Nesta segunda (01), após quase um ano, tivemos o retorno de Amor de Mãe. Ainda não é a volta dos capítulos inéditos, mas a Globo está exibindo um resumo e preparando terreno para exibir o desfecho da trama.

No entanto, antes disso acontecer, gostaria de abordar um tema que abrange o que foi exibido na trama até a parada forçada.

A crítica especializada colocou Amor de Mãe em um pedestal. É uma obra-prima da teledramaturgia, uma novela revolucionária e sem qualquer defeito. Não há problemas no desenvolvimento, clichês inexistem, todos os personagens são ótimos, o elenco inteiro é valorizado, enfim.

Também ficou comum a narrativa para justificar a audiência aquém do esperado: o grande público não sabe apreciar uma novela que faz pensar e foge dos enredos escapistas. Ou seja, em outras palavras, classifica o telespectador como burro.

Mas não se preocupe, caro leitor, não é bem assim que a ‘banda toca’.

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A história de Manuela Dias, que estreia como novelista em pleno horário nobre da Globo, tem qualidades? Com toda certeza. O folhetim teve um início maravilhoso e mereceu a avalanche de elogios. A trama de Lurdes (Regina Casé em estado de graça) é a melhor com larga vantagem e move o roteiro. A complexidade de Vitória (Taís Araújo) também atrai, assim como a redenção de Sandro (Humberto Carrão) e a trajetória linda de Camila (Jéssica Ellen) —- incluindo seu romance com Danilo (Chay Suede). É um folhetim bem produzido e com boas atuações. Todavia, o conjunto está longe de ser excelente e há muitos problemas visíveis.

José Luiz Villamarim é um dos melhores diretores da Globo, mas estava tratando Amor de Mãe como uma série das 23h e não uma novela. É preciso inovar e sair do mais do mesmo? Sem dúvida. Todavia, o filtro escuro e amarelado promove um certo desgaste em quem está assistindo. Há uma sensação de poluição visual. E sua ousadia de exibir vários atores que fazem pequenas participações de costas ou mostrando raramente o rosto incomodou.

Além de ser algo frustrante para os intérpretes. É importante ver a expressão do ator. Isso também ocorre em algumas sequências até com os atores fixos. Com o intuito de promover uma impressão de ‘realidade nua e crua’, muitas vezes o telespectador vê apenas a expressão de um ator diante de algum embate ou situação de emoção. Outro erro é a ausência de ‘pausas’ na hora dos ganchos ou intervalos. Parece que a cena é cortada do nada. Ao menos a questão dos atores de costas foi corrigida por intervenções da Globo.

Várias tramas não empolgaram e existiam muitos personagens sem carisma que não despertam qualquer interesse. O núcleo focado no meio ambiente, por exemplo, é um dos casos mais explícitos. Todos os ativistas são mostrados como egoístas e mimados, reforçando a narrativa de empresários que não se preocupam com o planeta.

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Amanda (ótima Camila Márdila) tem como mote a vingança contra o malvado Álvaro (Irandhir Santos) porque seu pai acabou infectado pela substância que a empresa do vilão produz, fruto da época em que trabalhava na PWA. Porém, a menina é insuportável, radical e não se importa com mais ninguém. Vinicius (Antônio Benício) demorou a entrar no enredo e quando chegou já se voltou contra o pai, Raul (Murilo Benício), e estabeleceu um caso com a colega ativista.

Mimado, o garoto achou um absurdo o pai compactuar com Álvaro, mas sempre aproveitou muito bem as regalias que teve. Para culminar, acabou assassinado poucas semanas depois. Nem função teve. E Amanda também morreu sem ter realizado vingança alguma. Já Davi (Vladimir Brichta subaproveitado) era para ser um ativista mais centrado e responsável, mas abandonou a filha recém-nascida para se intoxicar em uma área poluída pela PWA com o intuito de “denunciar” a fábrica. Ainda se envolveu com Betina (Isis Valverde) em um romance aleatório e que nada alterou o roteiro.

Aliás, a trama da enfermeira era uma das mais promissoras e virou a mais decepcionante. A questão da violência doméstica promovia grandes cenas para Isis brilhar e a personagem era uma das mais dramáticas do enredo. Um sopro na carreira da atriz, tão estigmatizada por perfis mais sensuais ou debochados. Mas a autora assassinou Vicente (Rodrigo Garcia) logo no início e a personagem perdeu a importância. Começou a protagonizar cenas repetitivas de sexo com Magno (Juliano Cazarré) e o casal nunca teve química.

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Entrou em cena, então, Leila (Arieta Correa), ex do filho mais velho de Lurdes que estava em coma e era cuidada pela enfermeira. A vilã se mudou para casa do pai de sua filha e fez da vida do casal um inferno até conseguir separá-los através de uma denúncia anônima —- a personagem descobriu que Magno tinha matado acidentalmente o irmão de Betina. Novamente o perfil de Isis acabou deslocado até se envolver com Davi. Em uma nova tentativa de virada, Manuela expôs que Betina é irmã de Álvaro porque sua mãe era babá do empresário. Ele tentou matá-la para não dividir os bens e a irmã vai se vingar. Essa questão abriu o debate para outra controvérsia do roteiro: a ligação entre todos os personagens.

Todo folhetim abusa das coincidências que resultam em clichês. Inevitável e comum. A autora soube fazer isso com brilhantismo na série Justiça, de 2015. Mas ligar uns 15 personagens em uma série de 20 capítulos é uma coisa, ligar mais de 40 perfis em uma novela é outra.

No início, as ligações empolgavam e provocavam várias teorias em quem assistia. Mas virou uma bobagem. Todo mundo tem alguma ligação afetiva ou sanguínea e todos vivem próximos. Se ao menos essa preocupação da escritora servisse para valorizar todo o elenco ainda valia uma ressalva, mas nem é o caso. São vários profissionais que mal apareceram ou tiveram seus conflitos esquecidos.

Érika Januza ganhou um papel ingrato, após seu ótimo desempenho como a juíza Raquel em O Outro Lado do Paraíso (2017). Marina é uma tenista que teve um sério problema no joelho, abandonou a carreira para ficar com o amor de sua vida e acabou traída assim que Ryan (Thiago Martins) conquistou a fama. A mulher se resume em dar ataques histéricos de ciúmes. Por falar em histeria, Letícia Lima protagonizou as mesmas cenas desde novembro: Estela é uma neurótica que se apossa de todo homem com quem se envolve e transforma a vida da pessoa em um inferno. Fez com Raul e depois com Álvaro. Sua função é essa.

E o que dizer de Clara Galinari, uma das gratas revelações de Espelho da Vida (2019)? Brenda mal abria a boca ou aparecia. A menina foi apresentada inicialmente com uma saúde frágil, mas ao longo dos meses nada mais foi falado e a criança praticamente desapareceu.

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O núcleo protagonizado por Milhem Cortaz e Débora Lamm era outro desperdício. O casal perfeito que entra em crise e se separa nunca rendeu cenas atrativas e quando o tema “vale-night” entrou em discussão tudo naufragou de vez. Malu Galli é uma atriz extraordinária e deu show no início da novela e nas cenas da morte do filho Vinícius, porém, Lídia perdeu a relevância quando começou um caso com Tales (Alejandro Claveaux).

Ainda sobre o desperdício de atores, vários acabam descartados, vide Wesley (Dan Ferreira). O único policial honesto da novela estava crescendo com a investigação sobre o verdadeiro assassino do irmão de Betina, mas acabou morto por Belizário (Tuca Andrada). E nem tinha descoberto nada. Sua morte também não provocou virada alguma no roteiro. Até Nanda Costa, muito bem na pele de Érica, perdeu o destaque. A filha mais marrenta de Lurdes era um dos pontos altos da novela, mas seu relacionamento com Raul estagnou e não havia mais conflito. Nem mesmo quando terminaram houve uma nova guinada na vida da cabeleireira.

A impressão é que a novela vem contando várias histórias que perdem o fôlego no meio do caminho, tendo como único trunfo a trajetória de Lurdes. Porque a mais carismática e querida personagem da trama é a única que tem uma saga sendo exposta.

A derrocada de Vitória (Taís Araújo) foi outro ponto de difícil aceitação. A controvérsia envolvendo a caminhada de Vitória sempre atraiu. Afinal, era uma mulher íntegra que ganhava a vida defendendo um criminoso. O seu rompimento com Álvaro foi um esperado momento, mas não fez sentido ficar pobre por conta da milionária multa contratual. O único bem que a mulher adquiriu em toda a carreira foi um apartamento de luxo na zona sul do Rio de Janeiro? E precisou se mudar para São Cristóvão e andar de ônibus? Parece que vida simples e humildade são requisitos vitais para ser íntegro na história, pois Raul tem seus momentos nada louváveis – vide a demissão da empregada para acabar com a amizade de sua então namorada. Se é rico, já não presta muito.

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Mais um ponto que merece citação é a propaganda enganosa. Autora e diretor deram várias entrevistas antes da estreia garantindo que a novela não teria vilões. A vida seria a vilã, o que aconteceu claramente em Éramos Seis, por exemplo. Porém, isso nunca existiu, com personagens como Álvaro e, posteriormente, Thelma (Adriana Esteves) assumindo esses papeis.

Amor de Mãe não é uma novela ruim, ainda mais sendo a primeira novela da Manuela Dias. É um produto honesto. Entretanto, fica visível a intenção de apresentar um mais do mesmo com um verniz para parecer algo ‘cult’. O festival de elogios da crítica não é por acaso. Tudo que é apresentando com uma espécie de disfarce mais refinado ganha um olhar benevolente de parte dos jornalistas ou especialistas.

E você, caro leitor, não precisa ter vergonha de admitir que acha a trama cansativa, chata ou desinteressante. Isso não transforma ninguém em intelectualmente inferior. A história, como ficou bem detalhada neste texto, realmente tem problemas evidentes e nada tem a ver com ausência de núcleo cômico.

Fique tranquilo: você não é ignorante por não gostar.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor