Até quando? Globo volta a desrespeitar autora de novela cancelada
02/09/2023 às 16h55
Na última quarta-feira (30), saiu a notícia na coluna de Anna Luiza Santiago sobre o cancelamento de O País de Alice, nova novela das seis que estrearia em março de 2024. Escrita por Lícia Manzo e dirigida por Natalia Grimberg, seria a centésima trama das 18h da Globo. A produção já tinha sido aprovada e estava em processo de escalação de elenco.
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Agora, a empresa chamou Mário Teixeira, que escreveu Mar do Sertão no ano passado, para substituí-la. Um desrespeito com a autora, diretora e toda equipe. Porém, há um histórico de atitudes controversas da cúpula do canal com a escritora.
Desculpa pouco convincente
Lícia Manzo (Reprodução / Web)A justificativa para o fim de O País de Alice era a sinopse elitista e de pouco apelo popular. A protagonista, uma premiada violinista criada na Europa pela mãe brasileira, voltaria ao Brasil em busca de suas origens.
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No país, Alice conheceria João, estudante de música a quem se juntaria para formar uma orquestra. A mocinha também despertaria o interesse de um jovem e rico empresário que investiria no projeto. A ideia era escalar atores negros para o time central e apostar em novos talentos.
A história era elitista? Depende do ponto de vista. O grande público não pode gostar de música clássica? E se havia tamanha resistência da cúpula da Globo, por qual motivo aprovaram o enredo e só depois cancelaram, com todo o projeto em pleno andamento? Parece um boicote.
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Histórico de desrespeito da Globo
Infelizmente, a lamentável situação foi apenas mais uma sofrida por Lícia Manzo na emissora. Vale lembrar que a autora escrevia, em 2017, Jogo da Memória, um folhetim de 90 capítulos para a extinta faixa das 23h, reservada para as chamadas novelas das onze, iniciada com o remake de O Astro, em 2011, e encerrada com Onde Nascem os Fortes, em 2018.
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Em 2023, a Globo retoma a faixa com a reprise de Todas as Flores, mas é uma mera exceção. As novelas extras serão sempre destinadas ao Globoplay.
A trama da autora já estava toda pronta para ser gravada. Todos os capítulos finalizados e com a escalação prestes a iniciar. Mas Silvio de Abreu (foto acima), então responsável pelo setor de teledramaturgia, cancelou a obra alegando que os custos seriam muito altos para uma história relativamente curta.
Lícia até reduziu o enredo para 51 capítulos e assim transformá-lo em uma minissérie, mas também não foi adiante. A história abordaria uma relação incestuosa de uma mulher e seu irmão por parte de pai em três épocas distintas.
Globo contra Lícia Manzo
É importante ressaltar que ter projetos recusados pela emissora é algo natural e vários autores sofrem ou já sofreram do mesmo problema. Mas o episódio da Lícia é diferente porque são dois casos de cancelamento com tramas que foram aprovadas e estavam em produção.
E o que dizer sobre Um Lugar ao Sol? Outro profundo descaso da Globo com a autora e em vários aspectos. Após dois folhetins primorosos às 18h, a autora foi jogada aos leões do horário nobre e estrearia em 2019, mas a empresa antecipou Amor de Mãe, de Manuela Dias, e adiou a trama de Lícia. Até que veio a pandemia do coronavírus, o que interrompeu as gravações de todas as produções.
A novela precisou ser gravada com todos os protocolos sanitários possíveis em um momento de ligeira queda nos casos, já que nem havia vacina ainda. Ou seja, precisou ser encurtada e ficou com apenas 107 capítulos. Só estreou em novembro de 2021 e toda finalizada, sem qualquer chance de modificações diante da resposta do público. Ainda em época de fim de ano, onde a audiência costuma ser mais baixa, período que hoje a Globo não tolera mais para estreias.
Para culminar, a divulgação da novela foi péssima e só havia anúncio sobre o remake de Pantanal com mais de seis meses de antecedência. Nem parecia que Um Lugar ao Sol estava no ar. A autora pecou muito no último capítulo, onde eliminou todas as catarses aguardadas pelo público, mas no geral foi uma ótima história e repleta de personagens muito bem construídos, principalmente Bárbara (Alinne Moraes), Rebeca (Andrea Beltrão), Elenice (Ana Beatriz Nogueira) e Ravi (Juan Paiva).
É preciso citar ainda outro absurdo cometido pela cúpula, agora comandada por José Luiz Villamarim: resolveram estender a novela em quase duas semanas e acabaram dilacerando os ganchos dos capítulos. Os 107 capítulos viraram 119. Um total absurdo. O fracasso da produção foi muito mais culpa da Globo do que da autora.
Desrespeito com os autores
O Brasil sempre teve grandes autores de novelas. Tanto que o folhetim virou uma das grandes marcas do país, sendo referência em vários lugares do mundo. A Globo exporta produções com grande facilidade e as histórias já foram traduzidas em diversos idiomas.
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Uma das receitas do sucesso é a pluralidade dos escritores. Cada um tem características específicas, o que implica na identidade de sua obra. A emissora agora quer que todos os autores tenham a mesma identidade? Uma história de Lícia Manzo ou Manoel Carlos hoje em dia não pode mais? Elizabeth Jhin demitida por conta de suas tramas serem espíritas?
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Uma empresa do porte da Globo ficar dependendo apenas de Rosane Svartman e Walcyr Carrasco para emplacar sucessos de audiência e repercussão é preocupante. Porque os demais folhetins de outros escritores que realmente emplacaram nos últimos anos dá para contar nos dedos de uma mão. O festival de remakes de novela velha será a solução? Até quando? Por que Lícia é sempre tão boicotada? Nem para o Globoplay a escritora pode escrever mais?
Lícia Manzo é atriz, diretora, produtora e roteirista. Já colaborou em vários episódios do extinto Sai de Baixo (1996/2002) e escreveu, em parceria com colegas, uma temporada de Malhação (2003/2004) – justamente a de maior sucesso do seriado adolescente (conhecida como a fase da Vagabanda).
A autora estreou como titular na linda série Tudo Novo de Novo, em 2009, sendo supervisionada por Maria Adelaide Amaral, outra autora que nunca mais emplacou nada na líder. Em 2011, escreveu seu maior sucesso até hoje: A Vida da Gente – a terceira novela mais exportada da Globo -, e em 2013 emplacou Sete Vidas, outro folhetim impecável.
A profissional tem o texto mais elogiado da emissora até hoje. Diante de tudo o que já fez, merecia mais respeito e consideração. Que ao menos tenha a chance de apresentar outra sinopse para a faixa das seis ou até mesmo para o Globoplay. Afinal, do jeito que está, a covardia tem reinado no maior canal do país.