De volta no Viva, O Salvador da Pátria sofreu interferências em ano conturbado

06/11/2024 às 12h22

Por: Nilson Xavier
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O canal Viva estreia nesta segunda-feira (12) a novela O Salvador da Pátria, de Lauro César Muniz, originalmente exibida em 1989. O protagonista, se você não conhece, já ouviu falar: é Sassá Mutema, um catador de laranjas matuto e analfabeto, em uma caracterização impecável de Lima Duarte, um de seus personagens mais populares, dos mais marcantes da história de nossa televisão.

No início, Lauro César Muniz declarou: “Trata-se de uma parábola sobre a liderança. Quero falar de um Brasil forte, num ano decisivo para a nossa história, quando vai surgir um presidente eleito pelo povo. Como é um ano de esperança, quero falar de um país que acredita na luz no fim do túnel“.

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O título da novela expressava a preocupação do autor. Era janeiro de 1989 e começava a campanha pelas primeiras eleições diretas para presidente da República em 29 anos, tendo Fernando Collor de Mello e Luís Inácio Lula da Silva como principais candidatos.

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Porém, Lauro César Muniz afirmou que mais tarde teve de mudar a história de O Salvador da Pátria porque “houve uma interferência direta de Brasília na cúpula da Globo“. Segundo ele, a trama foi considerada, “por algumas pessoas do governo“, uma apologia à candidatura do petista Lula à presidência. A declaração foi dada pelo novelista na Escola de Comunicações e Artes da USP em maio de 2002, durante a comemoração do aniversário de 10 anos do Núcleo de Pesquisa de Telenovela.

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Em 1989, já não havia mais a censura formal, mas houve uma interferência direta de Brasília na cúpula da Globo. Era o primeiro ano de eleições diretas, Lula contra Collor, e acharam que o Sassá Mutema fazia apologia à esquerda. Assim, acabou vindo uma pressão na emissora para que a trama fosse mudada. Cheguei a ouvir, nos bastidores, ‘o autor dessa novela vai eleger o presidente do Brasil’. Tive de abandonar o aspecto político da história e focalizar apenas o policial“, declarou Lauro César Muniz.

O autor não esconde que ficou sob o fogo cruzado dos dois partidos. Para Flávio Ricco e José Armando Vannucci, no livro “Biografia da Televisão Brasileira”, declarou: “O PT achava que o personagem favorecia o Collor porque fazia certa chacota com o Lula por não ter ensino superior. E era justamente o contrário. Ele representava a ascensão do povo ao poder“.

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Se a novela ajudou na campanha do PT, não se sabe ao certo, mas a música tema de abertura era “Amarra o Teu Arado a uma ESTRELA“, (estrela, captou?) de Gilberto Gil, futuro ministro do governo Lula (de 2003 a 2008). Na época em que gravou a música, Gil era vereador de Salvador pelo PMDB.

Na mesma época, ia ao ar no horário das sete a novela Que Rei Sou Eu?, de Cassiano Gabus Mendes, por sua vez acusada de fazer apologia à campanha de Fernando Collor, já que enxergaram o político na figura do herói da trama, Jean-Piérre (vivido por Edson Celulari). Em seu livro “Gabus Mendes, Grandes Mestres do Rádio e Televisão”, o pesquisador Elmo Francfort afirma que essa nunca foi a intenção de Cassiano: ele pretendia que Jean-Piérre representasse o povo brasileiro, cansado de sofrimento e querendo justiça e igualdade social a todos.

A André Bernardo e Cíntia Lopes, para o livro “A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo“, Lauro César Muniz revelou qual era a proposta inicial para Sassá Mutema na trama de sua novela: “Segundo a sinopse original, Sassá Mutema seria cooptado para ser candidato a vice-presidente de um candidato com ligações com o narcotráfico. Um cartel de droga ligado a Medellín (…) O candidato a presidente, então, seria assassinado e Sassá assumiria o governo nas mãos de um grupo de narcotraficantes (…) Só que durante o processo, ele toma consciência de tudo o que está acontecendo, desmantela o cartel e se torna um bom governante. Infelizmente, não pude fazer nada disso“.

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Em um primeiro estágio, a boa ideia foi correspondida, com uma trama consistente, bem amarrada e inteligente. Foi nesse momento que brilharam (além de Lima DuarteLuis Gustavo e Tássia Camargo. Seus personagens morreram no capítulo 17 e a novela mudou de polo, com os conflitos dramáticos diluídos em um excesso de personagens.

O radialista Juca Pirama (Luis Gustavo) – do bordão “Meninos, eu vi!”  – era uma das figuras principais da novela, ainda que morresse no capítulo 17. No desenrolar da história, o autor promoveu uma “volta” do personagem como parte da trama engendrada pela organização criminosa da história. Mas Luis Gustavo não quis voltar à cena. Foram então utilizados áudios gravados por um imitador, que reproduzia quase que perfeitamente a voz e o timbre do ator.

O ponto de partida da novela O Salvador da Pátria foi o Caso Especial da TV Globo O Crime do Zé Bigorna, também estrelado por Lima Duarte, escrito pelo próprio Lauro César Muniz, exibido em 1974 e transformado em filme em 1977. Sassá Mutema era, praticamente, uma reedição de Zé Bigorna.

AQUI tem tudo sobre O Salvador da Pátria: trama, elenco, personagens, trilha sonora e muitas curiosidades de bastidores.

SOBRE O AUTOR
Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira.

SOBRE A COLUNA
Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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