Há 25 anos, estreava um dos maiores sucessos da telenovela brasileira: O Rei do Gado, de Benedito Ruy Barbosa, obra que marcou a TV dos anos 1990.

Para celebrar a efeméride, destaco 10 curiosidades sobre a produção:

1 – Primeira fase

A emocionante primeira fase – uma espécie de Romeu e Julieta tendo como pano de fundo a decadência do ciclo do café e a inserção do Brasil na Segunda Guerra Mundial – foi um dos melhores momentos de nossa Teledramaturgia. Era uma história à parte, separada da fase definitiva (ainda que mostrasse os antecedentes dos personagens), que chegou a ser exibida no exterior como minissérie.

A direção geral e concepção estética foi do meticuloso Luiz Fernando Carvalho. Ares operísticos com elementos do teatro e da narrativa audiovisual em uma fotografia cinematográfica – do festejado diretor Walter Carvalho. Grande destaque para as interpretações de Tarcísio Meira, Eva Wilma, Antônio Fagundes, Vera Fischer, Letícia Spiller e Leonardo Brício.

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2 – Trama rural, mas urbana

A segunda e definitiva fase mostrou a modernização e a riqueza do interior paulista por meio da cidade de Ribeirão Preto. Porém, a novela tinha núcleos espalhados em outras regiões, como a capital paulista e o Araguaia, que também serviram de cenário para a trama.

Para as gravações, além da cidade cenográfica construída no Projac, foram utilizados pelo menos cinco polos de produção: Itapira, Ribeirão Preto e Amparo (SP), Guaxupé (MG) e Aruanã (GO), por onde se espalhavam as fazendas usadas como locação.

3 – Personagens inesquecíveis

Parte da aceitação do público deveu-se a personagens ricos, carismáticos e pouco maniqueístas. Antônio Fagundes, Raul Cortez e Carlos Vereza interpretaram tipos que marcaram suas carreiras: Bruno Mezenga, Jeremias Berdinazzi e o Senador Roberto Caxias, respectivamente.

Patrícia Pillar passou dez dias entre os cortadores de cana para compor sua bela e forte Luana, personagem pela qual foi muito elogiada. Fábio Assunção, então com 25 anos, teve seu primeiro grande momento na TV, como o rebelde Marcos Mezenga.

Silvia Pfeifer, no papel da infiel Léa Mezenga, recebeu críticas pela sua interpretação, mas conquistou o público. Com o passar do tempo, Léa tornou-se um ícone das personagens de novelas, seja pelos belos figurinos ou pela caracterização (loura oxigenada), um tanto caricata.

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4 – Atriz frustrada

Na época, ficou notória a frustração de Glória Pires com sua personagem Rafaela, que fingia ser Marieta Berdinazzi, a sobrinha desaparecida de Jeremias (Raul Cortez).

Eu aceitei confiando plenamente em Benedito, porque tínhamos trabalhado em Cabocla [1979]. Houve algum problema, porque ele não desenvolveu a personagem como havia falado. É horrível quando você espera algo que não vem”, desabafou a atriz em sua biografia “40 Anos de Glória” (escrita por Eduardo Nassife e Fábio Fabrício Fabretti).

Totalmente sem rumo na trama, a personagem teve um desfecho medíocre, terminando desnorteada em uma fazenda doada pelo tio. “Arregacei as mangas e levei a missão até o fim, dignamente. Foi o que me restou fazer”, completou a atriz

5 – Ameaça por causa dos sem-terra

A Reforma Agrária, a vida dos trabalhadores do Movimento dos Sem Terra (MST) e a luta pela posse de terras foram amplamente discutidos na novela e tiveram grande repercussão na mídia e na sociedade em geral. O Rei do Gado estreou dois meses após a morte de 19 sem-terra em Eldorado dos Carajás (PA), fato que tomou conta do noticiário da época e gerou muita discussão.

Um dia, o Boni me ligou muito bravo porque eu coloquei os sem-terra na trama. Ele queria saber o porquê de não aparecer essa informação na sinopse”, disse Benedito Ruy Barbosa para o livro “Biografia da Televisão Brasileira”.

Depois de uma longa explicação e do compromisso de tratar da temática com cautela, o autor recebeu o sinal verde para continuar o trabalho nesse núcleo.

No auge da repercussão sobre o MST, Benedito recebeu um cartão em casa, sem assinatura, em tom de ameaça: “Parabéns pelo que você arranjou. Sou fazendeiro e se aparecer alguém aqui como os de sua novela, aumento o muro três metros para ninguém sair mais”.

O autor sabia que, ao abordar a questão das grandes propriedades destinadas à criação de gado, não poderia deixar de citar a tão sonhada reforma agrária. “A novela ajudou a fazer as pessoas nos olharem de maneira diferente. Nos deu status de cidadãos”, disse o presidente do MST na época, João Pedro Stédile.

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6 – Críticas de políticos

Benedito Ruy Barbosa recebeu inúmeras críticas de políticos por causa da forma como mostrava ao telespectador o trabalho dos parlamentares. Em uma marcante cena da novela, o Senador Caxias (Carlos Vereza) fez um discurso emocionado sobre os sem-terra enquanto no plenário havia apenas três senadores: um cochilando, outro lendo jornal e o terceiro falando ao celular.

No dia seguinte, o então senador Ney Suassuna subiu à tribuna do senado para protestar contra o que classificou como “distorção da realidade”. Segundo ele, a cena induzia a população a acreditar que não havia senadores honestos no país.

7 – Trilha campeã de vendas

A primeira trilha sonora da novela é até hoje recordista de vendagem: o disco “O Rei do Gado volume 1” (com Patrícia Pillar na capa) vendeu mais de 2 milhões de cópias (entre CDs, LPs e K7s), suplantando o recorde anterior, a trilha internacional da novela O Salvador da Pátria, de 1989.

Foi uma época em que os “bolachões” (os LPs) estavam baratos porque os CDs já haviam se popularizado. Os discos de vinil para trilhas de novelas foram abolidos no ano seguinte, em 1997 (“A Indomada volume 1” foi o último).

Além da música da abertura, “Rei do Gado” (Orquestra da Terra), ficaram associadas à novela: “Coração Sertanejo” (Chitãozinho & Xororó), “Admirável Gado Novo” (Zé Ramalho), “Eu Te Amo, Eu Te Amo, Eu Te Amo” (Roberta Miranda), “Correnteza” (Djavan), “À Primeira Vista” (Daniela Mercury), “Sem Medo de Ser Feliz” (Zezé Di Camargo & Luciano), “Doce Mistério” (Leandro & Leonardo) e “Vaqueiro de Profissão” (Jair Rodrigues).

A trilha sonora volume 2 era composta, em sua maioria, por gravações da fictícia dupla sertaneja Pirilampo e Saracura, vivida na novela por Almir Sater e Sérgio Reis.

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8 – Novela adiada

O Rei do Gado deveria ter estreado após Explode Coração (em maio de 1996), mas houve um atraso em sua produção. A hipótese de espichar a trama de Glória Perez chegou a ser cogitada, mas a emissora a descartou, pois tinha assumido o compromisso de liberar a novelista em maio para o julgamento dos acusados do assassinato de sua filha, a atriz Daniella Perez (assassinato ocorrido em 1992).

A solução foi um tapa-buraco: a mininovela O Fim do Mundo, um texto que Dias Gomes havia escrito para ser lançado como uma minissérie. Assim, O Fim do Mundo foi exibida em 35 capítulos até que O Rei do Gado pudesse estrear com folga, em junho de 1996.

9 – Premiada internacionalmente

O Rei do Gado recebeu o Certificado de Honra ao Mérito no San Francisco International Film Festival, concorrendo com 1525 produções de 62 países. A primeira fase da novela foi especialmente transformada em minissérie para o Festival Banff, do Canadá, em que foi selecionada como obra hors-concours.

Por suas atuações, Raul Cortez foi eleito pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) o melhor ator na TV em 1996, Leonardo Brício o melhor ator coadjuvante, Walderez de Barros a melhor atriz coadjuvante, Caco Ciocler a revelação masculina na televisão, e Tarcísio Meira ganhou um prêmio especial.

O Rei do Gado foi premiada com o Troféu Imprensa de melhor novela de 1996. Raul Cortez levou o prêmio de melhor ator.

10 – Sucesso nas reprises

A novela foi reapresentada no Vale a Pena Ver de Novo duas vezes: entre março e agosto de 1999, e entre janeiro e agosto de 2015. O sucesso da segunda reprise – uma das maiores audiências da faixa vespertina na década de 2010 – é curioso pelo fato de, à época, a novela já ser considerada velha: 19 anos separavam a exibição original da segunda reexibição.

O Rei do Gado foi ainda reprisada no canal Viva, entre fevereiro e novembro de 2011.

AQUI tem tudo sobre O Rei do Gado: trama, elenco completo, personagens, trilha sonora e mais curiosidades.

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Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira. Leia todos os textos do autor