Nilson Xavier

Travessia começou mal, muito mal. A história patina, a audiência capenga e a repercussão é mais negativa que positiva. A média de Ibope na Grande São Paulo é de apenas 23 pontos.

Contudo, a novela está apenas começando. O público passou as últimas semanas totalmente voltado às eleições. Além do mais, a autora Gloria Perez já passou por situações em que precisou reverter um quadro de audiência baixa inicial e acabou se saindo muito bem.

Abaixo, relaciono 10 novelas que começaram cambaleando, mas deram a volta por cima. Confira.

O Outro Lado do Paraíso (2017-2018)

A novela estreou em outubro de 2017 e, a princípio, não cativou o público, passando pelo pior período para uma estreia: o fim de ano, com horário de verão e festas. Em janeiro de 2018, o autor Walcyr Carrasco não teve dúvidas e usou de todas as suas armas para chamar a atenção da audiência.

O dinamismo foi a maior qualidade do roteiro, que mostrou fôlego, com mil e uma reviravoltas, e o poder de fisgar o público e mantê-lo grudado na história, causando catarses e, assim, fidelizando a audiência.

Porém, para dar conta da trama ágil, Carrasco abriu mão de um texto mais elaborado e caiu no simplismo de diálogos repetitivos e rasteiros em entrechos batidos e situações forçadas, mandando a coerência e a verossimilhança às favas e subestimando o espectador. E assim, com uma trama envolvente, mastigada e de fácil assimilação, conquistou a audiência.

O Astro (1977-1978)

Acredite: um dos maiores sucessos de Janete Clair custou para engrenar. Em 1977, o horário das oito da Globo sofreu um baque com a péssima performance da novela Espelho Mágico. A missão de O Astro era levantar a audiência, porém, a novela estreou justamente quando a concorrente Tupi exibia no horário um dos maiores sucessos de Ivani Ribeiro: O Profeta. Diante de Espelho Mágico, o público preferiu prestigiar a concorrência.

Tendo estreado em dezembro de 1977, O Astro perdeu no Ibope para O Profeta em 19 de janeiro de 1978: uma média de 36.7 pontos para a Tupi contra 33.3 para a Globo (Grande São Paulo). Foi só a partir do capítulo 42, com o mistério envolvendo o assassinato de Salomão Hayalla, que a novela da Globo começou a chamar a atenção do público.

O Profeta foi concluída no final de abril de 1978, enquanto O Astro se estendeu por mais três meses. Em sua reta final, a trama de Janete Clair conquistou uma audiência extraordinária, com números superiores aos das transmissões dos jogos da seleção brasileira de futebol na Copa da Argentina: 80% em média.

Selva de Pedra (1986)

Diferentemente da versão original da novela, que fez sucesso do início ao fim, o remake de Selva de Pedra custou a conquistar o público. Um dos motivos pode ter sido a direção pesada de Walter Avancini. Na tentativa de levantar a trama, a produção passou por mais diretores.

Os 20 primeiros capítulos, dirigidos por Avancini, ficaram marcados pela estética e estilo “realismo mundo cão”, inspirado no cinema de Neorrealismo Italiano. Na troca de diretores, para ficar menos sombria, a novela ganhou mais luz e mais humor. O diretor artístico Paulo Ubiratan, em entrevista ao Jornal do Brasil, discordou do tratamento que Avancini dava à novela:

“Achei pesado e mudei tudo. A Janete Clair é pesadona e se você não suaviza luzes, cores e cenários, a novela fica triste”, afirmou.

Denis Carvalho substituiu Avancini, mas não ficou até o final. Quando a novela cativou a audiência, ele deixou a direção com José Carlos Pieri e Ricardo Waddington e foi preparar a novela substituta, Roda de Fogo.

Rainha da Sucata (1990)

Rainha da Sucata

Silvio de Abreu era convocado a fazer rir no horário nobre depois de sucessivos êxitos às sete da noite. Porém, o autor constatou que a faixa não era exatamente o espaço para comédia e, sabiamente, a novela foi transformada em um grande e irresistível drama. O diretor Daniel Filho mencionou esse fato em seu livro O Circo Eletrônico:

“Com um elenco estelar e várias tramas paralelas, Silvio de Abreu (…) não queria perder a sua marca, a comédia (…) Resultado: a mistura de gêneros tumultuou o início da novela. (…) O público reagiu, no início, com audiência abaixo do desejável. Detectado o problema, Silvio definiu bem os núcleos. Dividiu o humor, o drama e o romance, conseguindo atingir níveis excelentes nos números de audiência.”

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O Dono do Mundo (1991)

Os telespectadores torceram o nariz para a trama de Gilberto Braga. O Dono do Mundo teve de passar por uma significativa reformulação para chamar a atenção da audiência. Convidado a colaborar, Silvio de Abreu deu maior agilidade à trama, além de introduzir mudanças substanciais no perfil de alguns personagens. Aos poucos, a novela foi recuperando o público.

Pesquisas de opinião apontavam que ninguém suportava as vitórias do protagonista vilão, Felipe Barreto (Antônio Fagundes), e tampouco acreditavam que Márcia (Malu Mader), uma jovem com curso superior e vivendo no Rio de Janeiro do início da década de 1990, pudesse ser levada na conversa tão facilmente por ele. Nem os autores imaginavam que, na época, virgindade feminina ainda fosse um tabu no país.

A Próxima Vítima (1995)

A Próxima Vítima

De acordo com o Jornal de Brasil de 22 de março de 1995, a novela policial de Silvio de Abreu enfrentou rejeição em suas primeiras semanas. Foi uma queda de 17 pontos na audiência na medição em São Paulo. Conforme a matéria, os índices da novela, mesmo apresentando sinais de reação na segunda semana, não eram satisfatórios para o horário nobre.

Contudo, o impacto desfavorável tinha chances de ser revertido, como afirmou o diretor Jorge Fernando:

“A Próxima Vítima é uma novela que abre um leque imenso, com todos os tipos de ingredientes: morte, amor, comédia. E natural que acabe conquistando o público”, afirmou.

De fato, A Próxima Vítima logo se consolidou, tornando-se um dos maiores sucessos da Globo, aplaudida e lembrada pelo público até hoje.

Torre de Babel (1998)

Cacá Carvalho

A novela foi lançada com o slogan “Forte, verdadeira, emocionante”. Tão forte que afugentou os telespectadores, não acostumados a ver no tradicional horário das oito da Globo tanta violência e temas polêmicos, como drogas, assassinatos frios, violência dentro do lar e homossexualidade feminina.

Silvio de Abreu foi obrigado a mudar a história para conquistar o público que havia trocado de canal. E se saiu bem: a novela, que tinha um Ibope aquém do esperando na primeira parte, acabou por registrar ótimos índices de audiência nos últimos meses de exibição. Em entrevista à revista Quem (em outubro de 2010), Silvio explicou:

“Foi uma dor de cabeça… uma novela de enorme sucesso, mas com muito protesto, muita perseguição de ONGs e igrejas, pessoal da tradição, família e propriedade. E não foi só pelo casal lésbico. Era uma novela violenta. (…) Tinha o José Clementino (Tony Ramos) que matava a mulher, tinha o outro que morria de overdose… Era tudo muito forte”, disse.

América (2005)

América - Deborah Secco e Murilo Benício

Além do público, foi a própria autora Gloria Perez quem não gostou do que viu quando a novela estreou, o que acabou por gerar uma crise entre ela e o diretor Jayme Monjardim. Decorridos 25 capítulos no ar e 38 gravados, o diretor foi substituído por Marcos Schechtman e, o núcleo, pelo então diretor artístico da emissora, Mário Lúcio Vaz.

Com a saída de Monjardim, a novela passou por uma série de ajustes, desde a iluminação até a trilha sonora e a mudança de abertura. Gloria desabafou à Flávio Ricco e José Armando Vannucci para o livro “Biografia da Televisão Brasileira”:

“Na escrita, [a protagonista Sol] era uma mulher forte, cheia de gás, e na tela estava sempre chorando. O ajuste foi necessário para levar ao ar a história como ela estava sendo contada nos capítulos”, revelou.

A Favorita (2008)

O primeiro capítulo da novela de João Emanuel Carneiro obteve a pior audiência de estreia de um folhetim da Globo das 21 horas até então: média de 35 pontos no Ibope da Grande SP. A Favorita custou para “pegar” e só ganhou fôlego com a revelação de que Flora (Patrícia Pillar) era a assassina, fazendo com que a personagem-vilã cativasse finalmente a audiência.

Mesmo com o sucesso alcançado em sua segunda metade, a novela não conseguiu escapar de uma desagradável média geral no Ibope quando comparada com outras tramas da emissora no horário de outras épocas.

Morde e Assopra (2011)

Morde e Assopra

A novela de Walcyr Carrasco custou para engrenar, passando por uma série de percalços. Logo após a exibição dos primeiros capítulos, a imprensa começou a divulgar desentendimentos entre Carrasco e o diretor de núcleo Rogério Gomes, inclusive com a interferência direta do autor nos trabalhos de edição.

Com apostas criativas – dinossauros e robôs – não surtindo efeito, o autor rearranjou algumas tramas e personagens e resolveu apelar para o dramalhão rasgado, elevando uma história paralela ao enredo central. O drama da simplória vendedora de cocadas Dulce (Cássia Kiss), renegada pelo filho ingrato Guilherme (Klebber Toledo), ganhou mais destaque.

O público reagiu positivamente e a audiência subiu. Para não descaracterizar sua trama de vez, o autor colocou a protagonista “oficial” Júlia (Adriana Esteves) para contracenar com Dulce e Guilherme, funcionando como uma espécie de mediadora da relação mãe-filho.

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Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira. Leia todos os textos do autor