Dubladores revoltados: 5 novelas com polêmicas como Um Lugar ao Sol
13/12/2021 às 17h44
A Globo irritou os dubladores com uma cena exibida na última quarta (08/12), na novela Um Lugar ao Sol. Nela, a personagem Nicole, interpretada por Ana Baiard, está desempregada, desiludida já de conseguir algo, quando surge uma oportunidade de fazer uma dublagem em uma produção norte-americana.
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A garota vai então fazer o teste. Como ela não tinha experiência, foi acompanhada pelo veterano Paco (Otávio Muller). O diretor da dublagem (Antônio Fragoso), que estava avaliando o trabalho, adorou e aprovou o teste da novata.
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Segundo alguns profissionais brasileiros que trabalham com dublagem, a entonação do texto que era para ser dublado estava ridícula.
No Twitter, a Globo postou a cena como se fosse algo para ser engraçado. A legenda foi: “Gente, a dublagem! (risos)”.
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Isso revoltou os dubladores profissionais e também o público. Da maneira como foi apresentada no folhetim, deu a impressão de que fazer uma dublagem seria algo como ‘última opção’, um quebra-galho para um artista fracassado. Além disso, a cena teria sido muito mal dirigida.
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“Quem criou e dirigiu essa cena definitivamente não conhece nossa dublagem. Ela tá totalmente errada e reforçando um estereótipo que a gente luta todo dia pra combater. 80% dos assinantes preferem dublado”, comentou o dublador Fernando Mendonça ao site Notícias da TV.
“Jamais essa gravação seria aprovada numa dublagem profissional. Pelo menos não em um estúdio de qualidade, com bons diretores e dubladores. E não gravamos assim, com dois microfones ao mesmo tempo, é tudo feito separadamente”, continuou Guilherme Briggs, um dos maiores nomes da dublagem brasileira, na mesma reportagem.
Panos quentes
No Fantástico deste domingo (12/12), a Globo, ao que parece, tentou limpar sua barra e colocar panos quentes para tentar acalmar a ira dos dubladores.
Foi exibida uma reportagem feita pela Renata Capucci sobre a Dublacon, uma convenção voltada para fãs de dublagem, que aconteceu no dia anterior. A emissora chamou a dublagem brasileira de “uma das melhores do mundo”.
Participaram da reportagem alguns dubladores famosos, como Selma Lopes, que faz a voz de Marge, no desenho Os Simpsons.
No Twitter, Renata Capucci negou que a reportagem tenha sido uma mea culpa do canal.
Engano seu. Estava pautada há duas semanas e o gancho é a Dublacon, primeira conferência de dubladores. https://t.co/73hNsqEJOv
— Renata Capucci (@renata_capucci) December 11, 2021
Essa história ainda pode dar muito pano para manga, mas você sabia que essa não foi a primeira vez que uma trama global ‘ofendeu’ classes ou grupos?
Listamos outras novelas que também desagradaram parte do público.
Confira:
Brega & Chique
Brega & Chique teve várias polêmicas durante sua exibição. Quando a ricaça Rafaela Alvaray (Marília Pêra), uma das protagonistas da trama, empobrece e deixa o Morumbi, na capital paulista, citava com desprezo o Itaim Bibi, fazendo piada com o “Bibi”.
Moradores da região protestaram e o autor escreveu uma cena para a personagem se redimir, afirmando que havia se confundido, pois o bairro “era muito chique”.
Em junho de 1987, o Jornal do Brasil destacou que as secretárias executivas do Rio de Janeiro não gostaram de um comentário feito pelo personagem Teddy (Tarcísio Filho),de Brega & Chique.
Ele disse que “secretária de chefe é assunto particular”. Elas também consideraram inadequados os trajes e a maneira de agir de Silvana, vivida por Cássia Kiss, e estavam preparando uma carta de protesto para enviar à Globo.
Já em julho daquele ano, a comunidade japonesa estava revoltada com a trama. O jornal Diário Nippak estampou a seguinte manchete: “Novela da Globo deprecia o japonês”.
O motivo da discórdia era novamente Rafaela, que prometeu “casar com o primeiro que aparecer, qualquer um, leiteiro, lixeiro, faxineiro, tintureiro, nem que seja japonês”.
De acordo com matéria do Jornal do Brasil de 10 de julho daquele ano, diversas entidades, como a Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e a Associação dos Lojistas da Liberdade reuniram-se para decidir medidas a serem encaminhadas à Globo.
Manoel Carlos, que atuava no departamento de divulgação da emissora, confirmou ao jornal que a fala estava no texto original, não se tratando de um improviso da atriz.
“Manoel disse que o autor não tinha pensado nessa conotação, depreciativa, podendo até tentar corrigir essa impressão nos capítulos próximos”, enfatizou.
“Mas a colônia não está tomando providências só por causa do preconceito de raças, mas defendendo as profissões também. Por que depreciar o leiteiro, o lixeiro e o faxineiro”, questionou William Kimura, editor do jornal.
Cassiano Gabus Mendes não deu muita trela para o protesto.
“É mais uma dessas coisas que nem me preocupam mais. O público se preocupa com muita besteira. A colocação não é preconceituosa nem depreciativa. É só comicidade, pois a personagem da Marília só fala besteira”, concluiu o autor.
Vale Tudo
A trama, exibida em 1988, arrumou confusão com moradores do Catete, tradicional bairro do Rio de Janeiro (RJ), e com operadores de telex de todo o Brasil. No entanto, de acordo com Gilberto Braga, um dos autores da trama, tudo não passou de mal-entendidos, logo explicados.
O primeiro problema surgiu logo nos primeiros capítulos da trama, quando Ivan (Antônio Fagundes), um economista com currículo invejável, estava desempregado e aceitou o posto de operador de telex no Grupo Almeida Roitman, de Odete Roitman (Beatriz Segall), para tentar subir dentro da empresa.
De acordo com profissionais desse segmento, a novela classificou a profissão como subemprego. “Foi um mal-entendido”, disse Braga ao jornal O Globo de 31 de julho de 1988, explicando que caracterizou a situação dessa forma em virtude de Ivan ser formado em outra área.
Quase um mês depois, em 23 de agosto, o mesmo jornal noticiou que moradores do Catete estavam muito insatisfeitos com a forma como o bairro era retratado na história.
Tudo por causa das intempestivas declarações de Fátima (Glória Pires), que dizia que achava o lugar brega e queria que a mãe, Raquel (Regina Duarte), fosse morar na Avenida Vieira Souto, em Ipanema.
Integrantes da Associação dos Moradores do Catete, inclusive, fizeram uma reclamação formal à Rede Globo.
“Esse é um problema pessoal dela, porque ela é uma louca”, disse o autor.
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O Rei do Gado
A Reforma Agrária, a vida dos trabalhadores do Movimento dos Sem Terra (MST) e a luta pela posse de terras foram amplamente discutidos na novela e tiveram grande repercussão na mídia e na sociedade em geral. O Rei do Gado estreou dois meses após a morte de 19 sem-terra em Eldorado dos Carajás (PA), fato que tomou conta do noticiário da época e gerou muita discussão.
“Um dia, o Boni me ligou muito bravo porque eu coloquei os sem-terra na trama. Ele queria saber o porquê de não aparecer essa informação na sinopse”, disse Benedito Ruy Barbosa para o livro “Biografia da Televisão Brasileira”.
Depois de uma longa explicação e do compromisso de tratar da temática com cautela, o autor recebeu o sinal verde para continuar o trabalho nesse núcleo.
No auge da repercussão sobre o MST, Benedito recebeu um cartão em casa, sem assinatura, em tom de ameaça:
“Parabéns pelo que você arranjou. Sou fazendeiro e se aparecer alguém aqui como os de sua novela, aumento o muro três metros para ninguém sair mais”.
O autor sabia que, ao abordar a questão das grandes propriedades destinadas à criação de gado, não poderia deixar de citar a tão sonhada reforma agrária.
“A novela ajudou a fazer as pessoas nos olharem de maneira diferente. Nos deu status de cidadãos”, disse o presidente do MST na época, João Pedro Stédile.
Na mesma trama, Benedito Ruy Barbosa recebeu inúmeras críticas de políticos por causa da forma como mostrava ao telespectador o trabalho dos parlamentares.
Em uma marcante cena da novela, o Senador Caxias (Carlos Vereza) fez um discurso emocionado sobre os sem-terra enquanto no plenário havia apenas três senadores: um cochilando, outro lendo jornal e o terceiro falando ao celular.
No dia seguinte, o então senador Ney Suassuna subiu à tribuna do senado para protestar contra o que classificou como “distorção da realidade”. Segundo ele, a cena induzia a população a acreditar que não havia senadores honestos no país.
Contudo, a novela contou com as participações especiais dos senadores Eduardo Suplicy e Benedita da Silva, que gravaram para o funeral do Senador Caxias.
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Amor à Vida
Em 2013, em Amor à Vida, enfermeiros reclamaram de algumas frases absurdas usadas na trama.
Na época, o Conselho Regional de Enfermagem do Rio fez uma reclamação informal e um abaixo-assinado por causa da forma como a profissão era mostrada na novela.
Entre as frases usadas estavam “enfermagem é parque de diversões de médicos” e “é mais fácil contratar uma enfermeira do que uma empregada doméstica”.
A mesma trama também teve problemas com ex-chacretes. O alvos das críticas foi Márcia (Elizabeth Savalla), ex-chacrete, que já tinha sido prostituta, tinha ficha na polícia e desconhecia a paternidade de sua filha Valdirene, papel de Tatá Werneck. Isso irritou as antigas dançarinas do Chacrinha.
“Por causa da novela, tenho vergonha de dizer que fui chacrete. Quem não me conhece pode pensar que eu sou como ela”, defende-se Edilma Campos, que trabalhou com o Velho Guerreiro por quatro anos sob o codinome de “Rainha do Palmeiras”.
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Segundo Sol
Segundo Sol (2018) era ambientada na Bahia, no entanto a maioria dos personagens não eram baianos de verdade e eram brancos.
Na época, o Ministério do Trabalho expediu um documento com medidas que a emissora poderia adotar para promover maior inclusão de atores negros na trama.
Autor da novela, João Emanuel Carneiro deu uma entrevista no ano passado ao programa Conversa com Bial e admitiu que errou ao não ter escalado mais atores negros para a trama.
“Eu acho que tá certo. Tem que dar voz aos negros, fazer a novela com mais atores negros. E nesse evento aí, nessa ocasião do Ministério Público no Segundo Sol, eu aprendi. Acho que foi uma lição pra mim. Eu penso em fazer novelas diferentes também”, admitiu o novelista.