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A polêmica da semana nas redes sociais foi o vídeo da atriz Juliana Paes em que ela tenta se defender das críticas que recebeu ao se posicionar isenta ante o atual cenário político polarizado. Ela tem todo direito, inclusive. Só que, em seu desabafo, a emenda saiu pior que o soneto.
Ao afirmar que não apoiava os ideais arrogantes da extrema direita e nem os “delírios comunistas” da extrema esquerda, Juliana criou uma falsa simetria entre Autoritarismo e Democracia, o que apenas acabou servindo para reforçar a narrativa da extrema direita. Existe extrema direita, que é o Autoritarismo, mas não existe “extrema esquerda”. Muito menos os tais “delírios comunistas” – aliás, uma expressão que remete à falácia bolsonarista.
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O Autoritarismo fica fora do espectro da Democracia. Ao compará-los, Juliana, sem se dar conta, deu a entender que a escolha a ser feita é entre Autoritarismo e Democracia, quando, na realidade, a escolha deveria partir do que está dentro do espectro da Democracia apenas. Ou seja, uma escolha entre direita, centro e esquerda (em que cabe comparação, a simetria).
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Juliana pode até ter se expressado mal sem ter tido essa intenção, mas sobrou indignação e faltou conhecimento.
Na história de nossa televisão – e eu cito a televisão e as telenovelas porque foi neste ambiente que Juliana Paes se criou e ganhou notoriedade -, muitos se posicionaram e declararam seu lado, mesmo em tempos de Autoritarismo – como durante a ditadura do Regime Militar. Algumas das novelas de maior sucesso da TV brasileira tinham tramas que criticaram práticas políticas antidemocráticas ou arbitrariedades de governos autoritários.
A maioria delas – pasme! – escrita por autores que em algum momento se declararam de esquerda, portanto, talvez, repletas dos tais “delírios comunistas“. Abaixo, cito 6 novelas, com o SELO DELÍRIO COMUNISTA, que Juliana Paes talvez não aceitasse participar.
O texto contém certa ironia.
1 – O Bem-Amado, de Dias Gomes (1973)
Novela considerada um marco de nossa televisão, pelo texto genial do autor; pela trama, que fazia uma crítica política ao país em tempos de Ditadura Militar (trama que acabou revelando-se atemporal); e pelas interpretações marcantes do elenco.
O vídeo de divulgação da novela para o Globoplay (acima) escancara o quanto O Bem-Amado dialoga com a atualidade: o governante (Odorico Paraguaçu) que, por interesses próprios e políticos, deliberadamente boicota a vacinação de seu povo. Selo DELÍRIO COMUNISTA!
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2 – Saramandaia, de Dias Gomes (1976)
O autor fez uma metáfora do cerceamento de liberdade nos tempos de Ditadura Militar. A cena final, em que o protagonista João Gibão (Juca de Oliveira) sobrevoa a cidade diante do povo simbolizava a libertação das amarras e da opressão e a liberdade conquistada ao vencer dificuldades e limitações.
Por meio do personagem que, receando o preconceito do povo, ocultava suas asas, e de outro que escondia que era o Lobisomem, o autor fez outra metáfora: com a intolerância às diferenças e com a dificuldade de aceitar comportamentos fora dos padrões. Selo DELÍRIO COMUNISTA!
3 – Roque Santeiro, de Dias Gomes, escrita por ele e Aguinaldo Silva (1985-1986)
Essa novela já tem um histórico intimamente ligado ao Autoritarismo: em 1975, foi censurada pelo Regime Militar no dia de sua estreia. Em 1985, com a Nova República, a produção foi retomada, tornando-se um dos maiores sucessos da TV brasileira de todos os tempos.
Novamente uma trama em que Dias Gomes abordava interesses políticos para a manutenção do poder. Os poderosos de uma fictícia cidadezinha sustentavam o mito de Roque Santeiro, morto no passado ao defender o lugar, sobre quem o povo foi induzido a atribuir milagres. Crítica não só a políticos e à elite, como também à igreja. Selo DELÍRIO COMUNISTA!
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4 – Roda de Fogo, de Lauro César Muniz, escrita por ele e Marcílio Moraes (1986-1987)
Um retrato do Brasil da Pós-Ditadura Militar. A novela girava em torno do capitalismo selvagem marcado pela ganância da elite e dos empresários, pelos “crimes do colarinho branco”, negociatas e conchavos com políticos corruptos, inclusive com personagens decadentes do Regime Militar – entre os quais um general reacionário (Hélio D´Avila/Percy Aires) e um ex-torturador (Jacinto Donato/Cláudio Curi). Selo DELÍRIO COMUNISTA!
5 – O Salvador da Pátria, de Lauro César Muniz (1989)
Esta Juliana não toparia fazer mesmo! A novela foi acusada de tentativa de favorecer Lula nas eleições de 1989. O autor afirmou que teve de mudar sua história porque “houve uma interferência direta de Brasília na cúpula da Globo”. Segundo ele, a trama foi considerada, por algumas pessoas do governo, uma apologia à candidatura do petista à presidência.
“Acabou vindo uma pressão na emissora para que a trama fosse mudada. Tive de abandonar o aspecto político“, disse Lauro. Porém o autor ficou sob o fogo cruzado da direita e da esquerda: “O PT achava que o personagem [Sassá Mutema] favorecia o Collor porque fazia certa chacota com o Lula por não ter ensino superior. E era justamente o contrário. Ele representava a ascensão do povo ao poder.”
Se a novela ajudou na campanha do PT, não se sabe ao certo, mas a música tema de abertura era “Amarra o Teu Arado a uma ESTRELA” (estrela = símbolo do partido), de Gilberto Gil, futuro ministro do governo Lula (de 2003 a 2008). Selo DELÍRIO COMUNISTA!
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6 – Que Rei Sou Eu?, de Cassiano Gabus Mendes (1989)
O fictício Reino de Avilan parodiava a realidade brasileira, por meio da miséria do povo, da instabilidade financeira, dos sucessivos planos econômicos, da moeda desvalorizada que mudava de nome, da elevada carga de impostos e da corrupção dos governantes.
Personagens faziam referência a “representantes” reais: a Rainha Valentine (Tereza Rachel) remetia ao então presidente José Sarney; o conselheiro Vanoli (Jorge Dória) ao político baiano Antônio Carlos Magalhães; o bondoso conselheiro Bergeron (Daniel Filho) ao ex-Ministro Dilson Funaro; e o bruxo Ravengar (Antônio Abujamra) ao General Golbery, um dos criadores do Serviço Nacional de Informações (SNI), com trabalhos ao Governo Militar.
Apesar de alguns apontarem semelhanças entre o protagonista Jean Pierre (Edson Celulari) e o candidato à presidência (em 1989) Fernando Collor, o autor pretendia que o personagem representasse o povo brasileiro, cansado de sofrimento e querendo justiça e igualdade social a todos. Selo DELÍRIO COMUNISTA!
Menção honrosa: O Rei do Gado, de Benedito Ruy Barbosa (1996)
A Reforma Agrária, a vida dos trabalhadores do Movimento dos Sem Terra (MST) e a luta pela posse de terras foram amplamente discutidos na novela e tiveram grande repercussão na mídia e na sociedade em geral. O Rei do Gado estreou dois meses após a morte de 19 sem-terra em Eldorado dos Carajás (PA), fato que tomou conta do noticiário da época e gerou muita discussão. O que pensaria nosso atual Governo sobre uma novela assim?! Selo DELÍRIO COMUNISTA!