Última novela de Flávio Migliaccio estreava em 2019 na Globo

02/04/2021 às 19h44

Por: Sergio Santos
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A missão de Órfãos da Terra, que estreava há exatamente dois anos, em 2 de abril de 2019, era aumentar a audiência da faixa das seis, após os índices insatisfatórios da maravilhosa Espelho da Vida, de Elizabeth Jhin. Duca Rachid e Thelma Guedes cumpriram o objetivo da emissora: a trama elevou a média em quatro pontos. Um sucesso. Todavia, a repercussão não chegou nem perto da produção anterior. E infelizmente o retorno da audiência não fez jus ao que foi apresentado pelas autoras.

A história começou arrebatadora. A temática sobre refugiados atraiu pela importância de uma abordagem tão atual na teledramaturgia e o contexto envolvendo os personagens se mostrou muito bem introduzido.

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O romance impossível da corajosa Laila (Julia Dalavia) e do destemido Jamil (Renato Góes) despertou atenção, assim como as maldades do implacável vilão Aziz Abdallah (Herson Capri) e a sofrida vida da justa Soraia (Letícia Sabatella). A guerra na Síria proporcionou cenas impactantes e a fuga dos sobreviventes emocionou. A complexidade da filha do sheik, Dalila (Alice Wegmann), também provocou interesse e todo o conjunto parecia promissor.

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Até mesmo o núcleo cômico, alvo costumaz de críticas ferrenhas de parte da imprensa em qualquer folhetim, proporcionou uma ótima impressão através da divertida guerra entre uma família árabe e outra judia. As discussões de Mamede (Flávio Migliaccio) e Bóris (Osmar Prado) eram impagáveis e a questão envolvendo a rivalidade dos cachorros dos vovôs rabugentos – Salomé, um Dog Alemão gigantesco, e Sultão, um Chiuaua pequenino – se mostrou uma boa sacada das autoras. Outro êxito foi o par formado por Ali (Mouhamed Harfouch) e Sara (Verônica Debom), o que resultou em uma inimizade ainda maior entre as famílias.

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Infelizmente, foi a última novela de Migliaccio, que acabou tirando a própria vida em 4 de maio de 2020, aos 85 anos, em seu sítio localizado em Rio Bonito (RJ). O personagem era um dos poucos acertos da trama de Duca Rachid e Thelma Guedes. O ator emocionou na reta final, quando Mamede começou a sofrer as consequências do Mal de Alzheimer. Um soco no estômago de qualquer um durante um período tão turbulento. O mundo das artes cênicas, já bastante ferido pela crise atual, sofre um novo baque. O intérprete era um dos mais respeitados e queridos do meio.

Voltando a falar de Órfãos da Terra, tinha tudo para ser um novelão de primeira qualidade e a melhor produção das escritoras, com chances reais de superar até a aclamada Cordel Encantado (2011). Mas, infelizmente, o enredo morreu em um mês.

A agilidade das primeiras semanas que empolgou o público parecia uma coragem de Duca e Thelma. Afinal, queimaram muitas cartas em pouco tempo e a atitude era a prova de que teriam muitas outras reservadas para os futuros meses. O problema é que não tinham. Simplesmente mataram os dois personagens mais atrativos da novela e esqueceram de criar novas situações tão convidativas quanto. Para culminar, ainda se perderam na condução do que tinha funcionado e expuseram uma completa ausência de história.

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O assassinato de Soraia não teve reflexo algum para o andamento do roteiro. O crime cometido pelo maior vilão da novela serviria apenas para expor as complexidades da arrogante Dalila. Afinal, a vilã sempre amou a mãe e jamais perdoou o que seu pai fez com ela. A menina nunca se sujeitou aos costumes machistas de sua religião e se indignou com a atitude de Aziz, ainda que o sheik tenha sido amparado pela lei da lavagem da honra.

E o romance proibido de Soraia com Hussein (Bruno Cabrerizo) era lindo de se ver. Tinha tudo para ser o melhor casal da novela. Mas o contexto foi interrompido de forma gratuita. Afinal, a situação poderia render uma boa rivalidade entre pai e filha. A vilã se vingando do próprio pai de forma sutil, destruindo seus negócios, por exemplo. As autoras, todavia, preferiram apenas transferir a função de um para o outro. Isso porque logo depois mataram Aziz e criaram uma vingança estapafúrdia de Dalila. A menina estava com ódio do progenitor, mas surtou com a sua morte e quis destruir os responsáveis pelo crime.

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A filha do vilão não teve a mesma força cênica do pai, ainda que Alice tenha brilhado ao longo da novela. As motivações se mostraram ridículas e a passagem de tempo apenas deixou o conjunto ainda mais raso. Dalila demorou três longos anos para criar um plano de vingança sem o menor sentido. Destruiu todas as pessoas que cercavam Laila e Jamil, mas os seus alvos sempre ficavam para depois.

O erro em ter juntado os mocinhos logo no começo foi mais um para entrar na lista de problemas de Órfãos da Terra. Julia e Renato têm química e Velho Chico (2015), onde viveram Camila Pitanga e Domingos Montagner mais jovens, provou a sintonia dos atores. Porém, Jamil e Laila viraram dois idiotas sem relevância. Se casaram e tiveram um filho em menos de dois meses de novela. Pronto, não tiveram mais conflito ou drama algum. Os poucos criados pelas autoras apenas aumentaram o ranço pelo casal, vide a cegueira do mocinho diante das maldades de Dalila e a desconfiança gratuita da mocinha a respeito de qualquer suspeita que caía em cima da índole de seu marido. Não por acaso se transformaram em dois coadjuvantes. Se desaparecessem, ninguém notaria.

Para mim, Órfãos da Terra, que acabou conquistando o prêmio Emmy Internacional de Melhor Novela de 2019, foi uma grande decepção. O clima de superprodução das chamadas prometeram muito e o primeiro mês de exibição fez por merecer a avalanche de elogios. Mas o massacre da crítica especializada e a falta de repercussão do enredo, mesmo com a elevada audiência, fizeram jus ao que virou a novela de Duca Rachid e Thelma Guedes. Foi a pior produção da dupla, tendo superado até mesmo Joia Rara, folhetim fracassado exibido em 2013.

Não havia história suficiente para 160 capítulos. Uns 30 no máximo. O conteúdo durou apenas um mês. Infelizmente, nem a presença de Aziz salvaria o enredo. Talvez amenizasse, apenas. Também não funcionou para a abordagem do famigerado quem matou, pois seu assassinato foi ignorado ao longo dos meses e lembrado apenas na reta final. A repercussão praticamente nula do folhetim se contrapôs com a alta audiência, mas a ausência de dramas atrativos explica o fato. E o tom de indignação é porque tinha tudo para ter sido o melhor produto das autoras. Mas foi tarde e sem deixar saudades.

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