Após erro do autor, personagens secundários salvaram Mar do Sertão
18/03/2023 às 18h16
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Mar do Sertão, novela das seis escrita por Mário Teixeira e dirigida por Allan Fiterman, chegou ao fim nesta sexta-feira (17). A produção teve uma audiência satisfatória e o carisma dos personagens, somado ao bem escalado elenco, configurou o maior acerto da história.
Foi um folhetim leve e com muitas cenas divertidas, principalmente nos núcleos secundários. No entanto, houve uma falha grave no desenvolvimento do enredo, que andou em círculos durante quase todo o período de exibição.
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Erro recorrente
Mário Teixeira (à esquerda) não é iniciante. Ele já trabalhou como colaborador de vários novelistas na Globo. Mar do Sertão foi sua quarta novela como titular. E o seu saldo não é positivo. Liberdade, Liberdade (2016), exibida às onze, foi a única que contou com grandes desdobramentos, mas a sinopse inicial era de Márcia Prates – substituída por Mário antes do início das gravações.
I Love Paraisópolis (2015), escrita com Alcides Nogueira, e O Tempo Não Para (2018) foram dois títulos das sete que “morreram” com um mês de exibição. Ou seja: o autor resolveu tudo em duas semanas e ficou sem história para contar, se aproveitando de situações pontuais nos núcleos secundários. O erro foi repetido pela terceira vez, já que foi exatamente isso o que aconteceu com Mar do Sertão.
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Trama perdida
A história apresentou um dos mais conhecidos clichês da teledramaturgia: o mocinho envolvido em um triângulo amoroso que sofre um acidente, é dado como morto e volta para se vingar. O autor solucionou tudo em menos de um mês.
Zé Paulino (Sergio Guizé) sofreu um acidente enquanto estava com Tertulinho (Renato Góes), desaparecendo nas águas. Pouco tempo depois, o vilão descobriu que o rival não tinha morrido e foi até o hospital para matá-lo. O herói, porém, escapou. Candoca (Isadora Cruz) ficou desolada, mas ninguém viu tal reação da mocinha porque houve um atropelo de acontecimentos.
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Uma passagem de tempo de um ano que uniu a então estudante de Medicina a Tertulinho destruiu a narrativa.
No dia do casamento, Zé Paulino voltou para a fictícia cidade de Canta Pedra e presenciou a cerimônia. O telespectador nunca soube como o protagonista se recuperou, sobreviveu durante meses e definiu o seu plano de vingança. Dez anos se passaram e o rapaz retornou milionário. Isso tudo em uma semana. Como ficou rico? Ninguém soube.
Zé se indignou porque o seu pai foi demitido e expulso das terras do coronel Tertúlio (José de Abreu), mas nunca o visitou durante todo o tempo em que esteve ausente, nem compareceu ao seu velório. O público também não viu o pobre homem falecer. O autor não se preocupou com nenhum momento de maior impacto da narrativa. Todos os instantes considerados de grande emoção foram descartados.
Retorno nada triunfal
A volta do protagonista, então José Mendes, foi desinteressante e decepcionante. Um verdadeiro anticlímax! Não pareceu que o protagonista ficou dez anos dado como morto. O único personagem que teve um choque plausível com o retorno foi o hilário Timbó (Enrique Diaz). Os demais reagiram com uma naturalidade assustadora.
A sensação era de que José tinha voltado de uma longa viagem de férias e não de uma falsa morte. Em qualquer folhetim minimamente bem estruturado, o retorno do personagem principal seria mais adiante, após instigar a ansiedade do espectador. Mário Teixeira não quis nada disso. O novelista preferiu colocar o retorno da forma mais boba e apressada possível. A decisão não mudou a trama em nada. A história seguiria da mesma forma com ou sem José Mendes ali.
Até o vilão enfraqueceu… Tertulinho era o grande atrativo das primeiras semanas pelo seu deboche e por sua cara de pau. Com a volta de Zé Paulino, o personagem perdeu a relevância e ficou jogado na história planejando pelos cantos o assassinato do mocinho. O pior é que o protagonista ficou a novela quase toda querendo saber quem tentou matá-lo. A ponto de levar a médica que cuidou dele – e conheceu o sujeito que tinha tentado assassiná-lo – para Canta Pedra, com o intuito de reconhecer o criminoso.
A investida não deu certo porque a profissional foi ameaçada e fugiu da cidade. Algo que abusou da inverossimilhança. Por que diabos José não mostrou uma foto de Tertulinho para a médica? Não existe Google em Canta Pedra? A situação tosca causou a impressão da novela ser de época…
Houve esperança quanto à guinada do roteiro quando Tertúlio contou que os rivais eram irmãos de sangue, para acabar com a pancadaria protagonizada por ambos. As cenas foram ótimas e deram fôlego ao enredo, o que não durou muito. A história seguiu a mesma diante de tal informação e os núcleos secundários continuaram funcionando como maior atrativo.
Deodora (Deborah Bloch) foi outra vilã que não disse a que veio. Pareceu figurante. Passou a novela toda fazendo mil ameaças e nada fez. O único momento de destaque para a ex de Tertúlio foi quando ela iniciou um caso com Pajeú (Caio Blat). Vilania mesmo, ela nunca praticou. Ficou na promessa – uma pena por conta do talento desperdiçado de Deborah Bloch.
Candoca e Zé Paulino foram mocinhos que transbordaram química, mas não tiveram grandes conflitos e acabaram ofuscados pelos demais personagens. Até porque a tal vingança prometida pelo mocinho nunca aconteceu. Ele não se vingou de ninguém, nem mesmo ajudou o melhor amigo Timbó a sair da condição miserável em que vivia com sua família, outra situação que não deu para entender.
Personagens paralelos em destaque
O carismático personagem só melhorou de vida quando descobriu petróleo em suas terras, o que rendeu sequências maravilhosas. Timbó foi brilhantemente interpretado por Enrique Diaz, que fez uma parceria muito bem-sucedida com Clarissa Pinheiro, intérprete de Teresa.
E o que comentar sobre Sabá Bodó e Nivalda? O casal 171 protagonizou as sequências mais impagáveis da trama. Welder Rodrigues e Titina Medeiros deram um show!
É preciso destacar também outra figura que roubou a cena e virou quase protagonista: Xaviera. Giovana Cordeiro viveu seu melhor momento na carreira e se entregou tanto nas situações cômicas quanto nas dramáticas. A ex-prostituta, Timbó e Sabá foram os melhores personagens da novela.
Os núcleos paralelos eram recheados de bons perfis. Thardelly Lima esteve ótimo na pele do agiota Vespertino; Odilon Esteves ganhou destaque como o tímido advogado Firmino; Leandro Daniel divertiu como o delegado Floro Borromeu; Pedro Lamin e Theresa Fonseca conquistaram o público com o casal Maruan e Labibe; Mariana Sena foi uma grata surpresa como Lorena; Nanego Lira se saiu muito bem como o padre Zezo; Suzy Lopes esbanjou carisma na pele da fofoqueira Cira; José de Abreu formou um belo par com Heloísa Jorge – já perto da reta final, com o romance de Tertúlio e pastora Dagmar –; Ana Miranda convenceu como a empregada Ismênia; Ju Colombo aproveitou bem a comicidade de Quintilha; Marco França fez sucesso como o matador Fubá Mimoso.
É preciso ainda destacar o talento do time infantil: Miguel Venerabile (Joca), Enzo Diniz (Manduca) e Theo Matos (Cirino) formaram um trio incrível.
Talentos desperdiçados
No entanto, os problemas de desenvolvimento eram visíveis até nos núcleos paralelos. Vários perfis apareciam e sumiam repentinamente. Não houve um fio condutor. Os personagens eram usados para esquetes semanais e depois ficavam desaparecidos por um tempo. A grande maioria não tinha um arco narrativo e os conflitos próprios eram raros. Só serviam mesmo para protagonizar situações cômicas, ainda que deliciosas.
Jessilaine destacou o talento de Giovanna Figueiredo, uma grata revelação, mas a filha de Sabá Bodó e Nivalda ficou jogada na história. Eli Ferreira esteve excelente na pele da arrogante Laura e seu péssimo humor era um dos maiores atrativos. No entanto, a personagem virou vilã do nada, depois desapareceu e só voltou na última semana para ser vítima de um atentado planejado por Deodora.
Joel Leiteiro (Matteus Cardoso) e Anita (Julia Mendes) eram um delicioso casal, mas ficaram a trama toda sem função e só tiveram cenas relevantes na reta final. Sara Vidal também poderia ter rendido muito mais na pele da professora Rosinha. Érico Brás foi mais uma vítima do sumiço dos personagens, já que o jornalista Eudoro mal apareceu.
Cesar Ferrario e Quitéria Kelly divertiram como o casal Zahym e Latifa, mas o par ficou deslocado por boa parte do tempo. Já Caio Blat mostrou uma nova faceta na pele do assassino Pajeú, porém o jagunço desapareceu em vários momentos e sem explicação alguma. Déo Garcez (Catão), Cosme dos Santos (Janjão) e Marcelo Mello Jr. (Vanclei) foram outros nomes desperdiçados.
A reta final reforçou todos os pontos negativos da novela. Não houve nada de relevante. A ausência de enredo na trama central se expôs ainda mais. O autor precisou repetir exaustivamente vários planos para matar Zé Paulino. A história inteira se resumiu a isso. Tanto que Fubá Mimoso tentou novamente acabar com a vida do mocinho a mando de Tertulinho e depois acabou se aliando a ele. Até Deodora, que ficou a história toda sem agir, resolveu assassinar Zé no último capítulo.
Situações que só provocaram exaustão no telespectador. O roteiro andou tanto em círculos que não teve como despertar empolgação ou emoção no final. No entanto, houve uma surpresa: Tertulinho acabou assassinado por Deodora durante o jantar que a vilã promoveu para matar Zé Paulino envenenado. Um clichê já visto em muitas novelas, cuja maior referência é a antológica cena protagonizada por Débora (Ana Lucia Torre), em Alma Gêmea (2005).
Pena que o contexto para a sequência acontecer tenha sido tão absurdo. Como Zé e Candoca aceitaram confraternizar com uma mulher que os odiava? Não deu para engolir. O pior é que o autor novamente se mostrou inimigo das catarses porque eliminou as reações de Tertúlio e Xaviera com a morte do vilão – momentos que destacariam o talento de Giovana Cordeiro e José de Abreu.
Último capítulo
Já a melhor personagem teve o melhor final. Xaviera teve um momento de pura sensibilidade na igreja, quando falou sobre a importância de se amar e não achar a solteirice algo ruim. A igreja florescendo como um sinal de aprovação da Virgem Maria para sua decisão emocionou. E que sacada genial colocá-la sendo a nova prefeita de Canta Pedra com direito a uma cerimônia de posse igual à do presidente Luis Inácio Lula da Silva, repleta de representatividade.
Também merece elogio o desfecho de Sabá Bodó e Nivalda, presos pela polícia, mas felizes para sempre – com direito a uma hilária homenagem a Welder, relembrando o Jorge Bevilaqua, personagem vivido por ele no humorístico Tá no Ar (2014), quando Eudoro disparou: “Foca em mim!”.
A última sequência primou pela delicadeza com todos os personagens reunidos para a inauguração do açude de Timbó, irrigando toda a cidade vitimada pela seca. Foi muito bonito. E a diversão ficou por conta dos repentistas que cantaram todas as músicas criadas por eles ao longo dos meses, acompanhados de toda a equipe.
Mar do Sertão elevou os índices da faixa das 18h e cumpriu sua missão. A direção de Allan Fiterman merece um elogio à parte e a ideia de dois repentistas – Totonho (Juzé) e Palmito (Lukete) – serem os responsáveis pelo resumo do capítulo do dia seguinte transbordou genialidade.
Foi uma novela agradável e repleta de personagens carismáticos, que ajudaram a camuflar a falta de enredo. Porém, Mário Teixeira precisa urgentemente mudar sua forma de desenvolver um folhetim. Nenhuma produção pode ser sustentada apenas pelos núcleos secundários. O público merece um trabalho bem feito também na trama central.