Quase sete décadas após o surgimento da televisão no Brasil, ocorrido em 1950, ainda faltava um livro denso sobre o veículo. A bibliografia existente estava dispersa em livros que vão do memorialismo às fofocas. Biografia da Televisão Brasileira, escrito pelo jornalistas Flávio Ricco e José Armando Vanucci, chegou com uma proposta ousada: ser a obra definitiva sobre o assunto.

Escrever sobre a história da televisão brasileira não é simples: muito do que foi feito se perdeu entre incêndios, massas falidas e o desinteresse das emissoras em preservar sua própria história. Da primeira transmissão da TV Tupi e dos primeiros anos de televisão, por exemplo, restaram apenas as memórias dos pioneiros.

Os autores estruturaram o livro a partir de depoimentos de profissionais e estudiosos. Porém, deixaram de lado a abordagem teórica sobre o veículo, alvo de críticas ainda hoje por parte da Academia. Acredito que a obra fica mais pobre nesse sentido, recaindo vez por outra em causos – gostosos de ler, mas pouco relevantes para um livro definitivo.

Antes de ler o livro, fiquei receoso de que os autores esquecessem de falar das emissoras regionais, já que o noticiário televisivo está concentrado no eixo Rio-São Paulo. No entanto, fiquei surpreso – e feliz – com a abrangência nacional que Ricco e Vanucci deram, dedicando um capítulo especial às televisões locais.

É difícil citar o ponto mais alto de uma obra com dois volumes e mais de 900 páginas. Lembro de dois momentos: as reproduções de dois memorandos de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, no tempo em que era vice-presidente de operações da Rede Globo. São aulas de como fazer televisão. Para se esquivar de uma possível entrevista, Silvio Santos novamente citou a história da suposta vidente que teria previsto a morte imediata do animador após qualquer entrevista que desse. A reprodução da resposta aos autores é a cara do dono do SBT.

Chama a atenção o grande espaço dado às telenovelas, mas, Ricco e Vanucci não se concentraram apenas nas produções da Globo. Falaram de todas as emissoras. Porém, ao mesmo tempo em que se esmiuçou exaustivamente os bastidores da teledramaturgia nacional, já registrados em outros livros específicos sobre novelas, faltou explicar melhor o fim de emissoras como Tupi e Manchete, marcados por greves e salários atrasados.

Essa inconstância atrapalhou um pouco a leitura. A emissora de Adolpho Bloch, por exemplo, ganhou apenas um capítulo curto e apressado. Muito pouco para os seus 16 anos muito ativos de existência. Assim como o Maurício Stycer, também gostaria de ter lido mais sobre a Record da fase Edir Macedo – até porque Ricco trabalhava na emissora quando a Igreja Universal comprou a Record, no fim de 1989. A meteórica ascensão e queda da Rede OM, em 1992, foi outro episódio que fez falta. Por outro lado, o começo da MTV Brasil e da Rede TV! foi relembrado com detalhes.

O ponto negativo do livro é a edição. Para uma uma obra que custava quase R$ 100 em seu lançamento, alguns deslizes cometidos pela Matrix Editora desprestigiaram o rico trabalho dos autores. Um livro com tantas citações e referências precisava de um índice onomástico. Há problemas de revisão também, com erros de grafia e repetições desnecessárias. Faltou um prefácio ou texto de apresentação. A capa, criada pelo designer Hans Donner, dá uma cara excessivamente global ao projeto: fiquei com a sensação de que era mais um livro do projeto Memória Globo.

Com vários méritos, “Biografia da Televisão Brasileira” já entrou para o hall das obras elementares sobre a nossa TV. A pesquisa de Ricco e Vanucci, extensa e exaustiva, reuniu e registrou informações que estavam espalhadas em diversos locais. Demorou, mas a televisão brasileira agora tem um livro definitivo.

“Biografia da Televisão Brasileira”
Flávio Ricco e José Armando Vanucci
Matrix Editora, 928 pág.
R$ 99,90


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