Um dos maiores desafios de Walcyr Carrasco, Jorge Fernando e equipe era a escalação do protagonista de “Êta Mundo Bom!”. Afinal, a novela conta a história de Candinho, personagem do clássico “Cândido, ou o otimismo”, do filósofo Voltaire, que ainda foi interpretado pelo grande e saudoso Mazzaropi na adaptação da sátira para o cinema em 1954. Era uma responsabilidade imensa a escolha do intérprete para o folhetim. Mas, desde o primeiro capítulo, ficou perceptível que a produção se saiu muito bem na escalação e a escolha foi certeira. Sérgio Guizé esteve impecável e a reprise no “Vale a Pena Ver de Novo” comprova.

O caipira ingênuo coube perfeitamente na figura do ator, que conseguiu incorporar o personagem de uma forma impressionante. O papel exige muitos riscos, pois qualquer deslize implica em uma caricatura desnecessária e prejudicial ao protagonista. A figura central da novela tem um peso ainda maior do que um perfil ‘normal’. Há sempre uma linha tênue a ser seguida e Sérgio conseguiu atingir o objetivo com louvor. Muitas vezes pareceu o Mazzaropi, até mesmo no jeito de andar e em alguns trejeitos, enquanto em outras imprimiu um tom particular para Candinho. Uma mistura mais do que bem-vinda.

O protagonista é o grande fio condutor da novela das seis e a representa tudo o que o enredo quer transmitir: o otimismo e a alegria de viver. Tendo como lema “Tudo o que acontece de ruim na vida da gente é para melhorar” —- frase dita várias vezes pelo professor Pancrácio (grande amigo e praticamente pai do rapaz) —-, Candinho nunca perdeu o encanto pela humanidade, mesmo tendo sido separado de sua mãe assim que nasceu e virado um mero empregado rejeitado na família que o adotou. Um perfil que tinha grandes chances de ficar cansativo ou até mesmo irritar pelo excesso de felicidade. Mas isso não aconteceu.

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A condução do personagem foi bem construída pelo autor e Sérgio dominou o papel por completo. Candinho segurou o desenvolvimento do enredo e a saga do caipira se mostrou muito convidativa. Logo na estreia, em 2016, o ator mostrou bom entrosamento com todo o elenco do núcleo da fazenda de Cunegundes (Elizabeth Savalla) e, assim que o personagem foi para a cidade, teve uma sintonia imediata com JP Rufino (Pirulito) —– repetindo a boa dupla formada em “Alto Astral” (novela das sete de Daniel Ortiz, exibida em 2015, onde Caíque e Azeitona tinham a capacidade de ver e falar com espíritos).

Não demorou muito para Candinho protagonizar divertidas cenas com seu parceiro, que passou a vender pipocas com ele pelas ruas. O menino conseguia ser mais maduro e esperto que o amigo extremamente ingênuo. O caipira também desenvolveu uma linda relação com Pancrácio que sempre se preocupou com ele e acabou ‘oficializando’ sua condição de pai ‘postiço’ do rapaz. As cenas de Sérgio com Marco Nanini eram repletas de ensinamentos sobre a vida através das frases filosóficas do professor que devorava livros e se disfarçava, pedindo dinheiro aos transeuntes para sobreviver. Os atores tiveram uma sintonia visível e as sequências deles eram sempre muito gostosas.

Já o romance do personagem com Filó (Débora Nascimento) foi um ponto fora da curva. O casal era bonito no início, mas a trama da ex-caipira não se mostrou nada atrativa e seu excesso de ingenuidade —- passou um longo tempo acreditando em tudo que Ernesto (Eriberto Leão) falava e estava sempre bancando a vítima, sem arcar com as consequências de seus atos —- cansou. Porém, o sentimento do rapaz pela amada emocionava, principalmente por causa da atuação do ator, que conseguia transmitir o que Candinho sentia pelo olhar. As cenas que ambos protagonizaram no momento do nascimento do filho do casal foram bastante sensíveis, conseguindo reverter um pouco esse quadro, valorizando o par.

E Sérgio Guizé ainda protagonizou a cena mais linda da novela ao lado da grande Eliane Giardini. O aguardado reencontro de mãe e filho foi emocionante e os dois deram um show de delicadeza. Após uma longa saga em busca de Anastácia, Candinho finalmente conseguiu realizar seu sonho e valeu a pena esperar por esse momento. A situação ainda marcou uma virada na vida do personagem, que passou a viver na mansão com a mãe, aproveitando todos os luxos que a riqueza podia oferecer. E apesar da nova condição financeira, o caipira manteve a essência, que sempre foi uma das maiores qualidades do protagonista e da composição primorosa do ator.

O personagem perto da reta final do enredo vive uma espécie de ‘volta às origens’. Isso porque Anastácia perdeu toda a sua fortuna em virtude de um golpe de Sandra (Flávia Alessandra) e todos passaram a morar na modesta casa de Pancrácio. O caipira ainda passou uns dias com Filó na fazenda de Cunegundes, relembrando o primeiro capítulo, quando o personagem vivia com a família da ‘Boca de Fogo’. Essa é a atual fase da reprise.

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O ator estreou na televisão fazendo uma participação breve em “Da Cor do Pecado” (2004) e fez figuração em “Caminho das Índias” (2009). Em 2011, ganhou um pouco mais de destaque vivendo o travesti Lorraine em “Tapas & Beijos”, mas a grande oportunidade de sua carreira se deu em 2012, na primorosa série “Sessão de Terapia”, onde viveu o problemático Breno, no canal a cabo GNT. Graças ao seu grande desempenho, ganhou o João Gibão no remake de “Saramandaia” (2013) e brilhou. Também convenceu interpretando o já citado mocinho Caíque em “Alto Astral” (2015), até chegar o caipira das seis em 2016.

Foi seu melhor momento da carreira e até hoje não ganhou outro papel tão grandioso quanto. Porém, sua parceria com Walcyr se firmou e desde então só tem participado de folhetins do autor. Guizé deu show na pele do violento Gael, em “O Outro Lado do Paraíso”, em 2017, e virou um dos queridinhos de “A Dona do Pedaço”, em 2019, com o carismático Chiclete, um matador de aluguem de bom coração. Sua química com Paolla Oliveira (Vivi Guedes) virou um dos trunfos da novela de sucesso.

Candinho é um protagonista carismático e foi interpretado por um entregue Sérgio Guizé. É bem difícil imaginar outra pessoa na pele desse personagem tão característico. Walcyr, Jorge Fernando e equipe foram muito felizes na escolha do ator, que honrou a confiança e fez jus ao protagonismo de “Êta Mundo Bom!”. Mazzaropi certamente ficou orgulhoso e o fenômeno de audiência na reexibição repete os elevados índices da trama na época que foi exibida na faixa das 18h. Merecido.

SOBRE O AUTOR

SÉRGIO SANTOS é apaixonado por televisão e está sempre de olho nos detalhes, como pode ser visto em seu blog. Contatos podem ser feitos pelo Twitter ou pelo Facebook.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor