Com os dias contados, ator não deixou novela: “Era o que o mantinha vivo”
04/12/2022 às 18h15
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Manoel Carlos está longe das novelas desde Em Família (2014), mas segue firme e forte na memória do público, pelo resgate de suas obras ou pelo desejo do espectador de prestigiar um novo trabalho do autor.
Aos 89 anos, Maneco não deve voltar à exaustiva tarefa de conceber seis capítulos por semana ao longo de sete ou oito meses. O novelista, aliás, “se aposentou” sem realizar o desejo de reescrever uma de suas tramas.
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Uma nova versão de Sol de Verão, lançada pela Globo há exatos 40 anos, habitou os sonhos de Manoel Carlos. Ele revelou o desejo de revisitar o folhetim em depoimento ao jornal O Globo, de 16 de setembro de 2001.
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“Quando me perguntam qual a novela que eu mais gostei de escrever, eu sempre respondo que é ‘Sol de Verão’. Tanto, que já me ofereci para escrever um remake da história. Foi nela que perdi um dos meus melhores amigos: Jardel Filho. Esse fato, obviamente, contribuiu para que a novela ficasse marcada na minha memória e fosse uma das partes mais ricas das minhas lembranças”, declarou.
Na produção exibida às oito, Jardel Filho interpretava o protagonista Heitor. O ator faleceu em 19 de fevereiro de 1983, vítima de um ataque cardíaco, no momento em que a narrativa seguia para a reta final.
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“O remake pretendo dedicar publicamente à memória desse inesquecível amigo”, salientou Maneco.
Amizade
Manoel Carlos e Jardel Filho eram muito próximos. O personagem, aliás, foi concebido a partir de características do ator, observadas pelo amigo durante uma festa de Réveillon, na virada de 1981 para 1982.
“Quando Júlia [Almeida, atriz], minha filha, nasceu, dia 5 de janeiro, ele ligou para a casa de saúde todos os dias, para saber notícias. E, quando Júlia veio para casa, ele foi a primeira visita. O porteiro, e pelo interfone, anunciou: ‘O Heitor vai subindo’”, contou o autor, em carta publicada no jornal O Globo, de 27 de fevereiro de 1983.
Na ocasião, Maneco detalhou os últimos momentos de Jardel enquanto herói do enredo das oito e sua devoção ao trabalho:
“Na última semana, sabendo que ele estava cansado e adoentado, eu disse que ia diminuir a carga de texto dele no próximo bloco, pois ele assim descansaria mais. Ele me impediu, dizendo que era o Heitor que o mantinha vivo. Conhecia o papel muito melhor do que eu, porque já eram uma única pessoa”.
Abalado com a partida do colega, o novelista deixou Sol de Verão. Coube a Lauro César Muniz conduzir os últimos 17 capítulos – número definido junto à Globo como suficiente para a conclusão da história.
“Eu estou na pior, sem condições – e você há de me perdoar se eu não conseguir escrever nem mais uma linha para ‘Sol de Verão’. Acho que estou saindo da novela junto com você. Não porque eu queira, mas porque não está dando mesmo para segurar esta barra. […] Perdoa este seu pobre amigo, este modesto parceiro de sua gloriosa despedida”, concluiu.
Trama
Sol de Verão seguia a linha de tantos clássicos de Manoel Carlos. Tal qual História de Amor (1995) e Por Amor (1997), a obra propunha discussões sobre o cotidiano da classe média, aqui reunida no casarão que abrigava a oficina de Heitor e o prédio dividido pela maioria dos personagens, numa ainda pacata Ipanema.
“Gosto do drama à luz do dia, misturado ao sol, ao mar, à comédia cotidiana. ‘Sol de Verão’ é isso, como ‘Baila Comigo’ (1981) também o foi. Na verdade, as duas novelas seguem os mesmos propósitos, dando continuidade ao que eu gostaria de ter chamado ‘Cenas da vida cotidiana’ ou ‘Coisas da vida’, números 1 e 2”, adiantou em entrevista ao jornal O Globo, de 10 de outubro de 1982.
O envolvimento de Heitor Kock com Rachel (Irene Ravache) servia de ponto de partida. Ela abdicava do casamento de 18 anos com Virgílio (Cecil Thiré) para buscar a felicidade. No caminho da professora de Geografia, surgia Abel (Tony Ramos), deficiente auditivo acolhido pelo mecânico.
Controvérsias
Em sua luta por liberdade, Rachel enfrentava os questionamentos da filha Clara (Débora Bloch) e da mãe, Laura (Beatriz Segall) – viúva que se fechou para o amor, já que, conforme dizia, “há homens que preenchem uma mulher mesmo depois de mortos”. O gênio forte dela e de Heitor, contudo, era empecilho para o romance.
Rachel também se relacionou com Horácio (Paulo Figueiredo), professor de Libras de Abel, enquanto Heitor viveu aventuras com Lola (Tânia Scher).
“Em ‘Baila Comigo’ conseguimos fazer com que Fernando Torres fosse o namoradinho do Brasil. É muito importante que, as pessoas maduras possam amar, dar beijo na boca, sem serem mostradas sempre como pessoas tristes. Vou fazer 50 anos em março e pretendo contar coisas que digam respeito à minha geração”, ressaltou Maneco em depoimento ao Jornal do Brasil, de 10 de outubro de 1982.
O folhetim, contudo, causou controvérsia. Espectadoras moralistas, porém, condenavam a conduta da protagonista, também perseguida pela Censura do regime militar. Diálogos e sequências de cama foram cortados.
“O sexo assusta, sempre assustou. Ainda mais quando é mostrado numa idade em que as pessoas, aparentemente, deveriam estar preocupadas com outras coisas. Mas estou adorando levar esta mensagem. Ela significa a própria vida”, analisou Irene Ravache em matéria do jornal O Globo, de 5 de dezembro de 1982.