Qualidades de Desalma não disfarçam o desacerto entre roteiro e direção

04/11/2020 às 21h04

Por: Nilson Xavier
Imagem PreCarregada

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Com Desalma (série disponível no Globoplay desde 22/10), a Globo tenta emplacar uma série de terror com toda a expertise adquirida em décadas de produção de melodramas. Particularmente, prefiro a classificação dada por sua idealizadora, Ana Paula Maia: drama sobrenatural, em que bruxas povoam o imaginário de uma comunidade de origem ucraniana no sul do Brasil. O roteiro é de Ana Paula Maia e a direção artística é de Carlos Manga Jr.


REPRODUÇÃO

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Série foi apresentada na CCXP há um ano

Concebida para três temporadas de dez episódios cada, Ana Paula Maia explicou quando a série foi apresentada na CCXP (Comic Com Experience) em São Paulo, em dezembro de 2019: ”A estrutura da narrativa foi pensada para três temporadas. (…) A história está toda alinhada, encadeada, em um arco de três temporadas em que o núcleo principal permanece.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE


LEIA TAMBÉM:

Sobre o que esperar da série, sua criadora respondeu: “Vamos ver em Desalma um terror sugerido. (…) Não há o terror gratuito, derramamento de sangue, cenas grotescas, demônios. Não há cenas de violência explícita, apenas alguma coisa sugerida, com muita sutileza, muito pontual e necessária. Temos o estranhamento, o público não sabe exatamente o que está acontecendo e a cada episódio surge algo que o desconstrói.

Ao ser questionado sobre as referências para a direção, Carlos Manga Jr. citou o filme Os Outros (2001, de Alejandro Amenábar), a série alemã Dark (da Netflix) e o cineasta sueco Ingmar Bergman (1918-2007): “A ambientação de Os Outros e a atmosfera de Dark, que geram um estado angustiante o tempo todo. (…) Bergman, traz essa coisa do leste europeu, existencialista.”

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE


ESTEVAM AVELLAR/GLOBO

Cláudia Abreu, uma das estrelas do elenco (juntamente com Cássia Kiss e Maria Ribeiro), deu a dica sobre a interpretação proposta em Desalma: “É um tom de interpretação diferente, que foge do naturalismo, não muito comum na TV, nem no teatro. Todos os atores foram preparados para esse mesmo tom, mais contido, falando mais grave.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE


Isto posto, e com a série vista, destaco que Desalma é de encher os olhos.

Qualidades

Você vai amar toda a estética, ambientação, fotografia, direção de arte, cenários… Os cenários são maravilhosos, tanto as locações naturais no sul do Brasil quanto os interiores das casas (reais ou reproduzidos nos Estúdios Globo). A floresta de pinhos, lagos, rios, cachoeiras e as casas velhas de madeira são deslumbrantes!

Não seria exagero dizer que Desalma já vale a audiência pelos aspectos artísticos e técnicos. É um produto de acabamento finíssimo.


ESTEVAM AVELLAR/GLOBO

Eu fiquei preso na trama, reconheço. Queria saber o desfecho do mistério. É um suspense bem conduzido até. Há cliffhangers, plot twists, easter eggs, esses inglesismos todos. Achei que demorou para engrenar (no início, climão demais para pouca história), mas ok, N séries prolongam a trama a fim de justificar a quantidade de episódios.

A narrativa mantem um clima permanente de suspense e tensão (o que é ótimo para o que a série se propõe), potencializada pela trilha sonora – às vezes, com músicas incidentais um tanto exageradas, que lembram paródias de filmes de terror.

Todas as referências e clichês de filmes e séries estrangeiras do gênero estão em Desalma e isso nunca é proibido – a não ser quando entra gratuitamente, sem contexto, como na cena da menina em frente à televisão (“Vá para a luz, Carolaine!“).

Contudo, sabemos que qualquer produto audiovisual não pode se ancorar apenas em seus dotes técnicos e artísticos.

Pontos negativos

Logo no início, o telespectador se depara com os dois maiores problemas de Desalma: a direção de atores e o roteiro. Para a interpretação de seu elenco, o diretor Carlos Manga Jr. optou por usar um tom não naturalista. Como a trama parte da premissa de que os personagens escondem mistérios, os atores parecem sempre retraídos e não interpretam de forma fluida, orgânica.

Funciona com os atores veteranos. Porém, os mais jovens não dão conta. Um ou outro tem bons momentos, como o jovem ator que vive Aleksey Skavronski, um dos papeis principais: Nicolas Fernando tem cenas difíceis e entrega muito bem.

Outra questão que derruba a técnica do diretor é o roteiro, principalmente em alguns momentos na condução da trama e no texto que Ana Paula Maia põe na boca dos personagens. Nem os atores mais experientes escapam do overacting ou das frases de efeito bombásticas ditas fora de hora.


ESTEVAM AVELLAR/GLOBO

Claudia Abreu é ótima, mas teve que resvalar no exagero algumas vezes. Ainda: há diálogos que nos fazem dar aquele tapa na testa… Alguém contou quantas vezes os personagens falam “festa de Ivana Kupala” nos episódios 8 e 9?

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE


Claro que não se espera muita coerência da fantasia sobrenatural. Porém, para valer o roteiro, a personagem de Maria Ribeiro deixou de ser cética rápido demais. Faltou uma melhor dosagem no seguimento da ação, já que, lá no início, a trama demorou para começar de fato.

E Cássia Kiss? A caracterização da atriz é o grande chamariz de Desalma. Sim, sua personagem Haia é uma bruxa, mas não dessas que saem voando em vassoura ou soltam gargalhadas histéricas. Cassia segue a interpretação monocórdia. Mas… a expectativa era que uma atriz de sua envergadura fosse melhor aproveitada. Por vezes, Cassia Kiss parece uma estátua de cera e só.

Autor(a):

Utilizamos cookies como explicado em nossa Política de Privacidade, ao continuar em nosso site você aceita tais condições.