Resta pouco a ser feito: só um milagre pode salvar Cara e Coragem
11/08/2022 às 13h00
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A nova novela das sete da Globo está há pouco mais de dois meses no ar. Escrita por Claudia Souto e dirigida por Natalia Grimberg, Cara e Coragem teve um início movimentado por bons enigmas e aparentemente tinha uma história interessante a ser contada. No entanto, semanas se passaram, e as impressões mudaram. No atual momento, tem ficado claro que o conjunto apresentado deixa bastante a desejar.
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Vendida como uma novela de muita ação por explorar a vida dos dublês e ter um misterioso assassinado que precisa ser desvendado, a história na verdade é monótona e com uma narrativa que vai cansando. É até estranho um folhetim começar assim, já que o normal é o enredo iniciar com agilidade e ir perdendo o fôlego ao longo dos meses. É até natural qualquer produção dramatúrgica entrar na fase da chamada barriga (período onde nada de relevante acontece), porém, no caso da trama das sete, a falta de situações atrativas da história começou a ser vista cedo demais.
Sem carisma
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Um dos maiores problemas é a ausência de carisma dos personagens. Não é culpa do elenco, muito bem escalado e repleto de ótimos nomes. Mas da apresentação dos perfis. A grande maioria não desperta a simpatia de quem assiste. É difícil criar qualquer envolvimento com alguém. Aliás, não tem como ignorar Pega Pega, novela da mesma autora, exibida em 2017, que sofria do mesmo problema. Eram raros os personagens carismáticos. Dava para contar nos dedos de uma mão.
Tanto que quase todos caíram no esquecimento quando a produção acabou. Poucos funcionaram de fato. Maria Pia (Mariana Santos), Malagueta (Marcelo Serrado) e Sandra Helena (Nanda Costa) foram exceções. E na história que marcou sua estreia como novelista solo, Claudia teve a sorte do ‘acaso’. Isso porque o casal de ‘vilões’ roubou a cena e caiu no gosto popular. O par ‘Malapia’ virou febre nas redes sociais. Só eles rendiam alguma repercussão na internet. O resto era praticamente ignorado.
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E Cara e Coragem até o momento não tem um casal sequer que tenha conquistado o público. Ou seja, a produção já está em desvantagem quando comparada ao folhetim anterior da escritora. É verdade que Claudia teve a preocupação de não repetir o erro de Pega Pega, quando apresentou mocinhos que tiveram uma paixão súbita (Luiza – Camila Queiroz e Eric – Mateus Solano), o que resultou em um completo fracasso. Agora há uma construção do envolvimento de Pat (Paolla Oliveira) e Moa (Marcelo Serrado).
Mas ainda assim não funciona porque a mocinha é casada com um sujeito que esbanja integridade e sofre de uma doença misteriosa. Se a autora supôs que o público rejeitaria Alfredo (Carmo Dalla Vechia) por ser um sujeito mais acomodado e caseiro, ainda que trabalhe de casa, supôs errado. E como achar bonitinho a protagonista traí-lo com Moa e sempre olhá-lo com piedade?
Rotina dos dublês
Outro fator que torna os mocinhos cansativos é o fato de serem dublês. Com o perdão de toda a classe de dublês do país e do mundo, mas não é nada interessante acompanhar a rotina deles. Até porque as cenas não têm utilidade alguma para o roteiro. São sempre produções caprichadas que resultam em sequências de segundos, quase sempre deles pulando segurados por alguma corda, mas que só servem para o momento do intervalo, quando aí sim os protagonistas conversam sobre algo relevante. E normalmente é a respeito do assassinato de Clarice (Taís Araújo) ou sobre a disputa da guarda do filho de Moa com a ex.
Aliás, qual o motivo para a morte de Clarice ter sido tão cedo? A novela vai até janeiro de 2023. A Globo decidiu espichá-la antes mesmo da estreia para que Vai na Fé, folhetim de Rosane Svartman, não seja prejudicado pelas baixas audiências comuns no fim do ano. Ou seja, não dava para desenvolverem a personagem para que o telespectador ao menos criasse um vínculo com ela? A empresária foi morta no terceiro capítulo e tudo o que vem sendo mostrado sobre sua rotina está em breves flashbacks. É uma narrativa mais ousada? Sim, mas a que preço?
A escolha acabou destruindo qualquer possibilidade de gerar um interesse maior na descoberta dos enigmas que envolvem o crime. E Ítalo (Paulo Lessa), quarto protagonista? Vai passar a história toda atrás da falecida? Não há outros dramas pessoais? O pior é que há uma obviedade na existência de Anita, também vivida por Taís Araújo. A personagem só tem uma função real para o roteiro se ela for a Clarice que ocupou o lugar de sua sósia. Porque Anita surgiu do nada e não tem vínculo algum com os personagens. Se ela não for a ‘morta’ (e nem deve ser pelo que vem sendo exposto até agora), tudo ficará ainda mais deslocado do que já está. Por mais que todas as peças se encaixem no final.
Sem paciência
E falando no desfecho, a audiência (que está longe de refletir um sucesso) terá paciência para tantos mistérios e pontas soltas até janeiro do ano que vem? Até porque a história está arrastada e nada convidativa. A estratégia da autora tem sido clara: preenche o tempo dos capítulos com situações que nada acrescentam e reserva apenas os dois minutos finais com um gancho a respeito da morte de Clarice. Porque esse é o único mote que representa algum atrativo. Mas é apenas mais uma pista avulsa. Você pode se dar ao luxo de não assistir por uma semana que não perderá nada.
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E abordando novamente a questão da falta de carisma dos personagens, nem mesmo os vilões funcionam. Mel Lisboa, Ícaro Silva e Ricardo Pereira fazem o que podem, mas não há muito para onde correr. Regina, Léo e Danilo são perfis gélidos até mesmo nos momentos que deveriam ter alguma dose de emoção. Não há humor, acidez, nada. Nem malignidade de fato. Se a intenção era não criar ‘malvados’ caricatos, houve uma falha porque, mesmo sem o deboche típico da faixa mais exagerada das sete, os tipos caem no abuso interpretativo. Todos têm tons acima. Parece que para lembrar que eles são os vilões porque caso contrário é até natural que a informação seja esquecida.
Por sinal, falando em humor, a novela praticamente não tem comicidade. Não que seja uma regra para folhetins das 19h, mas a grande maioria tem determinadas características da faixa. Uma delas é essa. E as poucas que tentaram fugir disso fracassaram, vide Além do Horizonte e Geração Brasil. O problema de Caras e Coragem nem é a ausência de algo mais cômico, mas é a ausência de tudo. Porque também não é uma história dramática ou pesada com um ar sombrio. Não tem arcos que te arrebatem com um dramalhão ou então uma leveza gostosa de assistir. O conjunto acaba não tendo uma identidade. É um folhetim de humor? De drama? De mistério? De romance? É do quê? Não há resposta.
Poucos acertos
Um dos poucos acertos até agora tem sido a dupla formada por Kiko Mascarenhas e Jeniffer Nascimento. Duarte e Jéssica têm um humor delicioso quando estão juntos e a sintonia dos atores é visível. Combinaram desde a primeira cena. Já a saga da identidade falsa do faxineiro, que vira o ricaço Bob Wright para curtir uns privilégios enganando trouxas, só funciona quando está com a parceira do lado. Ele sozinho, e agora aliado de Danilo, já perde aquele carisma tão em falta na trama.
A questão envolvendo o relacionamento abusivo que aprisiona Lou (Vitória Bohn, ótima revelação), uma menina que não enxerga a toxidade do namorado, Renan (Bruno Fagundes), também desperta conflitos. Mas repetitivos. Já o fato dela ser irmã de Pat, fruto de uma relação extraconjugal do pai da mocinha com Olívia (Paula Braun, bem em sua volta às novelas) é apenas um clichê aleatório.
Cara e Coragem ainda não chegou nem na sua metade. Há muito chão pela frente. Mas Claudia Souto está com um desafio dos mais complicados. A sua novela não está despertando interesse, a audiência vem se afastando cada vez mais e a repercussão nas redes sociais é perto do zero. Tudo pode mudar com uma reviravolta incrível? É difícil, mas possível. O problema mesmo é que muitos dos fatores expostos não podem ser alterados. Só um milagre pode deixar esse roteiro interessante.