O Outro Lado do Paraíso não fez por merecer sua generosa audiência

12/05/2018 às 10h00

Por: Thallys Bruno
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Walcyr Carrasco recebeu a missão de voltar ao horário das nove e suceder a aclamada e elogiada A Força do Querer (2017), de Glória Perez, que elevou a audiência da faixa em nove pontos. O Outro Lado do Paraíso, finalizada nesta sexta-feira (11), encerrou-se acumulando 38 pontos, dois a mais que sua antecessora, tornando-se assim a maior audiência das 21h desde Avenida Brasil (2012). No entanto, diferentemente destas, Outro Lado passou muito longe de uma unanimidade, apresentando inúmeras falhas e erros na condução de seu enredo.

Ambientada no Tocantins, a novela mostrou a saga de Clara (Bianca Bin), que se encantou pelo médico Renato, mas acabou se casando com o mauricinho Gael (Sérgio Guizé), filho da ardilosa Sophia (Marieta Severo). Clara passou a sofrer constantes agressões de seu marido, enquanto era alvo da cobiça da sogra porque a região onde morava, no Jalapão, abrigava uma valiosa mina de esmeraldas.

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Internada à força por Sophia, Clara engendrou sua vingança disposta a destruir os responsáveis por sua tragédia: o psiquiatra Samuel (Eriberto Leão), que escondia sua homossexualidade; o delegado Vinícius (Flávio Tolezani), que abusava da enteada Laura (Bella Piero) desde criança; e o corrupto juiz Gustavo (Luís Melo). Ainda descobriu ser filha de Elizabeth (Glória Pires), uma mulher carioca que foi afastada de seu amado Henrique (Emílio de Mello) por uma armação do sogro Natanael (Juca de Oliveira).

O primeiro mês sugeria uma aura pesada e de suspense, desagradando parte do público ávida por mais leveza e humor. A trama ganhou mais dinâmica a partir do momento em que Clara fugiu da clínica onde estava, aumentando a audiência em nove pontos entre uma semana e outra. O esperado auge se deu quando a mocinha surpreendeu a todos ao voltar milionária, herdando quadros de Beatriz (Nathalia Timberg), uma senhora misteriosa que conheceu no hospício.

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A frase “vocês não imaginam o prazer que é estar de volta”, dita por Clara em sua volta triunfal, fez grande sucesso e foi utilizada até mesmo pela 18ª edição do Big Brother Brasil, durante o falso paredão da acreana Gleici, campeã da temporada. No entanto, a novela conseguiu a proeza de descambar para uma série de absurdos e situações estapafúrdias de roteiro, atropelando a coerência em nome da audiência. Todos os núcleos, sem exceção, foram afetados.

Temas como homossexualidade, violência contra a mulher, machismo e racismo foram abordados de forma irresponsável e caricata, com resultados dramatúrgicos duvidosos. O caso mais grave se deu nos núcleos de Samuel, insinuando a retrógrada ideia da “cura gay” e formando um constrangedor esquete envolvendo o amante Cido (Rafael Zulu), a esposa Suzy (Ellen Rocche) e a mãe Adineia (Ellen Rocche); e do salão de Nick (Fábio Lago), repleto de personagens afetados, estereotipados e sem graça.

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O bordel de Pedra Santa, onde viviam os garimpeiros da mina, reforçava a mensagem de que as prostitutas só conseguiriam atingir a felicidade se casassem com homens ricos e bonitos. No tocante à violência contra a mulher, Gael chegou a ser preso e agredido na cadeia, mas em nenhum momento demonstrou se arrepender dos seus atos. O racismo, representado por Nádia (Eliane Giardini) e pela juíza Raquel (Erika Januza), não recebeu o tratamento devido e foi resolvido do nada, através de um neto negro, dado por Diego (Arthur Aguiar), filho da dondoca.

Outra promessa falida foi a abordagem do nanismo através de Estela (Juliana Caldas), filha mais nova de Sophia, rejeitada pela mãe por sua condição. Ao invés de explorar os problemas comuns às pessoas de baixa estatura, o autor preferiu jogá-la em um triângulo amoroso com o lapidador Juvenal (Anderson di Rizzi) e o golpista Amaro (Pedro Carvalho) – este foi redimido e conquistou o coração da personagem, enquanto o primeiro se envolveu com a prostituta Desirée (Priscila Assum).

Os conflitos internos da família de Sophia também não disseram a que vieram: a filha Lívia, uma jovem rebelde e ninfomaníaca, virou praticamente uma mocinha sofredora e cansativa, disputando com a mãe o coração do garimpeiro Mariano (Juliano Cazarré). Sophia, vendo o cerco se fechar, teve segredos revelados e passou a cometer assassinatos de uma forma peculiar, matando suas vítimas a golpes de tesoura.

E a condução dos principais casais da trama foi mais um grave defeito. Bruno (Caio Paduan) e Raquel (Januza) chegaram a encantar no começo, mas a passividade de Bruno diante das armações de Nádia (a ponto de cair duas vezes no mesmo golpe) cansou. Clara e o advogado Patrick (Thiago Fragoso), sobrinho de Beatriz, encantaram pela química e cumplicidade, mas a história do casal se arrastou demais e a mocinha chegou a ensaiar uma falsa reaproximação com Gael, o homem que a agrediu.

Inúmeros talentos foram desperdiçados, como Juca de Oliveira, Glória Pires, Grazi Massafera, Tainá Muller, Julia Dalavia, Emílio de Mello, Zezé Motta, Erika Januza, Alejandro Claveaux, Marcelo Novaes e Fábio Lago. Outros tiveram grandes momentos iniciais, mas sofreram brusca queda de rendimento, como Bianca Bin (que deu show até a volta triunfal de Clara, mas perdeu força depois, em uma atuação apenas correta), Sérgio Guizé (bastante apático como Gael), Caio Paduan (prejudicado pela passividade do personagem Bruno), Vitor Figueiredo, Rafael Cardoso e Juliana Caldas. E não faltaram atuações fracas, como as de Eriberto Leão, Arthur Aguiar, Pedro Carvalho, Juliano Cazarré, Felipe Titto, Andy Gerker, Carlos Bonow, Patrícia Elizardo, Priscila Assum e Bruno Montaleone.

Ainda assim, nem só de falhas viveu O Outro Lado do Paraíso. Um dos maiores acertos foi a abordagem da pedofilia, apesar da controvérsia do uso de técnicas de coaching. Bella Piero e Sandra Corveloni (Lorena, mãe de Laura) emocionaram ao retratar os horrores sofridos pela garota na mão do delegado. Fernanda Montenegro e Lima Duarte, na pele da vidente Mercedes e do pai de Clara, Josafá, formaram um excelente casal maduro (notória habilidade de Walcyr) e emocionaram. Mayana Neiva esteve ótima como a prostituta Leandra; Thiago Fragoso agradou vivendo o mocinho Patrick e Fernanda Rodrigues esbanjou versatilidade através da arrogante Fabiana, neta de Beatriz. Ana Lucia Torre e Ellen Rocche, por sua vez, tiraram leite de pedra e também merecem elogios por suas interpretações, bem como Eliane Giardini, excelente na pele da racista Nádia.

E um elogio especial deve ser feito para Marieta Severo e Laura Cardoso. A primeira, novamente atuando com Walcyr Carrasco após o sucesso de sua Fanny em Verdades Secretas (2015), foi merecidamente o maior nome da novela, brilhando em todas as maldades da vilã, que ganhou o apelido de “Sophia Mãos de Tesoura”. Laura Cardoso, por sua vez, quase saiu após o fim da primeira fase, mas pediu para continuar. Felizmente, o autor atendeu ao pedido da veterana, que mostrou uma invejável vitalidade, divertindo-se muito com sua personagem e formando uma ótima dobradinha com Mayana Neiva.

Ironicamente, mesmo com tantos erros, O Outro Lado do Paraíso conseguiu manter a alta do horário das nove e elevou em dois pontos os índices de A Força do Querer, finalizando com uma média de 38 pontos e tornando-se assim a maior audiência do horário das 21h desde Avenida Brasil.

Grande parte deste sucesso se deve ao forte poder mobilizador de Walcyr, que prende seu público como poucos e entrega os elementos básicos do horário, mesmo que em algumas obras sacrifique a coerência e qualidade de seu roteiro. Vale lembrar ainda que o autor faria uma pausa maior após o fim de Êta Mundo Bom (2016), mas foi chamado às pressas após o cancelamento de O Homem Errado, projeto de Duca Rachid e Thelma Guedes para a faixa.

Ainda assim, O Outro Lado do Paraíso pode ser facilmente considerada a pior novela da carreira de Walcyr e não fez por merecer seus generosos índices, comprovando a velha máxima de que audiência e qualidade nem sempre andam juntas. Com temas mal conduzidos, repetições de situações, personagens em maioria sem profundidade e nuances e desperdício de atores, a novela evidenciou a necessidade do autor de espaçar mais suas participações (o que é improvável) e se reinventar dramaturgicamente, como fez na excelente Verdades Secretas. Ao contrário de A Força do Querer ou Avenida Brasil, a atual trama dificilmente deixará saudades. Que venha Segundo Sol!


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