10 motivos que transformaram novela da Globo na melhor de todos os tempos

Vale Tudo

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Em 16 de maio de 1988, estreava um dos maiores sucessos da TV brasileira: a novela Vale Tudo, escrita por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, e dirigida por Denis Carvalho e Ricardo Waddington.

Foram três reprises com grande repercussão: uma no Vale a Pena Ver de Novo, em 1992, e duas no canal Viva, entre 2010 e 2011 e entre 2018 e 2019. Recentemente, a novela também entrou no catálogo do Globoplay.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Há uns três anos, promovi uma pesquisa com críticos, jornalistas e estudiosos da TV brasileira na qual pedi que apontassem as melhores novelas de todos os tempos. Vale Tudo foi unanimidade.

Listo abaixo 10 motivos pelos quais a considero imbatível, mesmo após mais de três décadas da sua estreia.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

LEIA TAMBÉM!

Confira:

Obra atemporal

Em 1988, não havia smartphones, internet, nem redes sociais. No entanto, Vale Tudo nunca deixou de ser atual. Entretenimento com pretensões de discutir e fazer refletir, a novela uniu folhetim a crítica social a partir de uma pergunta comum aos brasileiros: “Vale a pena ser honesto no Brasil?“.

A exibição da novela independe do momento social-político, já que o Brasil de 32 anos atrás, de certa maneira, não mudou muito ao longo dos anos. O DNA do brasileiro, retratado na história com uma lente de crítica social, é o mesmo de sempre.

Novela redonda

Qualquer novela passa por problemas e tem acertos e erros. Porém, acredito que Vale Tudo foi a que mais perto chegou da perfeição, como folhetim e como programa de televisão.

Resultado do texto, direção e elenco formidáveis, o que possibilitou a identificação do público com tramas e personagens fáceis de torcer, amar e odiar.

Com uma trama arrebatadora, dinâmica e empolgante, não houve barriga (aquele momento na história em que nada acontece). Em momento algum a novela fez o público perder o interesse. Poucas causaram essa comoção generalizada de forma tão completa e homogênea.

Elenco

O elenco em si já era uma atração à parte. Só uma atriz como Renata Sorrah para passar a credibilidade que a personagem Heleninha exigia. Nathalia Timberg viveu Tia Celina com o olhar, sutilezas e gestos contidos.

Glória Pires com a garra e segurança que Maria de Fátima demandava. Beatriz Segall ficou para sempre marcada pela megera Odete Roitman, a mãe de todas as vilãs de nossas novelas.

Também os talentos de Regina Duarte, Antônio Fagundes, Carlos Alberto Riccelli, Reginaldo Faria, Lídia Brondi e tantos outros.

Sequência clássicas

Muitas foram as cenas marcantes que entraram para a história de nossa TV:

– o assassinato de Odete e, depois, a elucidação do crime no último capítulo;
– a primeira cena de Odete, em que ela conversa ao telefone com Celina e só aparecem closes de sua boca e olhos;
– os discursos de Odete, conservadores, reacionários ou esculhambando o Brasil (como a cena do jantar no capítulo 34);
– a discussão de Fátima com o avô sobre honestidade no Brasil, no primeiro capítulo;
– os tapas na cara que Fátima levou, de vários personagens, ao longo da trama;
– Fátima se jogando do alto da escadaria do Teatro Municipal, para provocar um aborto;
– o flagrante de adultério de Afonso em Fátima e César: “Eu não transo violência!”;
– o casamento de Fátima com um príncipe italiano, no último capítulo;
– Raquel vendendo sanduíche na praia quando se depara com Fátima;
– Raquel rasgando o vestido de casamento de Fátima;
– os porres de Heleninha, em especial aquele em que ela dança bêbada em uma boate e pede um “mambo caliente”;
– Celina impedindo o refeitório de servir maionese estragada;
– Marco Aurélio fugindo do País em um jatinho e se despedindo com uma “banana” (o gesto com os braços), no último capítulo.

Os memes

Claro que os memes não existiam em 1988 (e se existiam não tinham a proporção e nem a mesma abrangência de hoje). Porém, em relação a Vale Tudo, surgiram em forma de frases e gifs animados de cenas a partir da primeira reprise no Viva (em 2010-2011), quando a novela virou uma febre nas redes sociais:

Que ano é hoje, Maurcaurélio?“, uma das melhores frases de Heleninha bêbada. Ou a célebre “Toca um mambo caliente aí, DJ!”, dançando na boate em um de seus porres homéricos;

Cherie“, dita ao final de cada frase por Solange Duprat, o protótipo da moça moderninha, independente e antenada;

Não comam essa maionese!“, por Tia Celina no episódio da maionese estragada;

Eu não transo violência!”, dita por César quando Afonso flagra ele e Fátima na cama; e várias outras referências ligadas à novela.

Pérolas de Odete

A personagem de Beatriz Segall proferia os maiores absurdos em um tempo em que o politicamente correto ainda não guiava os programas de TV e o senso comum.

Com língua ferina, a vilã nunca economizou preconceito, provocações ou frases ácidas:

– “E eu que pensei que alguma coisa tivesse mudado nesse país! Mas é só botar o pé no Galeão, você já começa a sentir esse calor horroroso, gente horrível no caminho, uma gente feia, parada, esperando uns ônibus caquéticos… o dólar a trezentos…”.

– “Eu também gosto [do Brasil], acho lindo, uma beleza! Mas de longe! Só em cartão postal!”.

– “Essa terra não tem jeito! Esse povo não vai pra frente. As pessoas aqui não trabalham! Só se fala em crise nesse país. Um povo preguiçoso! Isso aqui é uma mistura de raças que não deu certo!”.

– “A única solução para a violência é a pena de morte. E, para ladrão, para assaltante, cortar a mão em praça pública. Se cortasse a mão dessa gente, diminuiria o índice de violência nesse país. Não tenha a menor dúvida”.

– “Se eu encontrasse minha mãe vendendo sanduíche na praia, eu não viraria a cara para ela. Eu enterraria a cara inteira na areia! Minha mãe era uma jeca, mas não vendia sanduíche na praia”.

– “Essas pessoas, parece, que não viajam, que não aprendem, não vão a Paris. Não vão nem a Buenos Aires!”.

– “Essa gente não morre assim, não. (…) Tão acostumados a conviver com bactéria a vida inteira. Vivem dentro de bactérias. Tão mais do que imunizados!”.

– “Falar de Nordeste antes da hora do jantar me faz perder o apetite”.

– “Isto é banzo, minha filha! Coisa de índio e negro!”.

– “E você pensa que alguém aprende alguma coisa em universidade brasileira? Você quer se apresentar ao mercado de trabalho com um diploma assinado em tupi-guarani?”.

– “Você reserva para mim a suíte presidencial de um desses hotéis limpinhos aí. De preferência que não tenha um bando de mendigos na porta tentando agarrar a gente“.

Quem matou?

No capítulo 193, exibido em 24 de dezembro de 1988, a vilã Odete Roitman foi assassinada com três tiros à queima-roupa. O mistério da identidade do assassino durou apenas treze dias, mas dominou todas as conversas pelo país e tornou-se alvo de apostas, rifas e sorteios.

O fabricante de caldo de galinha Maggi promoveu um concurso para premiar quem adivinhasse o nome do assassino.

Os autores escreveram cinco versões diferentes para o último capítulo, ao qual o elenco só teve acesso durante a gravação da cena, poucas horas antes da exibição. Apenas um final foi gravado.

Nem o próprio elenco sabia, até ao momento em que o diretor Dennis Carvalho dispensou os demais atores anunciando que a criminosa era Leila, personagem de Cássia Kiss.

O Brasil parou diante da TV – literalmente – na noite do último capítulo da novela (em 06 de janeiro de 1989) para conhecer o desfecho da história.

É lembrada até hoje a cena em que Beatriz Segall escorrega na parede, deixando um rastro de sangue, e cai morta. Porém, como a bala atravessou a porta de vidro e não a estilhaçou em mil pedaços?

As lésbicas

Pela primeira vez, uma novela discutiu de forma explícita a homossexualidade. Nunca antes em nossa Teledramaturgia se falou sobre os problemas pelos quais passam pessoas em relação homoafetiva – no caso, as lésbicas Laís e Cecília, vividas por Cristina Prochaska e Lala Deheinzelin.

Mesmo assim, Vale Tudo enfrentou problemas com a censura do Governo Federal. Diálogos foram reescritos depois de vetada a cena em que Laís e Cecília falavam sobre os preconceitos de que eram vítimas.

Já sobre a morte de Cecília, o autor Gilberto Braga esclareceu em entrevista:

“Em Vale Tudo há um folclore. É o caso das lésbicas. A história que eu contei é exatamente igual à que queria contar. Não houve censura. Não houve alterações. Quando criei a personagem, sabia que ela morreria. Isso eu sempre planejei”.

[anuncio_6]

Trilha sonora

Os LPs de Vale Tudo com as trilhas nacional e a internacional foram sucessos de venda. A música da abertura, “Brasil“, de Cazuza gravada por Gal Costa, automaticamente remete à novela. Do disco nacional, destacaram-se também: “Tá Combinado” (Maria Bethânia), tema de Raquel e Ivan; “Pense e Dance” (Barão Vermelho), tema de Fátima; “Todo Sentimento” (Verônica Sabino), tema de Heleninha; “É” (Gonzaguinha), tema de locação; “Isto Aqui O Que É” (Caetano Veloso), tema de Raquel; e “Faz Parte do Meu Show” (Cazuza), tema de Solange.

Do disco internacional, vários hits das FMs da época: a melosa “Baby Can I Hold You” (Tracy Chapman), tocada incessantemente para as cenas de Raquel e Ivan; “Father Figure” (George Michael), tema de Marco Aurélio e Leila; “Piano in the Dark” (Brenda Russell), tema de Aldeíde; “Free As a Bird” (Supertramp), tema de Solange; “Paradise” (Sade), tema de Fátima; “Lost in You” (Rod Stewart); “Silent Morning” (Noel); “Pink Cadillac” (Natalie Cole) e outros.

[anuncio_7]

Novela premiada

Vale Tudo foi eleita pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) a melhor novela de 1988. Glória Pires (como Fátima) foi premiada a melhor atriz, Sérgio Mamberti (o mordomo Eugênio) o melhor ator coadjuvante, e Paulo Reis (o fotógrafo Olavo) o ator revelação do ano.

O Troféu Imprensa premiou Vale Tudo como a melhor novela do ano e Beatriz Segall a melhor atriz.

Autor(a):

Sair da versão mobile