Preto e branco, rodízio de locutores e mais: como os brasileiros viram a Copa de 70, há 50 anos

09/06/2020 às 22h19

Por: Thell de Castro
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De 1938, na França, até 1966, na Inglaterra, os brasileiros só puderam acompanhar as partidas de Copa do Mundo ao vivo via rádio. O veículo programava grandes coberturas, principalmente a partir de 1958, mobilizava multidões e detinha as grandes estrelas da comunicação brasileira da época, como Pedro Luiz e Fiori Gigliotti.

Essa situação começou a mudar há exatamente 50 anos, em 1970, quando a Copa do México foi a primeira a ser transmitida ao vivo para praticamente todo o Brasil, via satélite: 54 milhões de brasileiros puderam acompanhar as partidas.

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Mas não pense que foi uma grandiosa cobertura, 24 horas por dia, como temos atualmente. Aliás, vale ressaltar, o Brasil recebeu as imagens em cores, mas a TV da época ainda era em preto e branco.

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Em 1968, a transmissão da Copa para o Brasil ainda não estava garantida. O governo alegava falta de dinheiro e precisava construir a estação captadora da imagem via satélite. Em 1969, foi inaugurada a grande antena em Itaboraí (RJ), ao custo, na época, de US$ 1,5 milhão.

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Aí começou outra parte complicada: a negociação dos direitos. Não era como atualmente, que a FIFA detém a transmissão e vende às emissoras interessadas. José Andrade de Almeida Castro, um dos pioneiros da TV brasileira, representando a TV Tupi, procurou o magnata Emilio Azcarraga, dono de três canais mexicanos (a futura Televisa) e detentor dos direitos da Copa para todo o mundo.

Tupi e Globo acertaram a transmissão do Mundial recebendo as imagens gratuitamente, com os anúncios inseridos diretamente do México pelos organizadores. Mas a proposta foi vetada pelo governo. Em nova rodada de negociações, Azcarraga pediu um valor muito elevado, impraticável pelas emissoras brasileiras. Na terceira tentativa, os direitos foram comprados e o Brasil pôde, enfim, acompanhar a Copa ao vivo pela TV.

No início de 1970, para custear as transmissões e estadias no México, os representantes das emissoras e das agências de publicidade correram atrás dos patrocinadores. A McCann Erickson fechou com a Esso e a Gillete. Já a Thompson trouxe a Souza Cruz.

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A transmissão foi feita no formato de pool, com TV Tupi, TV Globo e REI (Rede de Emissoras Independentes) recebendo o mesmo sinal e compartilhando os minutos das partidas diretamente do México entre seus narradores e comentaristas.

O que se viu na tela foi algo impensável nos dias de hoje: um trecho do jogo era transmitido por cada equipe. Nomes como Geraldo José de Almeida e João Saldanha, da TV Globo; Walter Abrahão, Geraldo Bretas ou Oduvaldo Cozzi, além de Rui Porto, da TV Tupi; e Fernando Solera e Leônidas da Silva, da REI, entre outros.

Apenas 11 jogos foram transmitidos ao vivo para o Brasil. Todas as partidas da seleção de Zagallo, além da abertura, entre México e União Soviética, outras três partidas da primeira fase, a outra semifinal, entre Itália e Alemanha, e a decisão do terceiro lugar, entre Alemanha e Uruguai.

Todas as outras partidas foram exibidas em VT às 23h, nas três redes, simultaneamente para Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília. As demais cidades recebiam as partidas por via aérea ou via Embratel e mostravam quando bem entendessem.

Infelizmente, nem todas as localidades brasileiras receberam as transmissões da Copa. Amazonas, Maranhão, Piauí e os então territórios de Roraima, Rondônia e Amapá não assistiram as partidas. O Pará já contava com emissora própria, mas só viu os jogos através dos tapes.

Além da transmissão das partidas, diversos programas, filmes e documentários sobre futebol foram exibidos pelas emissoras. A Globo trazia noticiário diariamente pelo “Jornal Nacional” e o programa curtinho “João Saldanha”, gerado diretamente do México, às 21h45.

Na Tupi, Rui Porto trazia noticiário in loco do México no “Repórter Esso” e uma mesa-redonda era realizada meia hora antes de cada transmissão.

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A Cultura exibiu a série “Todas as Copas do Mundo”, com a retrospectiva dos mundiais realizados até então, apresentação de Luiz Noriega. Na Tupi, “Comendo a Bola”, com Gerdi Gomes, trouxe algo semelhante: filmes das copas passadas.

Na Bandeirantes, no dia 03 de junho, pouco antes da estreia do Brasil contra a Tchecoslováquia, foi exibida, na íntegra, a partida entre as duas equipes pela final da Copa de 1962. O mesmo expediente foi repetido no dia 07 de junho, mostrando o jogo entre Brasil e Inglaterra na Copa do Chile. A Record também mostrou esse VT.

Desafios técnicos e adoção de novas tecnologias

Como citado no começo do texto, o Brasil recebeu as imagens da Copa em cores, mas o sistema nacional ainda era em preto e branco. Poucos afortunados, como o presidente Emilio Garrastazu Médici, viram a conquista brasileira a cores.

O público ficou muito interessado em observar as maravilhas de uma transmissão a cores, e, por isso, a Embratel programou diversas demonstrações, exibindo jogos em cinemas e locais públicos. Na sede da empresa, no Rio de Janeiro, partidas a cores foram exibidas para jornalistas e convidados. Em São Paulo, o mesmo foi repetido no Edifício Itália. Em Brasília, alguns jogos foram exibidos no Cine Nacional, com entrada gratuita, mas não passou disso.

A Embratel contou com uma equipe de 40 pessoas para garantir a transmissão das imagens da Copa para as emissoras. As imagens captadas no México eram enviadas através do satélite Inter-Sat III F-6, localizado na altura de Fernando de Noronha.

De lá, as imagens eram enviadas para as antenas de Itaboraí, interior do Rio, e no Edifício Itália, em São Paulo. O Rio distribuía as imagens para Centro-Oeste e Nordeste, enquanto São Paulo enviava para o Mato Grosso e o Sul do País.

O custo total das transmissões, na época, ficou em US$ 1 milhão, ou Cr$ 4,8 milhões.

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O satélite Inter-Sat III F-6 transmitiu os jogos para a América do Sul, ou seja, Chile, Argentina, Colômbia e Peru assistiram as mesmas partidas vistas pelos brasileiros. O Uruguai não tinha antena para as imagens, mas conseguiu recebe-las da Argentina. Como os interesses eram diferentes, o satélite Inter-Sat F-7 mostrou as partidas para a Europa.

O brasileiro viu, estupefato, a qualidade das imagens transmitidas pela TV diretamente do México, enquanto exibições de jogos no Brasil tinham imagens sofríveis. À Veja de 17 de junho 1970, Rogério Venegas, do Tele-Sistema mexicano, explicou que não havia espaço para improvisação. Os técnicos da transmissão, quase todos engenheiros, fizeram cursos a partir de 1967 para garantir, praticamente, a perfeição da cobertura.

Eram usadas seis câmeras: uma atrás de cada gol, três ao longo de um dos lados do campo e duas no estúdio do estádio, uma delas para superposição dos slides com informações escritas. Após a Copa, boa parte das inovações do Mundial foi implantada nas emissoras brasileiras.

Uma das grandes novidades da Copa foi a inserção do replay, com repetições das jogadas logo após a realização das mesmas. No Brasil, o lance ganhou o nome de “repeteco”.

Audiência e comportamento do público

A transmissão ao vivo da Copa do Mundo, evidentemente, mudou a rotina do País. A venda de aparelhos de TV disparou – segundo reportagens da época, a procura superou em 50% a média normal do restante do ano.

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Aulas foram canceladas e o público saiu mais cedo do trabalho. Repartições públicas decretaram pontos facultativos ou, pelo menos, o expediente terminava mais cedo. O público se reunia em praças para ver os jogos pela TV. O Brasil, literalmente, parava em dias de jogos.

De acordo com o Ibope, na partida da estreia, no então Estado da Guanabara, a média de audiência foi de 93% de aparelhos ligados das 19h às 22h, índice comparável apenas à chegada do Homem à Lua e alguns programas de Silvio Santos, imbatível na época. A final teve 100% de audiência e ruas às moscas, exceto nas aglomerações populares para acompanhar a partida.

No mundo, estima-se que 700 milhões de pessoas viram àquela Copa pela TV, coroando, assim, o triunfo do selecionado brasileiro.

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