Acabou o amor! Como a Globo e o Esporte Interativo passaram de aliados a inimigos mortais (parte 1)

05/04/2017 às 10h30

Por: Gabriel Vaquer
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O Campeonato Brasileiro de 2019 é um dos mais aguardados de todos os tempos. Não, não sabemos como os principais times do país chegarão para brigar pelo título. Não é por isso. É porque será o primeiro torneio do futebol nacional em quase duas décadas em que as Organizações Globo terão que amargar uma derrota. E os Canais Esporte Interativo são os responsáveis por esse abalo nas estruturas dos direitos esportivos no Brasil.

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Ao contrário do que muita gente pensa, a compra dos direitos de TV fechada de 16 clubes para o Brasileirão 2019, incluindo times como Palmeiras, Santos, Internacional, Bahia, Atlético Paranaense, Coritiba e outros, não é o início da briga aberta entre a Globo e o Esporte Interativo. A relação entre essas duas organizações é longa, começou há mais de 20 anos e foram aliados em vários momentos. É isso que vamos contar nessa reportagem, que nada mais é do que um trabalho minucioso de dois meses de apuração deste repórter, pegando depoimentos com jornalistas, diretores, editores e executivos de todas as partes envolvidas. Jamais esta história foi contada com riqueza de detalhes, por isso você a verá dividida em três partes.

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Pré-Esporte Interativo

O Esporte Interativo foi criado em 2007 pelos executivos do escritório de marketing chamado Top Sports, que no fim dos anos 90 assumiu o Departamento de Marketing do Vitória e depois, amparado pela Lei Pelé, ajudou a criar a Liga do Nordeste. Cuidando da parte técnica e do marketing da Liga do Nordeste, a Top Sports criou o Campeonato do Nordeste, usando como base a então Copa do Nordeste que a CBF já “organizava” anualmente, envolvendo os clubes da região, antes da disputa dos campeonatos estaduais. Com organização, ações de marketing inovadoras, divulgação e união dos clubes, os Campeonatos do Nordeste de 2000, 2001 e 2002 foram um sucesso financeiro, esportivo e de público, tanto que o sucesso do Campeonato do Nordeste gerou o finado “Calendário Quadrienal do Futebol Brasileiro”, que em 2002 deu mais poder aos regionais (Rio-SP, Sul Minas e Copa Norte) do que os estaduais. E as federações estaduais acabaram com calendário de quatro anos após o primeiro.

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Nessa época, a Top Sports tinha o direito de vender o Campeonato do Nordeste para qualquer rede de TV. E na TV aberta não pensou duas vezes: a Globo Nordeste e as afiliadas da Globo, Verdes Mares e TV Bahia. Claramente os executivos da Top Sports não quiseram brigar com a Globo e sabiam que ter o canal divulgando o campeonato era vital para seu sucesso. Na TV fechada, no entanto, os direitos não foram para a Globosat (Sportv), mas sim para a então operadora Directv.

Com o esvaziamento do Campeonato do Nordeste (que gerou um processo judicial da Liga do Nordeste – com a TopSports por trás – contra a CBF [mais à frente veremos como termina essa história!]), a Top Sports se viu obrigada a buscar outra fonte de receita e percebeu como os direitos dos principais campeonatos de futebol da Europa eram maltratados na TV aberta brasileira. Simplesmente ninguém tinha interesse por eles. Saíram comprando direitos de transmissões que hoje custam dezenas de milhões de dólares por dezenas de milhares de reais. Assim foi com o Campeonato Inglês, Campeonato Espanhol e até a Liga dos Campeões (à época com transmissão eventual da final na TV aberta brasileira) no triênio 2004-2007.

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A Top Sports (ainda) não tinha um canal de TV para transmitir esses direitos e resolveu a questão com parcerias com a RedeTV! (que depois tentou enganar o escritório de marketing ficando com os direitos da Liga dos Campeões, que estavam em seu nome) e com a Band. Esse projeto deu muito resultado, com vários jogos dando audiências gigantes. Era normal a Band passar o SBT e a Record e incomodar até a Globo, como no clássico Real Madrid x Barcelona, no auge de Ronaldinho Gaúcho, aplaudido pela torcida do Real no Santiago Bernabéu, que deu 11 pontos de média e pico de 14, em novembro de 2005.

A Globo não percebeu esse movimento da Top Sports “no seu quintal”, a TV aberta. A monetização desses direitos – que se transformaram em grandes lucros – nas transmissões na RedeTV! e, principalmente na Band, foi o que alavancou a criação do Esporte Interativo, em janeiro de 2007.

A fase Esporte Interativo

Tendo os direitos dos Campeonato Inglês, Italiano e Alemão (a TopSports virou vítima do seu sucesso e perdeu a disputa da Liga dos Campeões para a Record e do Espanhol para a Band), com direito a mais de dez jogos por rodada no total e exibindo dois ou três, criar um canal de TV próprio, aberto, de esportes, virou algo lógico para os executivos do escritório de marketing. E assim eles fizeram, conseguindo o Canal do Boi nas Parabólicas. À época, segundo semestre de 2006, os responsáveis pelo Esporte Interativo consultaram vários especialistas do mercado de televisão e todos diziam que eles estavam tentando algo impossível. Não havia espaço para isso. Ninguém valorizava as parabólicas, que à época nem eram medidas pelo Ibope. Em uma visita à cúpula da Rede Globo, no Jardim Botânico, o então presidente da Top Sports, Edgar Diniz, ouviu que essa empreitada era “enterrar dinheiro” e que “em seis meses o Esporte Interativo estaria fechado”.

O canal foi lançado com o apoio de grandes patrocinadores como Gillette, Tim, Embratel e conseguiu ótimos resultados de interatividade (uma das ferramentas de medição que o canal tinha à época) desde o início. Só que, mais uma vez, o Esporte Interativo virou refém do seu sucesso. Todos os direitos que o canal possuía eram comprados em parceria com a ESPN. O canal fechado comprava os direitos totais e repassava os direitos da TV aberta para o Esporte Interativo. No início a sensação na ESPN era: ‘vamos vender, pois o Esporte Interativo nunca vai nos incomodar no “universo invisível” das parabólicas’. Só que incomodou demais. E para não “alimentar a cobra”, a ESPN passou a não vender mais os direitos de aberta para o Esporte Interativo a partir de 2010. O cenário então era duro: o Esporte Interativo perdeu, de uma só vez, Campeonato Inglês, Italiano e Alemão. Foi aí que Edgar Diniz viu que era preciso fazer o canal dele mudar seu alvo e passar a atacar o futebol brasileiro. Assim, o Esporte Interativo se reinventou e começou a atacar o quintal da Globo.

Tudo começou no primeiro semestre de 2010, quando o Esporte Interativo convenceu a Liga do Nordeste a realizar uma edição da Copa do Nordeste, ainda que em meio à Copa do Mundo. A edição não teve sucesso (nem comercial, com poucas vendas, nem esportivo, sem o Sport e sem times titulares) mas foi importante para o Esporte Interativo adquirir experiência em promover eventos e, principalmente, para a Liga do Nordeste vencer a batalha judicial contra a CBF, que possibilitou a Copa do Nordeste retornar em 2013.

No meio de 2010, o Esporte Interativo conseguiu uma grande vitória, que foi conseguir novamente os direitos de transmissão da Liga dos Campeões, contando com a “bênção” da Globo. Edgar Diniz montou um plano para licenciar um jogo de terça-feira da Liga dos Campeões para a TV aberta (algo inédito no mundo), passando esse jogo nas parabólicas. Assim foi a partir da temporada 2009-2010. Antes de vender esse jogo de terça ao Esporte Interativo (uma nova linha de receita para a UEFA), a agência que vende os direitos da Liga dos Campeões consultou a Globo (que tinha tirado a competição da TV Record), que deu autorização para o negócio. Assim foi durante seis temporadas, com o Esporte Interativo transmitindo um jogo por rodada, sempre às terças-feiras, nas parabólicas (na renovação, para a temporada 2012-2013, a Globo novamente permitiu que a UEFA vendesse os direitos para o Esporte Interativo). A exibição da Liga dos Campeões foi vital para, comercialmente, o Esporte Interativo se manter vivo no início da década.

Àquela altura, a aproximação do Esporte Interativo com a Globo ultrapassou essa “bênção” para a compra da Liga dos Campeões, a ponto de conseguir licenciar vários conteúdos da então parceira poderosa. Assim, o Esporte Interativo conseguiu transmitir várias competições da Fifa, como Mundial Sub-20, Mundial Sub-17, Mundial de Futebol de Areia e dois Mundiais de Clubes, com presença de Santos e Internacional, em 2011. Para a Globo era muito interessante, pois ela recebia um bom valor por direitos que havia comprado e não utilizava, além de não ter problema com o Cade, já que estava repassando esses direitos a uma outra TV (e que, oficialmente, não a incomodava no “universo invisível” das parabólicas). Para o Esporte Interativo, ainda que pagando caro por esses direitos, valia a pena, pois dava retorno de audiência e muita visibilidade.

Nesta época, começou o primeiro ponto claro de conflito entre o Esporte Interativo e o Grupo Globo. Junto com os direitos do Pacote Fifa, o Esporte Interativo licenciou um Pacote Vôlei com a Globo. Eram jogos da Superliga, Masculina e Feminina, e de várias competições da Federação Internacional de Vôlei, de quadra e de praia. Todos esses direitos eram exclusivos do Sportv, que reclamou demais com a perda dessa exclusividade, mas, por decisão da Globo, o Esporte Interativo pode transmitir, pois interessava diretamente à “empresa-mãe”.

Estes foram os primeiros indícios de que os concorrentes estavam vendo que o Esporte Interativo poderia ultrapassar as barreiras do “universo invisível” das parabólicas. A ESPN parou de licenciar os direitos dos campeonatos europeus. O Sportv parou de ceder gols dos campeonatos de futebol do Brasil (acordo costurado desde 2007 diretamente entre a direção do Esporte Interativo com a Globo) ao Esporte Interativo. As transmissões de vôlei do Esporte Interativo começaram a incomodar demais na audiência (várias deles venciam as transmissões de vôlei do Sportv, considerando o estudo com a mesma base – Oi, GVT e ClaroTV – que o Ibope fazia para o Esporte Interativo, ainda que esse levantamento não pudesse ser divulgado).

Era evidente que o conceito em relação ao Esporte Interativo havia mudado, não tanto pelo que ele representava naquele momento, mas sim pelo que ele poderia tornar-se, dando os passos corretos, no futuro. Em certa ocasião, ao se encontrarem em um evento do meio da televisão, um alto diretor da Globo falou para um alto diretor do Esporte Interativo: “Nós tínhamos condições de matar vocês lá atrás, mas não matamos. Agora é saber o tamanho da dor de cabeça que vocês vão nos dar”.

Em breve, vamos publicar a segunda parte desta história.

Leia também: Acabou o amor! Como a Globo e o Esporte Interativo passaram de aliados a inimigos mortais (parte 1)

Leia também: Acabou o amor! Como a Globo e o Esporte Interativo passaram de aliados a inimigos mortais (parte 2)

Leia também: Acabou o amor! Como a Globo e o Esporte Interativo passaram de aliados a inimigos mortais (parte 3)

Leia também: Acabou o amor! Como Globo e Esporte Interativo passaram de aliados a inimigos mortais (final)


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