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Com grande expectativa, a Globo estreava nova novela das nove em 16 de março de 2016. Alguns meses depois, em 28 de agosto do mesmo ano, para alívio da emissora, Babilônia chegava ao fim como uma das mais problemáticas produções que já passaram pelo horário nobre.
Escrita pelo experiente Gilberto Braga, em parceria com Ricardo Linhares e João Ximenes Braga, a trama, que contou com apenas 143 capítulos, foi o maior fracasso da história do horário e sai de cena com uma amarga média geral de 25 pontos, índice compatível com um folhetim das sete. Encurtada em praticamente dois meses (seu término era previsto para o fim de outubro), a produção – que chegou a empatar e a ter, algumas vezes, menos audiência que Malhação, Alto Astral e I love Paraisópolis – teve inúmeros equívocos e ficou pouco menos de seis meses no ar.
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A história tinha como protagonistas três mulheres, onde duas delas eram as vilãs e uma a mocinha. Beatriz (Glória Pires), Inês (Adriana Esteves) e Regina (Camila Pitanga) seriam os pilares de sustentação do enredo, que despertou boas expectativas, após a exibição das chamadas iniciais e do atrativo primeiro capítulo. Parecia um folhetim promissor, ao menos em torno da trama central.
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Vamos relembrar os erros cometidos que levaram a esse trágico resultado:
Beijo lésbico logo de cara
Ironicamente, foi um núcleo paralelo o causador da primeira polêmica: a novela sofreu uma forte rejeição do público logo na estreia em virtude de um beijo lésbico, protagonizado por Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg, intérpretes de Teresa e Estela. Claro que o fato de terem exibido o beijo logo na estreia, sem o telespectador conhecer a história das personagens, foi o fato agravante dessa ‘rejeição’. Infelizmente não deveria ser assim, mas parte da audiência é muito conservadora. Entretanto, este nunca foi um problema da novela. Pelo contrário, a relação de Estela e Teresa sempre foi muito bonita e telespectador reclamando sempre terá, faz parte. Houve um foco tão grande em cima dessa circunstância que ocorreu um certo ‘esquecimento’ em torno do conjunto da obra, esse sim equivocado. O casal era o de menos.
Fragilidade no roteiro
O erro de Babilônia foi a clara fragilidade no roteiro, tanto no núcleo principal, quanto nos paralelos. Os personagens também não foram bem construídos pelos autores, com raras exceções. Não havia estrutura para sustentar a novela por tantos meses e a principal prova foi a rivalidade entre Inês e Beatriz, que se transformou na grande decepção da trama. Após um excelente embate no primeiro capítulo, o ódio mortal aparentemente era a garantia da condução desta relação das inimigas, que prometiam ser vilãs memoráveis. Só que não foram. As duas acabaram virando duas chatas implicantes e o enredo em torno delas – o assassinato de Cristóvão (Val Perré) e o controle da empresa de Evandro (Cássio Gabus Mendes) – cansou rapidamente. Os autores ainda tentaram provocar algumas viradas, como a ‘explicação’ para o ódio de Inês (uma vingança nada convincente), que não funcionaram e expuseram incoerências na história.
Modificações sem sentido
Ocorreram ainda modificações no desenvolvimento de algumas tramas paralelas, em virtude das críticas dos telespectadores – o chamado ‘grupo de discussão’. Alice (Sophie Charlotte), logo no primeiro capítulo, revidou um tapa que levou da mãe e mostrou que teria atitude. A garota ainda se apaixonaria pelo cafetão Murilo (Bruno Gagliasso) e seria uma de suas prostitutas. Ela até se apaixonou pelo canalha, mas resolveram transformá-la em uma menininha pura e idiota por medo da reação do público – ainda fizeram mãe e filha ter uma relação de cumplicidade, o que era inimaginável e absurdo. Ou seja, o vilão foi perdendo a função e juntaram a menina com o Evandro, que inicialmente era um corrupto, até se arrepender subitamente depois de ficar com a filha de Inês. Outra alteração brusca foi a do perfil interpretado por Marcos Pasquim. Carlos seria um gay enrustido que se envolveria com Ivan (Marcelo Mello Jr.); entretanto, foi transformado em hétero porque muitas mulheres não gostaram de ver um ‘símbolo do machão’ (estereotipado pelas novelas do Carlos Lombardi) ficando com outro homem. Então, o personagem se interessou por Regina (Camila Pitanga).
A importância do casal Teresa e Estela também foi diminuída, privando o público de acompanhar com frequência as grandiosas Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg. Já Rogéria, que entraria pouco antes da metade de trama na pele da exuberante Úrsula Andressa, só foi inserida no enredo bem depois. E Cris (ótima Tainá Muller) – uma mulher bem resolvida e arrogante – virou uma surtada, sem controle emocional algum, que passou a correr atrás do mocinho Vinícius (Thiago Fragoso), seu ex, e ainda começou a praticar crimes. Já Herson Capri entraria para interpretar um bandido perigoso, mas o marginal Osvaldo foi passado para Wernner Schunemann, e ele, no entanto, acabou virando um empresário de caráter duvidoso (Otávio), que enganava Beatriz a mando de Inês. Enfim, foram várias alterações no roteiro. Só que, lamentavelmente, os autores conseguiram piorar o que já estava ruim. Ou seja, mutilaram a própria obra e nem ao menos conseguiram deixá-la atrativa.
Mocinha chata
Já a mocinha, aliás, também sofreu mudanças. Honrando os seus times de mocinhas chatas, os autores criaram uma mulher barraqueira, politicamente correta e que queria mandar na vida de todo mundo. A atriz fez o que pôde, mas não conseguiu evitar a irritabilidade de sua protagonista. Após muita rejeição e gritos (além da cansativa gíria Playba), Regina virou uma modelo bem-sucedida e classuda. Parecia outra pessoa.
Faltou dramaturgia
Uma das maiores bobagens citadas ao longo da exibição de Babilônia foi a respeito dessas mudanças: muitos disseram que se a novela não tivesse sido alterada em função do público teria sido um baita folhetim. Não é verdade. As falhas na estruturação da obra, na construção dos conflitos e na elaboração dos casais ficaram explícitas em todo momento. Houve ainda um excesso de ‘panfletagem’ em torno do racismo, homofobia e outros temas importantes, mas, que, não contribuíram para o desenvolvimento da história. Talvez a trama da Alice e do Murilo tivesse ficado mais interessante, mas o restante continuaria com os mesmos equívocos, infelizmente. Faltou dramaturgia, faltou personagem para torcer ou amar odiar.
Fraco núcleo cômico
Além de todas as falhas já mencionadas, é preciso citar ainda o fraco núcleo cômico. As situações envolvendo Clóvis (Igor Angelkorte), Valeska (Juliana Alves) e Norberto (Marcos Veras) eram cansativas e nada engraçadas. Os atores estavam muito bem e entrosados, mas nada em torno dos personagens despertava interesse. O triângulo ficou em meio a ‘trapalhadas’ repetitivas e parecia uma trama avulsa, sem qualquer ligação com os demais núcleos. O mesmo vale para o núcleo do salão de beleza, encabeçado pela preconceituosa Ivete (Mary Sheila), que mal apareceu e não fez diferença alguma para a história. A família de Luis Fernando (Gabriel Braga Nunes apático) e Karen (Maria Clara Gueiros) também não funcionou e foi lamentável ver a grande Rosi Campos desperdiçada mais uma vez, após Insensato Coração (dos mesmos autores), Amor Eterno Amor, Salve Jorge e Joia Rara – tramas que também não a valorizaram.
Casal protagonista não teve química
Já o casal protagonista não teve química. Camila Pitanga e Thiago Fragoso fizeram um bom trabalho, mas Regina e Vinícius eram cansativos e o romance deles nunca empolgou. Aliás, esse costuma ser um problema de Gilberto Braga (e, claro, de seus parceiros), que raramente consegue criar mocinhos com relacionamentos amorosos cativantes. Afinal, basta relembrar dos últimos protagonistas: Maria Clara Diniz (Malu Mader) e Fernando (Marcos Palmeira) em Celebridade; Paula (Alessandra Negrini) e Daniel (Fábio Assunção) em Paraíso Tropical; e Marina (Paolla Oliveira) e Pedro (Eriberto Leão) em Insensato Coração – todos pares rejeitados e fracos. O ‘padrão’, portanto, foi mantido. Ainda é preciso enfatizar que os demais casais da novela das nove também não foram nada atrativos, com exceção de Rafael e Laís.
Subaproveitamento de atores talentosos
Mais um problema que merece menção foi o subaproveitamento de vários atores talentosos. Além do caso de Rosi Campos, nomes como Daisy Lucidi (Dulce), Jacqueline Laurence (Simone), Luisa Thiré (Flávia) e Lu Grimaldi (Olga) – que voltou à Globo, após um longo período na Record – tiveram pouco destaque e foram apenas figurantes de luxo. Em virtude das mudanças no enredo, Marcelo Mello Jr. foi outro prejudicado, uma vez que seu Ivan ficou avulso durante uma boa parte da novela, ganhando destaque apenas na reta final, quando o rapaz foi atropelado e ficou paraplégico – a situação, inclusive, pareceu uma ‘saída de emergência’ para sobressair o ator ao menos no final. É necessário citar novamente a perda de importância de Teresa e Estela, deixando de lado duas das maiores atrizes brasileiras.
Reta final fraca
A reta final da história se mostrou tão fraca quanto o conjunto da obra, mas o penúltimo foi atrativo, lembrando a boa estreia que a novela teve. A volta de Otávio foi surpreendente, principalmente porque nenhum veículo da imprensa se preocupou em descobrir os desfechos, uma vez que a trama fracassou. A armação do personagem vivido por Herson Capri lembrou a de Max (Marcello Novaes) em Avenida Brasil, quando o mesmo retornou, após todos terem pensado que ele havia morrido. A cena em que o empresário surge para Diogo (Thiago Martins) e fala de sua parceria com Osvaldo foi ótima. O mesmo vale para a sua aparição diante de Beatriz, que se chocou ao vê-lo.
Último capítulo completamente equivocado
Entretanto, o último capítulo foi completamente equivocado. A revelação do assassino de Murilo foi totalmente forçada. Otávio o matou por ciúmes de Beatriz e o festival de explicações dadas só deixou tudo ainda pior. Toda a sequência, aliás – incluindo súbita chegada de Diogo -, foi fraca e nada empolgante. Inês e Beatriz ficarem em uma mesma cela foi interessante, mas a situação não convenceu, até porque a advogada foi presa por um crime que não cometeu e a ‘justiceira’ Regina nem se importou. A mocinha, vale ressaltar, mal apareceu. Foram rápidos momentos do casamento com Vinícius e uma cena final na praia. O desfecho das vilãs honrou o que Beatriz falou na estreia – Nós vamos juntas para o fundo do poço de mãozinhas dadas, afinal, é para isso que servem as amigas -, porém, a sequência, que tinha tudo para ser ótima, foi mal realizada e a queda do carro do penhasco nem sequer foi mostrada. Elas morreram e ninguém ficou sabendo da fuga do presídio e a delegada nem conseguiu concluir a investigação que passou a novela toda fazendo.
O final só não foi trágico (no pior sentido da palavra) porque a cena do casamento de Regina e Vinícius proporcionou dois momentos ótimos: o beijo de Estela e Teresa, e o beijo de Ivan e Sérgio. Duas manifestações legítimas de carinho para acabar de vez com este cansativo ‘tabu’ que já deveria ter sido extinto. Outro ponto que merece uma menção honrosa foi o desfecho do prefeito Aderbal, que acabou preso no dia da posse, sendo ‘substituído’ pela sua vice, a mãe Consuelo. Um triste retrato do Brasil. E esse núcleo foi mesmo o único que funcionou a contento. Arlete Salles e Marcos Palmeira excelentes. Já o restante do capítulo foi facilmente dispensável.
Babilônia chegou ao fim sem motivo para comemoração. Com uma audiência catastrófica, a novela de Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga apresentou um conjunto de equívocos e foi rejeitada por público e crítica. A trama ‘prejudicou’ a festa dos 50 anos da Globo, uma vez que todas as produções exibidas pela emissora em 2015 (pelo menos até agora) tiveram um bom retorno, com exceção desta.
Esse folhetim, lamentavelmente, não será lembrado pelas suas qualidades, e sim, pelos inúmeros problemas que o acompanharam. Porém, a nada agradável lembrança poderá servir como um alerta em torno na elaboração das futuras obras de ficção. Claro que outros ‘desastres’ vieram e virão, uma vez que não existe receita de sucesso – e audiência nem sempre implica em produto bom, vale ressaltar; entretanto, uma história desenvolvida por três autores e vários colaboradores não poderia se dar ao luxo de ter tantos tropeços. A produção saiu de cena sem deixar saudade e responsável pelo próprio fracasso.