10 equívocos que explicam o fracasso de Nos Tempos do Imperador
05/02/2022 às 10h14
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Alessandro Marson e Thereza Falcão estrearam como novelistas com o pé direito. Novo Mundo, exibida em 2017, conseguiu mesclar elementos históricos com dramas folhetinescos de forma hábil e se mostrou uma novela repleta de bons conflitos, ótimos personagens e muita ação. O sucesso foi tanto que a dupla resolveu criar uma espécie de continuação com Nos Tempos do Imperador, cujo final foi ao ar nesta sexta (04). Infelizmente, não tiveram o mesmo êxito.
Os autores acharam que tinham a fórmula do sucesso, mas a verdade é que nunca descobrirão a tão cobiçada receita. Nenhum escritor vai. Ainda mais em novelas, onde a resposta do público vem de forma imediata, ao mesmo tempo que pode ser conquistada ao longo dos meses.
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Repetição de Novo Mundo
Alessandro e Thereza se preocuparam em repetir quase tudo o que deu certo em Novo Mundo, principalmente no núcleo central e na estruturação do enredo. Quem viu a primeira novela conseguiu identificar todas as similaridades da narrativa.
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Todavia, desta vez praticamente nada que deu certo no enredo passado realmente funcionou. O sucesso de Germana (Vivianne Pasmanter) e Licurgo (Guilherme Piva) virou um dos trunfos de Novo Mundo e os personagens participaram da primeira fase de Nos Tempos do Imperador, bem velhinhos, através de uma licença poética da ficção.
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Afinal, pobres e sujos como eram, teriam morrido de qualquer doença muito antes da velhice, ainda mais naquela época. Mas foi um artifício válido.
Uma pena que ficou explícito que o casal não tinha a mesma graça na nova história. Isso porque ficaram avulsos e protagonizando esquetes forçadas.
Núcleos sem força
Um dos êxitos do outro folhetim era que os personagens interligavam todos os núcleos. Ou seja, o humor era consequência. Houve uma preocupação em mantê-los na nova novela, mas esqueceram de criar um enredo. Ao menos a cena de despedida, com a morte dos picaretas atropelados por um trem, foi cômica e sensível, honrando o talento dos atores.
Cerca de 35 anos se passaram entre o final de Novo Mundo e o início de Nos Tempos do Imperador. Depois a novela se fixa em 1864 e passa por 1867, até a passagem final de tempo do último capítulo.
As linhas estruturais das novelas foram praticamente idênticas, vide o quarteto central guiando o enredo principal. Mas Pilar (Gabriela Medvedovski) e Samuel (Michel Gomes) não tiveram a força de Joaquim (Chay Suede) e Anna Milmann (Isabelle Drummond), até porque a construção do amor do casal foi apressada e pouco crível para o período histórico.
Passividade da Família Imperial
A passividade de Dom Pedro II (Selton Mello) também pesou contra o protagonista, ainda que seja um retrato relativamente fiel da figura presente nos livros de história. Bem diferente da altivez de Pedro I (Caio Castro) da produção anterior.
Já as narrativas de Teresa Cristina (Letícia Sabatella) e Leopoldina (Letícia Colin) tiveram a mesma aceitação do público, que criou empatia pelas personagens. Claro que com Letícia a repercussão foi imensa porque a trama foi um sucesso, ao contrário do roteiro recém-encerrado.
Mas é uma pena que Teresa tenha perdido a importância na reta final sem a cansativa rivalidade com a condessa de Barral (Mariana Ximenes) e sem a questão das filhas procurando casamento.
Romance antipático
Aliás, todo o desenvolvimento da relação entre Luísa (Mari Ximenes) e Pedro II se mostrou forçado, o que facilitou a antipatia de quem assistia.
Os autores se preocuparam em diferenciar a amante de Domitila (Agatha Moreira), que foi vilanizada em Novo Mundo, mas se esqueceram do contexto do relacionamento com o imperador. Um dos maiores erros da novela foi a questão dos amores dos protagonistas. Difícil torcer por algo que não foi bem trabalhado.
Talvez teria sido bem mais exitoso um certo tom vilanesco na condessa, o que destacaria o talento de Mariana e movimentaria mais o roteiro, que pecou pela repetição ao longo dos meses – sempre era um rodízio enfadonho: troca de cartas amorosas, uma transa às escondidas, o ciúme de Teresa, os dois sofrendo e a situação recomeçando na semana seguinte.
Copiaram tanto a estrutura na novela anterior e ainda erraram no pouco que quiseram diferenciar. Outro elemento que os escritores tentaram reproduzir foi o humor de Germana e Licurgo com Batista (Ernani Moraes) e Lota (Paula Cohen).
Apesar do talento dos atores, não funcionou. O núcleo era deslocado e andava em círculos. E os perfis que estavam sempre com eles foram perdendo a relevância com o tempo, vide Lupita (Roberta Rodrigues) e Bernardinho (Gabriel Fuentes).
Poucos êxitos
No entanto, uma cópia de Novo Mundo se mostrou muito melhor que a original: Tonico Rocha. Alexandre Nero virou um dos trunfos da novela e deu um banho de interpretação ao longo da trama. O vilão iniciou a história sendo uma espécie de bonachão e despertava muitas risadas, mas foi ficando cada vez mais maquiavélico e cruel, embora o traço cômico não tenha sido totalmente dissolvido.
O malvado, que tinha obsessão pelos mocinhos e ainda atrapalhava o governo de Pedro II, tinha as mesmas funções do cansativo Thomaz (Gabriel Braga Nunes) do enredo de 2017. Mas foi um personagem muito mais atrativo graças ao carisma de Nero e ao texto dos autores, sempre com boas tiradas a situações atuais, como o esquema de rachadinha e frases relacionadas ao presidente.
Outro êxito do folhetim, e que estava no mesmo núcleo de Tonico, foi o casal Dolores e Nélio. Daphne Bozaski e João Pedro Zappa viraram os mocinhos morais e roubaram a cena. A sintonia era bonita de ver e as cenas repletas de sensibilidade. Não por acaso, o melhor capítulo da trama foi protagonizado pelo trio, quando o vilão tentou matar Nélio para o desespero de Dolores.
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Pequena África
É preciso criticar ainda todo o contexto em torno da Pequena África. O local foi uma licença poética dos autores para expor personagens negros que não eram mais escravizados e nem sofriam represálias por isso.
Porém, Alessandro e Thereza venderam uma ideia nas coletivas de uma espécie de ‘reino’, uma vez que Zayla (Heslaine Vieira) seria a princesa e seus pais – Cândida (Dani Ornellas) e Dom Olu (Rogério Brito) – os reis do lugar. Mas não tinha nada de poético ou lúdico ali.
Os personagens mal apareceram e serviram apenas como uma base de apoio para expor a ‘bondade’ de Dom Pedro II – passou a impressão do ‘imperador nem ser racista porque, afinal, tinha amigos negros’.
E a vilania de Zayla foi uma decepção. A personagem viveu em função do mocinho praticamente a novela inteira. Estava sempre armando algo para separar Samuel de Pilar. Nem as vilãs da agora extinta Malhação faziam isso nos últimos anos.
Seria muito mais atrativo o desenvolvimento de sua relação com Guebo (Maicon Rodrigues). Mas o relacionamento só foi iniciado quando o rapaz estava com Justina (Cinara Leal), já na reta final, o que implicou na traição de Guebo.
Falta de graça
O núcleo do cassino tinha a função da comicidade, mas falhou no objetivo. Quinzinho (Augusto Madeira) protagonizava situações repetitivas e as brigas com Clemência (Dani Barros), sua então esposa, não tinham graça.
No entanto, a trama ganhou quando Vitória (Maria Clara Gueiros) – a filha crescida de Anna e Joaquim – chegou ao local. A atriz adotou um tom farsesco para sua personagem e a fungada em virtude de uma constante crise alérgica virou uma boa marca.
E a trama apresentou o melhor plot twist do enredo na reta final: ao invés do clichê saturado das mulheres que rivalizam por um homem, Vitória e Clemência se apaixonaram. E as duas esbanjaram delicadeza juntas, surpreendendo o público.
Vale até elogiar as várias cenas de beijo que protagonizaram em pleno horário das seis – foi a terceira novela da faixa a exibir um beijo entre iguais, após Orgulho & Paixão e Órfãos da Terra.
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Final não empolgou
Já os acontecimentos finais da trama não empolgaram. Após a aguardada cena em que Isabel (Giulia Gayoso) descobriu o caso de seu pai com a condessa, a personagem perdoou sua preceptora com uma incrível rapidez. Diluiu todo o impacto da sequência.
E Tonico sequestrar o filho de Luísa para não ser preso por seus crimes foi a última tentativa de colocar a amante de Pedro II como uma pobre vítima sofredora, já que Teresa sofreu bem mais que ela ao longo da história.
O assassinato de Tonico, a dois capítulos do fim, criou um clima de ‘quem matou?’ e o desfecho foi surpreendente: Dolores atirou na perna do vilão, mas Lota foi a assassina e ainda jogou o corpo do rio com a ajuda de Celestina (Bel Kutner).
A melhor cena do último capítulo, que ainda teve o casamento de Dolores e Nélio, comprovando que os personagens realmente viraram os mocinhos morais da trama.
Já a última cena merece elogios com Selton Mello narrando o triste final de Pedro II e Teresa Cristina e ‘reencarnando’ como um professor nos dias atuais mostrando as consequências do incêndio do Museu Nacional, ocorrido em 2018, a seus alunos – todos com o uniforme do tradicional Colégio Pedro II. Uma pena que o final triste de Leopoldina e Isabel não tenha sido narrado.
Racismo
Vale lembrar que a novela se mostrou problemática na abordagem dos negros logo no começo, quando Samuel falou sobre ‘racismo reverso’ e precisou ouvir de Pilar que aquilo não existia. Uma branca ensinando a um negro.
As tentativas de colocar Dom Pedro II como abolicionista – e um justo homem que não podia fazer nada a favor do fim da escravidão por causa do congresso – soaram ridículas.
Para culminar, nesta semana a jornalista Monica Bergamo, do UOL, publicou uma notícia a respeito do recebimento da Globo de denúncias de racismo nas gravações da trama. E ao que tudo indica são fatos verídicos, pois Roberta Rodrigues não gravou o final de Lupita e na época das gravações foi divulgado que a atriz tinha contraído Covid-19. Mas ela negou recentemente e deixou claro que havia algo por trás.
Dani Ornellas também postou em seu Instagram ano passado uma indireta bem direta: O diretor diz: ‘O elenco vem comigo e os pretos ficam aqui’. Oi, diretor. Eu que sou do elenco e sou preta. Fico aqui ou vou com você? E acreditem se quiser, o diretor ficou com raiva por eu perguntar, finalizou a intérprete. Seria qual diretor? Era sobre a novela? Enfim, a produção ter uma denúncia do tipo em sua última semana de exibição não deixa de ser um fechamento de ciclo que fez jus aos problemas que a história apresentou.
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Conteúdo não honrou embalagem
Nos Tempos do Imperador apresentou chamadas promissoras e um incontestável capricho nos figurinos, além de uma fotografia belíssima, mas o conteúdo não honrou a embalagem.
A tentativa de repetir o sucesso de Novo Mundo fracassou. Alessandro Marson e Thereza Falcão não foram felizes no desenvolvimento da continuação da história do Brasil, tão bem contada em 2017. A intenção dos autores era fazer uma trilogia e o terceiro folhetim ser voltado para a princesa Isabel – e consequentemente a assinatura da Lei Áurea.
No entanto, diante do que foi visto na ‘segunda parte’, é quase certo que fiquem apenas na intenção mesmo.