Falas Negras é de uma importância imensurável para este momento

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O ano de 2020 tem sido marcado por muitas tragédias motivadas, direta ou indiretamente, pelo racismo: o assassinato do adolescente João Pedro Matos Pinto, no Rio de Janeiro, em maio; o assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos, também em maio; a morte do menino Miguel, no Recife, em junho; e, nessa quinta-feira (19), o assassinato de João Alberto Silveira Freitas por seguranças do Carrefour, em Porto Alegre.

Com os ânimos ainda inflamados pelo crime brutal contra João Alberto, com manifestações por todo o país, nessa sexta-feira (20), Dia da Consciência Negra, a TV Globo exibiu o especial Falas Negras. Por meio de depoimentos reais encenados por atores, o programa aborda não só os acontecimentos acima (com exceção da morte de João Alberto) como também a luta contra o racismo por figuras emblemáticas da história.

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Tatiana Tibúrcio como Mirtes Santana (reprodução)

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Infeliz coincidência

Por uma infeliz coincidência, a exibição de Falas Negras – bem como a celebração do Dia da Consciência Negra – ganhou um peso potencializado pela tragédia em Porto Alegre, pela fala infeliz do vice-presidente Hamilton Mourão (que afirmou que não existe racismo no Brasil) e por toda a repercussão desses acontecimentos, o que intensificou ainda mais a importância do projeto e a aquiescência do público.

Criado e escrito por Manuela Dias (autora de Amor de Mãe e Justiça), com direção artística de Lázaro Ramos, o programa (que está disponível no Globoplay) apresenta 22 registros biográficos com atores caracterizados, dirigindo-se à câmera, interpretando depoimentos ora contundentes ora reflexivos, em primeira pessoa, o cenário e a luz são teatrais.

Taís Araújo como Marielle Franco (reprodução)

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Elenco poderoso

Dizer que a direção, a produção (arte, cenários, figurinos, caracterizações, fotografia) e as interpretações do elenco são soberbas é insuficiente. Cada ator – alguns conhecidos do grande público, vários não – é captado entregando seu texto em representações que vão da sutileza à visceralidade.

Todo elenco está espetacular (vide relação abaixo), mas não há como não destacar Silvio Guindane e Tatiana Tibúrcio, ele representando Neilton Pinto, pai do adolescente João Pedro, e ela como Mirtes Santana, mãe do menino Miguel.

Silvio Guidane começa sua representação com os olhos inchados e entrega toda a revolta do pai incrédulo ante o assassinato do filho, enquanto Tatiana Tibúrcio (que também trabalhou como preparadora do elenco) vai da indignação ao choro doído e comove da mesma forma que a Mirtes real comoveu o país com seu drama.

A importância de Falas Negras é de uma amplitude – eu diria – imensurável. Pela temática urgente em um ano e um momento tão sintomáticos e também pela representatividade negra na televisão. São 22 artistas provando que a TV brasileira e – sobretudo – a teledramaturgia ainda devem muito de seu espaço ao negro. Imagine uma novela com um elenco poderoso como esse!


Silvio Guindane como Neilton Pinto (reprodução)

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Relação do elenco e os perfis dos personagens (extraído do material de divulgação fornecido pela TV Globo)

Heloísa Jorge: Nzinga Mbamde – A rainha do Reino do Congo e Matamba nasceu na Angola e viveu entre 1583 a 1663. Simboliza a resistência africana à colonização e a comercialização de escravos. Mulher combatente e destemida, chefiou pessoalmente o exército até os 73 anos de idade.

Reinaldo Júnior: Mahommah G. Baquaqua – Ex-escravizado, viveu entre 1820 e 1857, nasceu na África Ocidental (atual Benin), veio em um navio negreiro que aportou em Pernambuco. O trabalho em um navio mercante o levou para os Estados Unidos. Em Detroit, publicou sua biografia, que é um dos poucos registros da época contados nas palavras de um negro escravizado no Brasil, e que descreve em detalhes os hediondos castigos cometidos contra os escravizados no país.

Izak Dahora: Toussaint Louverture – O líder da Revolução do Haiti viveu entre 1743 e 1803, foi escravizado até os 30 anos, e ainda assim aprendeu a ler e escrever. Ao ganhar a alforria, liderou o levante que conduziu os africanos escravizados a uma vitória sobre os colonizadores franceses, abolindo a escravidão no local. Em 1804, proclamou a independência de São Domingos (Haiti).

Olívia Araújo: Harriet Tubman – Ex-escravizada, tem data de nascimento imprecisa (1820 ou 1822) e viveu até 1913. Alistou-se como cozinheira e enfermeira durante a Guerra Civil Americana para espionar e captar informações, e ali ajudou na fuga de centenas de escravizados dos territórios dominados das fazendas do sul dos Estados Unidos rumo ao norte do país, onde não havia escravidão, e ao Canadá.

Fabrício Boliveira: Olaudah Equiano – O escritor nigeriano, que viveu entre 1745 e 1797, foi sequestrado e escravizado quando tinha 11 anos. Na Virgínia, foi vendido a um oficial da Marinha Real, com quem viajou pelos oceanos por cerca de oito anos, período em que aprendeu a ler e escrever. Conseguiu comprar a própria liberdade, e, em Londres, envolveu-se no movimento abolicionista. Em 1789, ele publicou sua autobiografia, que é um dos primeiros livros publicados por um escritor negro africano.

Aline Deluna: Virgínia Leone Bicudo – Socióloga e primeira mulher psicanalista brasileira, nasceu em São Paulo e viveu entre 1910 e 2003. Cofundadora da Sociedade Brasileira de Psicanálise, é uma das responsáveis por importantes publicações na área.

Flávio Bauraqui: Luis Gama – Importante líder abolicionista, jornalista e poeta brasileiro, nasceu em Salvador e viveu entre 1830 e 1882.  Filho de um descendente de portugueses com uma escravizada liberta, foi vendido pelo próprio pai. Autodidata, tornou-se um dos advogados abolicionistas mais atuantes do país, responsável pela libertação de centenas de negros mantidos no cativeiro.

Bárbara Reis: Rosa Parks – Ativista dos direitos civis, nasceu nos Estados Unidos e viveu entre 1913 a 2005. Atuava no Montgomery, no Sul dos Estados Unidos, centro dos maiores conflitos raciais do país. É tida como a “mãe do moderno movimento dos direitos civis” nos Estados Unidos.

Bukassa Kabengele: Nelson Mandela – Advogado, presidente da África do Sul, viveu entre 1918 e 2013. Liderou o movimento contra o Apartheid – legislação que segregava os negros no país. Condenado em 1964 à prisão perpetua, foi libertado em 1990, depois de grande pressão internacional. Recebeu o “Prêmio Nobel da Paz”, em dezembro de 1993, pela sua luta contra o regime de segregação racial.

Ângelo Flávio: James Baldwin – Escritor, dramaturgo, poeta e crítico social, nasceu nos Estados Unidos e viveu entre 1924 e 1987. Em Paris, escreveu o livro semiautobiográfico ‘Go tell it on the mountain’, publicado em 1953 e considerado pela revista Time, em 2005, um dos 100 melhores romances de língua inglesa do século 20.

Samuel Melo: Malcolm X – Ativista de direitos civis, nasceu nos Estados Unidos, viveu entre 1925 e 1965. Por influência dos irmãos aderiu ao islamismo. Por conta de sua inteligência, oratória, personalidade forte, logo arrebatou multidões. Com o aumento de sua popularidade, aumentou também sua rejeição e fez inimizades que o levaram a ser assassinado.

Aílton Graça: Milton Santos – Geógrafo, jornalista, advogado e professor universitário, nasceu em São Paulo, e viveu entre 1926 e 2001. É reconhecido mundialmente como um dos maiores geógrafos brasileiros. Em 1994 foi consagrado com o Prêmio Vautrin Lud (algo como o prêmio Nobel da Geografia). Tem mais de 40 livros publicados em sete línguas.

Guilherme Silva: Martin Luther King – Pastor batista e ativista político, nasceu nos Estados Unidos, viveu entre 1929 e 1968. Dentro do movimento negro, lutava pela igualdade civil entre negros e brancos e tinha como estratégia de luta o método da não-violência e a pregação de amor ao próximo, inspiradas nas ideias cristãs.

Ivy Souza: Nina Simone – Cantora, compositora e ativista pelos direitos civis, nasceu nos Estados Unidos, viveu entre 1933 e 2003. Usava suas canções para expressar sua revolta com os conflitos raciais que testemunhou desde a infância no Sul dos Estados Unidos.

Mariana Nunes: Lélia Gonzalez – Historiadora, antropóloga e professora, nasceu em Belo Horizonte, e viveu entre 1935 e 1994. Intelectual que dedicou parte de seu trabalho a analisar os efeitos da nefasta combinação entre racismo e sexismo na situação das mulheres negras, além de discutir a linguagem e criar as noções de amefricanidade e pretuguês.

Babu Santana: Muhammad Ali – Maior pugilista da História, eleito “O Desportista do Século”, nasceu nos Estados Unidos, viveu entre 1942 e 2016. Nasceu Cassius Clay e converteu-se ao islã, mudando de nome. Convocado, recusou-se a ir à guerra do Vietnã e desafiou o governo americano. A atitude rendeu a cassação de seu título de pesos pesados e o deixou por três anos longe dos ringues até que a Suprema Corte decidisse a seu favor.

Naruna Costa: Angela Davis – Filósofa e ativista, nasceu em 1944 nos Estados Unidos. Ainda adolescente, organizou grupos de estudo inter-raciais, que acabaram perseguidos e proibidos pela polícia. Foi perseguida por sua associação com o partido comunista americano e com os Panteras Negras, condenada e presa sem provas. Ao sair da prisão, tornou-se uma influente professora de história e passou a militar contra o sistema carcerário norte-americano.

Valdinéia Soriano: Luiza Bairros – Administradora e cientista social, nasceu em Porto Alegre, viveu entre 1953 e 2016. Foi um dos nomes mais atuantes do Movimento Negro Unificado (MNU), a principal organização da comunidade negra do país na segunda metade do século 20. Foi secretária de Promoção da Igualdade Racial da Bahia entre 2007 e 2011 e ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil, entre 2011 e 2014.

Taís Araujo: Marielle Franco – Vereadora, socióloga, ativista de direitos humanos, nasceu no Rio de Janeiro, no Complexo da Maré, viveu entre 1979 e 2018. Eleita vereadora em 2016, presidiu a Comissão de Defesa da Mulheres e foi executada em 14 de março de 2018. Sua morte virou um marco e motivou protestos por vários países do mundo. Ainda hoje o caso não foi desvendado. A vereadora defendia as causas das mulheres, negros, LGBTs e da periferia.

Silvio Guindane: Neilton Pinto – Trabalhador autônomo, pai do adolescente João Pedro Matos Pinto, de 14 anos, assassinado em 18 de maio de 2020 com um tiro na barriga após uma operação conjunta da Polícia Federal e da Polícia Civil no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro.

Tatiana Tibúrcio: Mirtes Santana – Empregada doméstica, mãe do menino Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, morto após cair do nono andar de um prédio de luxo no centro do Recife, no dia 2 de junho de 2020.

Tulanih Pereira: a atriz interpreta um misto de depoimentos de manifestantes à época do trágico episódio que culminou com a morte de George Floyd, em Minneapolis (Estados Unidos), em 25 de maio de 2020, que deu início a uma onda de protestos pelo mundo. Floyd morreu asfixiado depois que um policial ajoelhou-se em seu pescoço durante 8 minutos e 46 segundos.

Direção artística de Lázaro Ramos
Ideia original e roteiro de Manuela Dias
Assistente de direção Mayara Pacífico
Direção de fotografia de Pablo Baião
Disponível no Globoplay

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