Inovadora, novela que revelava segredo dos artistas foi rejeitada pelo público

11/11/2024 às 14h10

Por: Nilson Xavier
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Há 44 anos, o novelista Lauro César Muniz propôs uma ideia inovadora para o universo da telenovela: desvendar ao público os bastidores da produção de uma novela de televisão e os problemas enfrentados pela classe artística. Era junho de 1977 e as chamadas de estreia deixavam claras as intenções do autor:

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Espelho Mágico – revelando a você a vida de um famoso casal de televisão, o aparecimento de um novo autor de novelas, de um velho cômico do teatro de revista, a ambição de uma jovem atriz, o fracasso de uma outra, e daquela que abandonou a carreira por um bom casamento. Você vai conhecer a verdade de uma bailarina, de um jornalista, de uma vedete de teatro. Tudo o que você sempre quis saber sobre a vida no teatro, cinema e TV. Espelho Mágico, onde a vida imita a arte!”

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Para interromper o processo de que os artistas são mitos inatingíveis, a novela procurou mostrar o outro lado – isto é, que eles são, no dia a dia, pessoas comuns, em uma época em que não havia a glamourização das redes sociais (principalmente Instagram). Uma ideia genial de Lauro César Muniz, mas incompreendida pelo grande público.

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A novela dentro da novela

Espelho Mágico foi dividida entre a realidade cotidiana – os atores-personagens vivendo suas vidas e problemas – e a arte através dos espetáculos, principalmente por meio da peça de teatro e da novela produzidas dentro da trama. Espelho Mágico era estrelada pelo casal Tarcísio Meira e Glória Menezes, que viviam um famoso casal de atores: Diogo Maia e Leila Lombardi, protagonistas de uma novela de televisão.

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Assim, o público assistia a duas novelas: Espelho Mágico e, dentro dela, Coquetel de Amor, a novela dentro da novela – escrita por Jordão Amaral (Juca de Oliveira) e dirigida por João Gabriel (Daniel Filho, o próprio diretor de Espelho Mágico). Ainda no elenco, os atores Paulo Morel (Tony Ramos), Diana Queiroz (Vera Fischer), Nora Pelegrine (Yoná Magalhães), Cynthia Levy (Sônia Braga) e outros.

O público não entendeu

A metalinguagem proposta por Lauro César Muniz não foi bem captada pelo telespectador, o que fez de Espelho Mágico uma das produções mais polêmicas da história de nossa televisão. A repercussão foi mais pelos comentários que suscitou do que pela audiência alcançada. Por incrível que pareça, o público estava mais interessado na fantasia da trama de Coquetel de Amor do que na realidade dos problemas dos artistas de Espelho MágicoDaniel Filho, o diretor, desabafou em seu livro “O Circo Eletrônico”:

Hoje, para mim, é claro que, para fazer uma paródia revelando os truques a que recorríamos para fazer as novelas, devíamos utilizar outros gêneros que não a própria novela. Foi uma queda de quase 20 pontos na audiência, numa época em que a TV Globo era a dona absoluta no horário. (…) Possivelmente, se tivéssemos feito uma novela sobre os heróis da televisão sem expor os seus defeitos, o resultado não tivesse sido tão repudiado.

Suposto plágio

Houve até quem enxergasse plágio na trama de Coquetel de Amor. A história central lembrava nitidamente outra novela: O Semideus (1973-1974), de Janete Clair. O acidente de iate forjado para eliminar o protagonista de O Semideus foi recriado em Coquetel de Amor, com o mesmo ator inclusive, Tarcísio Meira.

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Com sua trama metalinguística, Lauro César Muniz quis fazer referências a cenas marcantes de histórias de seus colegas. Janete Clair não gostou dessa citação à sua novela, mas não foi intenção de Lauro criticar a sua obra. A ideia era brincar com as repetitivas tramas folhetinescas. “É um coquetel carinhoso de todas as novelas”, explicou Lauro César Muniz, fazendo alusão a outra obra sua: Carinhoso (1973-1974).

Personagens baseados nos próprios atores

Além de Tarcísio e Glória, que viviam na ficção um famoso casal de atores de televisão (como na vida real), outros atores do elenco também tiveram suas trajetórias retratadas em Espelho Mágico.

Vera Fischer, estreando em novelas, vivia uma ex-miss que tentava a carreira de atriz de TV, depois de ter participado de pornochanchadas no cinema – como ela própria havia sido. Djenane Machado interpretava uma atriz de teatro de revista, como o pai, vivido por Lima Duarte. Djenane é filha de Carlos Machado, considerado o “rei da noite carioca” nos anos 1950 e 1960. A atriz cresceu no auge da era dos teatros de revista, entre a produção de shows e espetáculos de teatro produzidos e dirigidos pelo pai.

Lima Duarte era Carijó, um produtor de espetáculos de revista resistente à mudança dos tempos. Seus shows não atraíam mais o público, restando-lhe se render à televisão, veículo com o qual ele não conseguia se adaptar. Carijó aparece participando do programa humorístico A Praça da Alegria, (antigo A Praça é Nossa, que estava na Globo na época).

Outra personagem interessante era Nora Pelegrine, uma veterana atriz que fizera sucesso no passado. Ela vivia de lembranças e tinha mágoa de não ser mais prestigiada. Nora não se cansava de assistir ao filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, dos anos 1960, do qual havia sido a estrela. A atriz Yoná Magalhães de fato participou do longa que, na novela, era exibido com suas cenas.

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No elenco, os atores-personagens de Espelho Mágico, como Diogo Maia e Leila Lombardi, misturavam-se a atores reais que apareciam na novela como eles mesmos – como Bibi Vogel, que atuava na peça Cyrano de Bergerac, montada dentro da novela, e Nelson Caruso, Jorge Botelho e Maria Lúcia Dahl, que estavam em Coquetel de Amor. Enquanto Daniel Filho dirigia Espelho Mágico, seu personagem, João Gabriel, dirigia Coquetel de Amor.

A novela não se limitava às abordagens de atores de teatro, cinema e televisão. Havia a bailarina, personagem da atriz Heloísa Milet, que também era bailarina; e o dublador vivido por Milton Moraes, ator que havia trabalhado com dublagem.

A classe jornalística reclamou

Alguns jornalistas sentiram-se atingidos por causa do personagem Edgar Rabelo (Carlos Eduardo Dolabella), especializado em cobertura jornalística do mundo artístico, por usar de vários artifícios para entrevistar os atores, além de algumas vezes escrever matérias bombásticas sobre televisão – muito antes do venenoso colunista Téo Pereira, vivido por Paulo Betti em Império (2014-2015), de Aguinaldo Silva.

De quebra, na trama, Edgar era colunista da fictícia revista Magia, anagrama de Amiga, famosa revista sobre televisão. Rapidamente a revista da vida real viu provocação tanto no jornalista quanto na revista da ficção.

A crítica aplaudiu

Espelho Mágico foi premiada pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) como Melhor Novela de 1977. Lídia Brondi ganhou o prêmio de Revelação e Lima Duarte foi o Melhor Ator.

AQUI tem tudo sobre Espelho Mágico: a trama, elenco completo, personagens, trilha sonora e muitas curiosidades.

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