Autor detestou sucesso que terminava em 1983: “Minha pior novela”
21/10/2022 às 9h15
Há 39 anos, em 21 de outubro de 1983, a Globo exibia o último capítulo de Louco Amor, novela de Gilberto Braga concebida às pressas por conta do encurtamento de Sol de Verão (1982) – trama de Manoel Carlos afetada pela morte do protagonista Jardel Filho. O folhetim, bem-sucedido em audiência, não agradou o autor.
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Giba declarou ao livro A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo, de André Bernardo e Cíntia Lopes: “A minha pior novela”. Tal posicionamento, no entanto, difere de sua primeira avaliação sobre, logo após o término da produção…
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Abaixo, esta e outras curiosidades sobre a obra:
Feita às pressas
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– Com o término antecipado de Sol de Verão (foto acima), a Globo recorreu à reapresentação de O Casarão (1976), de Lauro César Muniz, conferindo tempo hábil à equipe responsável pela implantação de Louco Amor. Os índices de audiência, porém, caíram consideravelmente: 49% no Rio de Janeiro e 36% em São Paulo, de acordo com a revista Amiga. A Band se aproveitou da entressafra na concorrência para lançar Sabor de Mel, escrita por Jorge Andrade; o SBT apostou na mexicana Cristina Bazan. Diante de tais investidas, a emissora-líder resolveu precipitar o lançamento do folhetim em duas semanas: de 25 para 11 de abril.
– A estreia atingiu 69% de participação no Rio e 64,5% em Sampa. O primeiro mês anotou 66% na “cidade maravilhosa” e 54% na “terra da garoa”. Os números recuaram em maio: 60% x 51,4%. Em julho, Louco Amor esboçou crescimento nas duas capitais, registrando 66,5% e 56,2%. Em setembro, já na reta final, a trama conquistou 71,8% e 56,8% – com picos de 83% e 75%, respectivamente.
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– Fábio Jr surpreendeu a equipe ao se apresentar para as primeiras cenas como Luís Carlos de barba por fazer e cabelos cacheados. O diretor-geral Paulo Ubiratan exigiu o que ator retomasse o antigo visual, de cara limpa e fios lisos.
“O forte do Fábio eram os olhos e esse cabelo caído em cima… Achei um horror, mas agora não tem jeito mesmo e a gente vai tentar fazer o possível para que ele fique tão bem quanto antes”, declarou Ubiratan à revista Contigo!, diante da insistência do ator em manter o estilo. Logo no início, entretanto, Fábio acatou o desejo da produção.
– Lauro Corona conciliou os trabalhos como Lipe com a apresentação do dominical Cometa Loucura, em parceria com Carla Camuratti.
– Reginaldo Faria fez aula de tênis para seu personagem, Guilherme. Mas nas sequências em que o editor-chefe da revista Stampa aparecia competindo, um dublê o substituía, conferindo mais veracidade aos jogos.
Estreias e retornos
– Louco Amor marcou a estreia de Rosane Gofman (Stelinha) na TV. Também a do menino Eduardo de Micheli (João), filho da atriz Bárbara Bruno, dividindo a cena com a avó Nicette Bruno (Isolda) e a tia Beth Goulart (Carla).
– A novela, aliás, estreou depois de um “baby boom”: Bruna Lombardi voltava às novelas após o nascimento de Kim, em 1981, do casamento com Carlos Alberto Riccelli. Em Louco Amor, Bruna respondia por Patrícia, alvo das investidas de Márcio, papel de Riccelli. Já Gloria Pires (Cláudia) deu luz a Cleo, do romance com Fábio Jr, em outubro de 1982. Beth Goulart também se tornou mãe, de João Gabriel Carneiro, no ano anterior à trama.
– E o batismo dos personagens de Louco Amor veio de homenagens de Gilberto Braga para filhos de amigos famosos… Carlinha partiu de Carla Daniel, herdeira de Dorinha Duval e Daniel Filho – também pai de João, com Betty Faria. Guilherme, Denise (Chica Xavier) e Alfredo (Fernando Torres), os rebentos de Dias Gomes e Janete Clair. Agenor (Mário Lago), vulgo Cazuza, de João e Lucinha Araújo.
– Paulo Ubiratan, por sua vez, reverenciou parceiros de trabalhos anteriores. De Água Viva, também de Gilberto, vieram Arlete Salles (Isadora), Carlos Eduardo Dolabella (Fernando), Fábio Jr, Gloria Pires, José Lewgoy (Edgar), Mauro Mendonça (André), Reginaldo Faria e Tônia Carrero (Muriel). Arlete e Reginaldo também marcaram presença em Baila Comigo, de Manoel Carlos, assim como Beth Goulart, Christiane Torloni (Lúcia), Cláudia Costa (Mônica), Fernando Torres, Lady Francisco (Gisela), Lauro Corona, Tereza Rachel (Renata) e, em participações, Carlos Gregório (Eurico), Gilberto Martinho (Silvio) e Otávio Augusto (Rodolfo). De fora, ficou Terezinha Sodré, com passagens por Água Viva e Baila Comigo, mesmo cotada para viver uma das secretárias de Guilherme.
Remanejamento
– Assim como em Água Viva, Tônia Carrero ficou sem uma megera para chamar de sua. Escalada para viver Renata Dumont, a atriz substituída por Tereza Rachel; na produção de 1980, Tônia foi remanejada para a grã-fina Stella Simpson, tipo bastante próximo de Muriel, deixando a vilã Lourdes Mesquita nas mãos de Beatriz Segall.
– Lourdes Mesquita, aliás, surgiu no último capítulo, como convidada de honra da exposição de Alfredo – apesar de Beatriz Segall estar gravando a substituta Champagne. A mesma sequência conta com as presenças de Gilberto Braga e da colaboradora Leonor Bassères.
– Durante os meses em que Louco Amor ocupou o vídeo, Otávio Augusto e Rosane Gofman sofreram um acidente de carro, sem gravidade. Já Mário Lago e José Lewgoy deixaram o set temporariamente; um por enfarte, outro por fratura na bacia e no nariz.
– A novela foi chamada, num primeiro momento – e sabe-se lá por que – de Sangue Leve. O título definitivo veio do tema de abertura, Nosso Louco Amor, do grupo Gang 90 & Absurdetes. O hit não correspondeu às expectativas de Gilberto Braga:
“Acho totalmente sem graça e só aceitei porque estava escrevendo essa novela sem o menor entusiasmo”, revelou ao livro Teletema – A história da música popular através da teledramaturgia, de Guilherme Bryan e Vincent Villari.
– Fábio Jr e Lauro Corona integraram a trilha sonora com Seres Humanos e Tem Que Provar. O repertório nacional vendeu 80.395 cópias. O internacional, repleto de músicas dançantes, emplacou 403.795.
– O principal tema internacional, We’ve Got Tonight, de Kenny Rogers e Sheena Easton, tocou desde o início – uma novidade para a época! A canção embalava o romance de Patrícia e Luís Carlos.
Mudanças na sinopse
– A sinopse inicial passou por alterações. Na primeira versão, divulgada pela jornalista Cidinha Campos no Jornal do Brasil, de 20 de março de 1983, Luís Carlos vendia joias de Patrícia para subornar o coordenador de um concurso de poesia, arrematando o primeiro lugar. A descoberta deste crime afastava o casal. Cláudia, por sua vez, tentava fazer a vida em Nova Iorque, onde conhecia Lipe; este escondia da jornalista a sua condição de milionário. A morte de André se dava por um acidente, supostamente causado por Luís, alcoolizado. O protagonista, salvo por uma VHS gravada por Lipe, conseguia status como escritor, desposando Patrícia, apenas para vingar-se da família dela.
– Ao livro Autores – Histórias da Telenovela, do Projeto Memória Globo, o autor declarou:
“Louco Amor era uma bobagem de novela. O único personagem que prestava era o do José Lewgoy, o Edgar Dumont, que era muito divertido. […] Houve erros graves de escalação. O escritor depende muito do elenco. Não gostei de trabalhar com a Bruna Lombardi. Ela não deu certo comigo. Não que seja má atriz, só não é da minha praia. Escrevi por honra da firma. Louco Amor é a pior novela que fiz, de longe”.
– “Por honra da firma”, entende-se, a necessidade de levantar a faixa. Ao Jornal do Brasil, de 9 de outubro de 1983, Giba afirmou:
“Fiz o diabo, soltei cachorros, fui de um maniqueísmo marcante. Coloquei filho de empregada querendo casar com a mocinha, fiz da embaixatriz Renata uma verdadeira bruxa. Usei todas as armas do folhetim para conquistar o público”.
Opinião diferente
– Por ocasião do término, porém, Giba foi mais “generoso” consigo mesmo, em entrevista à revista Amiga:
“Vendo cada capítulo, é a melhor novela que já escrevi. Teve sempre bons ganchos prendendo a atenção, lances interessantes em todos os capítulos. Isso é o tempo, a técnica adquirida, a experiência necessária para não deixar a peteca cair, como aconteceu em Dancin’ Days (1978)”.
– Para entender os desejos do público, Gilberto precipitou a separação de Muriel e Guilherme, motivada pela infidelidade deste. Também manteve a esclerose de Edgar – que, com o auxílio da produtora de moda, partiria para um tratamento na Suíça.
– A suposta conversão de Patrícia, de heroína à vilã, não foi interpretada pelo autor como “mudança”:
“Patrícia era uma personagem que, na primeira semana de novela, jurava ao Luís Carlos nunca ter tido um filho. Portanto, nunca teve caráter, eu acho. Enquanto protegidas, as pessoas sem caráter podem parecer apenas frágeis. Quando desprotegidas – no caso de Patrícia com a morte do pai e a insegurança financeira – elas começam a roubar e matar”.
– Gilberto Braga escrevia entre duas da tarde e duas da manhã. Leonor Bassères, entre cinco da manhã e duas da tarde. O trabalho de seis capítulos consumia uma semana: dois dias para bolar as próximas emoções, mais um para estruturar cena por cena e o restante para os diálogos.
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Fofocas dos bastidores
– A revista Amiga trouxe, após a conclusão do folhetim, algumas “fofocas” de bastidores: ataques de estrelismo de Lady Francisco teriam motivado uma greve de silêncio na sala de maquiagem – ela não admitia que as maquiadoras conversassem com o supervisor, Eric Rzepecki, enquanto ele a produzia; também atritos de Lady com José Lewgoy, o descontentamento de Reginaldo Faria com seu personagem e a crise conjugal de Fábio Jr e Gloria Pires, que se separaram meses após o término das gravações.
– Em meio aos burburinhos, a imprensa foi barrada na sala de atores, pela qual jornalistas circulavam com facilidade na época.
– Irritado, o diretor-geral Paulo Ubiratan deixou o cargo, passando a supervisor, após emitir uma circular queixando-se da indisciplina do elenco, de atrasos e dos textos não decorados.
– Louco Amor marcou a estreia de José Wilker como diretor. Também passaram pelo time Wolf Maya – após a conclusão de Final Feliz, às 19h –, Fred Confalonieri e Ary Coslov.
– Louco Amor divulgou artistas plásticos e romancistas, como a atriz Carmem Monegal, no lançamento de seu livro Duração Ordinária da Vida. Também faturou alto com campanhas para cervejarias e fábricas de bicicleta. E apostou no merchandising social: Alfredo buscava livrar-se do alcoolismo através dos Alcoólicos Anônimos.
– Um banho de tinta verde previsto para Patrícia, em sua fase modelo, foi substituído por sabotagens nos negativos, por conta de compromissos comerciais envolvendo Bruna Lombardi e suas madeixas. A Globo vetou a cena para não causar conflitos com uma marca de xampu.
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Nunca foi reprisada
– Louco Amor foi indicada ao Troféu Imprensa de “melhor novela” e “melhor ator”, com José Lewgoy. Guerra dos Sexos e Paulo Autran – pelo Otávio, da novela das 19h – levaram as estatuetas.
– A trama fez sucesso no exterior, especialmente em Portugal, onde contou com um especial de lançamento: RTP Brasil: ‘Louco Amor’ está chegando. Beth Goulart, Fábio Jr, Gloria Pires, José Lewgoy, Lauro Corona, Nicette Bruno e Tereza Rachel, além de Gilberto Braga e Paulo Ubiratan, concederam depoimentos à atração. A abertura, com takes de um casal durante o ato sexual, foi censurada na região de Açores. Por lá, o folhetim foi substituído por Corpo a Corpo (1984), trabalho posterior de Giba.
– Ainda, uma versão internacional, batizada Entre el amor y el deseo (2010), produzida pela mexicana Azteca em parceria com a Globo. No elenco, Héctor Bonilla, famoso no Brasil por sua participação em Chaves, como Alfredo.
– Louco Amor nunca foi reprisada pela Globo. A novela está preservada, na íntegra, à espera do resgaste no canal Viva ou no Globoplay.