cozinhou a polêmica com o ex-marido em fogo alto; os três rapazes que buscavam escapar da roça em A Fazenda (Record) não aplacaram Rubinho (Emílio Dantas), agora eliminado do convívio em sociedade.

É claro que a concorrência e seus realities passam ao largo da força da novela da Globo. Mas não deixa de ser curioso que num campo mais democrático, como o das mídias sociais, Jeiza (Paolla Oliveira) e companhia bela também tenham reinado absolutas. Foi mais um registro da supremacia da novela no Brasil. Foi mais uma mostra do poder de fogo de Gloria Perez. Foi mais um ponto a favor da consagração de A Força do Querer.


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Apaixonado por novelas desde que Ruth (Gloria Pires) assumiu o lugar de Raquel (também Gloria) na segunda versão de Mulheres de Areia. E escrevendo sobre desde quando Thales (Armando Babaioff) assumiu o amor por Julinho (André Arteche) no remake de Tititi. Passei pelo blog Agora é Que São Eles, pelo site do Canal VIVA e pelo portal RD1. Agora, volto a colaborar com o TV História.