Não há comparação: Haja Coração e Sassaricando são novelas de épocas e propostas diferentes
12/10/2020 às 5h20
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Nesta segunda (12), a Globo estreia a “edição especial” de Haja Coração, de Daniel Ortiz (de 2016), no momento em que o canal Viva reprisa a novela que a originou, Sassaricando, de Silvio de Abreu (de 1987-1988). Comparações são sempre inevitáveis, mas vale ressaltar que Haja Coração nem é exatamente um remake, mas uma releitura de Sassaricando.
Daniel Ortiz destacou na época do lançamento de sua novela: “Estou criando uma nova versão para uma de minhas novelas favoritas (…) embora alguns personagens mantenham os nomes, interagem com outros novos e enfrentam os dilemas dos dias de hoje, o que nos permite contar a história de uma nova forma”.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Digo mais: suas propostas são bem diferentes. A trama de Silvio de Abreu estava calcada no estilo que o autor solidificou no horário das sete da Globo na década de 1980: a comédia rasgada, pastelão, com direção dinâmica, repleta de alusões cinematográficas e do universo pop. Por causa das referências no texto, pode-se até afirmar que Sassaricando era uma “novela cabeça”, ainda que embasada no folhetim e privilegiando o humor e personagens caricatos.
LEIA TAMBÉM:
● Não merecia: rumo de personagem desrespeita atriz de Mania de Você
● Sucesso da reprise de Alma Gêmea mostra que Globo não aprendeu a lição
● Reviravolta: Globo muda rumo da maior tradição do Natal brasileiro
Haja Coração segue uma linha moderna de novela mais preocupada em conquistar a audiência fácil, fórmula de Fina Estampa e de toda a obra de Walcyr Carrasco. É uma trama que pisa fundo no maniqueísmo, sem cerimônia ou sutileza, com humor que beira o infantilóide, direcionada ao público do sofá que não quer pensar muito, ou ligar lá com cré.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Não se trata de ser melhor ou pior, é apenas uma questão de estilo. A TV vive um outro momento, mais conservador, em que o texto mastigado e sem conexão com a realidade agrada mais o telespectador médio cansado da vida dura. Nada de entrelinhas, referências, tramas muito elaboradas ou realismo.
Com direção pouco inventiva e texto mastigado, o elenco faz o que pode. Mariana Ximenes e Tatá Werneck são ótimas, mas suas Tancinha e Fedora não têm a força das personagens vividas por Cláudia Raia e Cristina Pereira em 1987. Isso fica evidente agora, com a reprise de Sassaricando.
Claudia Raia estava muito tons acima, mas o exagero combinava com a figura espalhafatosa da personagem. Mariana Ximenes pega mais leve, mas sua Tancinha parece uma boneca Barbie. Já Tatá, ao afastar-se da interpretação de Cristina Pereira, parece viver outra Fedora. O bom é que as atrizes criaram tipos diferentes, em vez de seguir a armadilha da imitação.
Os personagens principais de Sassaricando – Aparício, Rebeca, Penélope e Leonora -, carregam o peso de seus intérpretes, Paulo Autran, Tônia Carrero, Eva Wilma e Irene Ravache. Em Haja Coração, Alexandre Borges, Malu Mader, Carolina Ferraz e Ellen Roche nem se aproximam dos atores originais. Contudo, suas escalações e linhas de interpretação têm o propósito de tirar o protagonismo absoluto dos personagens, já que os protagonistas de Haja Coração são Tancinha, Apolo e Beto (que eram coadjuvantes em 1987).
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
De todo o elenco, a única que, pode-se afirmar, está em pé de igualdade com sua intérprete original é Grace Gianoukas, tão boa como a megera Teodora Abdalla quando foi Jandira Martini no passado. Na verdade, Haja Coração foi calculada para fugir o máximo de Sassaricando, mesmo usando tramas e perfis de personagens muito semelhantes.
Definitivamente – salvaguardadas as proporções de tempo – são obras muito distintas. As duas fizeram sucesso, cada qual em sua época. Entretanto, será preciso mais tempo para comprovar se Haja Coração entra para a história como Sassaricando.
SOBRE O AUTOR
Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira.
SOBRE A COLUNA
Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.